Por: André | 08 Mai 2015
“Francisco está persuadido de que a Igreja, as grandes religiões monoteístas e ele como pessoa, têm um papel fundamental a jogar a favor da paz mundial. Por isso, compromete-se em negociações, mantêm diálogos reservados, cria espaços de encontro, mesmo com o risco de fracasso que isso traz. Sabe que o caminho escolhido comporta perigos e está disposto a corrê-los. Mas também está convencido de que os frutos podem ser muito importantes particularmente para a Igreja católica, para a revitalização de sua imagem na sociedade e o robustecimento da sua incidência. Até agora o balanço é positivo para Francisco”.
A análise é de Washington Uranga, em artigo publicado por Página/12, 07-05-2015. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
Com sua visita a Roma, o líder cubano ratifica o que disse em várias ocasiões quando, de maneira explícita, agradeceu o empenho do Papa para conseguir o desbloqueio das relações com os Estados Unidos.
“Milagre”, dizia a principal manchete da capa do Página/12 de 20 de novembro de 1996 acompanhando uma foto do aperto de mãos entre João Paulo II e Fidel Castro. “Caiu outro muro. O Papa recebeu Fidel no Vaticano e aceitou viajar a Cuba no ano que vem”, acrescentava a manchete. Então o mundo se admirava de um fato político tão importante quanto inusitado. O degelo das relações havia começado em 1986 com o I Encontro Nacional Eclesial Cubano e as posteriores viagens diplomáticas entre Havana e o Vaticano.
No próximo domingo, o presidente de Cuba, Raúl Castro, será recebido “de forma estritamente privada” pelo atual Papa, Francisco. Aquele encontro entre Karol Wojtyla e Fidel foi um fato político de magnitude, minuciosamente estudado pelos interlocutores, medindo cada movimento. A reunião do domingo entre Raúl e Bergoglio se dá em um clima muito mais distendido, de maior confiança entre as partes, abonado sem dúvida pelas exitosas gestões que Francisco fez para conseguir a aproximação entre o governo da ilha caribenha e os Estados Unidos. Mas tem também uma enorme importância política tanto para Cuba como para o Vaticano.
Com sua visita a Roma o presidente cubano produz um gesto político que ratifica o que disse em várias ocasiões quando, de maneira explícita, agradeceu o empenho do Papa para conseguir o desbloqueio das relações com os Estados Unidos. O governo cubano está agradecido, mas, ao mesmo tempo, quer que Francisco continue colaborando na mesma linha. Faltam ainda muitos passos para a efetiva normalização das relações, para que caiam todas as barreiras e as agressões que durante anos os Estados Unidos construíram contra a Revolução Cubana. Cuba quer caminhar de forma mais acelerada rumo a relações igualitárias com os Estados Unidos e reconhece que Francisco é um apoio indispensável nesse processo. O peso simbólico e a autoridade moral que o Papa tem podem frear pretensões baseadas no maior poderio da maior potência do mundo.
Mas também se está iniciando um outro capítulo na vida política, cultural e religiosa dos cubanos. Francisco fez mais um gesto. Visitará Cuba em setembro próximo, antes de ir aos Estados Unidos. João Paulo II já esteve na ilha em 1998 e Bento XVI em 212, mas nenhum destes pontífices teve sinais tão claros e diretos a favor de Cuba como esses do atual Papa. Também por isso, em Cuba, respira-se um clima diferente na relação entre a Igreja católica e o governo, sobretudo tendo em conta que houve tempos de muita tensão e desconfiança mútua. A visita de Francisco, antecipam as fontes oficiais do governo cubano, será um acontecimento político-religioso muito importante e de grande massividade. A Igreja e o governo revolucionário terão que se acostumar com um novo modo de relação, com outras formas de convivência mais próxima ao diálogo e à cooperação que em períodos anteriores.
Se o cenário da vida cubana em todos os níveis será claramente afetado pelo novo contexto do diálogo entre Havana e Washington, o capítulo religioso é uma dimensão a se ter em conta nesse marco. O povo cubano é culturalmente religioso e continuou a sê-lo apesar do ateísmo proclamado pela revolução. Mas, embora essa religiosidade seja marcada por marcas do catolicismo, hoje se expressa de maneira sincrética em diferentes manifestações. Francisco não diminui o valor político da sua viagem, mas tenta também com sua visita reforçar a Igreja católica cubana, recuperar fiéis e impulsionar os católicos a participarem ativamente da vida política, social e cultural da ilha. Porque é uma necessidade da conjuntura, mas também porque esse é o olhar que o Papa tem sobre a presença dos leigos católicos na sociedade contemporânea.
Para Jorge Bergoglio, a viagem a Cuba e depois aos Estados Unidos – onde também falará nas Nações Unidas – faz parte da sua estratégia política internacional e da sua impostação como um líder que é referência não apenas para assuntos religiosos, mas também ativo protagonista para colaborar na superação dos conflitos políticos e nas guerras em qualquer lugar do mundo. Demonstrou isso desde que assumiu o pontificado há pouco mais de dois anos.
Francisco está persuadido de que a Igreja, as grandes religiões monoteístas e ele como pessoa, têm um papel fundamental a jogar a favor da paz mundial. Por isso, compromete-se em negociações, mantêm diálogos reservados, cria espaços de encontro, mesmo com o risco de fracasso que isso traz. Sabe que o caminho escolhido comporta perigos e está disposto a corrê-los. Mas também está convencido de que os frutos podem ser muito importantes particularmente para a Igreja católica, para a revitalização de sua imagem na sociedade e o robustecimento da sua incidência. Até agora o balanço é positivo para Francisco, mas para isso teve que imbuir a diplomacia vaticana com seu olhar de estrategista político, o mesmo de que fez gala ao longo de toda a sua trajetória, primeiro na Argentina para a política interna e depois no Vaticano em nível universal.
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O significado do encontro entre Castro e Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU