03 Agosto 2016
"Francisco vem coerentemente rejeitando a narrativa do jihad e das cruzadas. Ele a negou novamente quando se confrontou com o horrível assassinato do Pe. Jacques Hamel na terça-feira da semana passada. Estamos em guerra, disse ele, mas não é uma guerra de religiões", diz o editorial publicado pelo jornal The Guardian, 31-07-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o editorial.
O Pontífice compartilha de alguns traços com João Paulo II, mas possui uma pauta muito diferente.
Um milhão e meio de pessoas se dirigiram à missa de despedida em Cracóvia neste domingo, 31-07-2016. Numa época de ceticismo crescente para com a figura de autoridade, nenhum outro líder mundial conseguiria atrair uma multidão como essa. Nenhuma outra pessoa com 79 anos conseguiria atrair 300 mil jovens para ouvir o que tem a dizer. Portanto é paradoxal que a mensagem do papa, e mesmo a sua pessoa, possa ter sido quase tão desagradável para os seus anfitriões devotamente católicos quanto o foi o seu antecessor o Papa São João Paulo II, quando visitou do governo comunista em 1979.
Da mesma forma como o antecessor, o Papa Francisco tem um domínio teatral pleno ao desempenhar suas funções: os dois líderes empregaram pequenos gestos para comunicar grandes ideias a públicos enormes de um modo, ao mesmo tempo, íntimo e universal.
Mas eles vêm empregando esses talentos a serviço de pautas bem diferentes. Podemos dizer que os dois estão unidos no conteúdo da doutrina, porém, mesmo se isso fosse verdade, aqui o estilo importa quase mais – e no estilo estes dois grandes homens são polos opostos. “Quem sou eu para julgar?”, perguntou-se o Papa Francisco numa frase que ficou famosa. Ninguém teria se atrevido a perguntar a João Paulo II quem lhe deu o direito de julgar alguém. Esse papa fez um juízo a respeito de todo o sistema comunista, e pareceu que a história o justificava.
O Papa João Paulo II jamais recuou de uma luta; o Papa Francisco também não hesita, mas ele vem procurando tentar coerentemente trabalhar junto com os seus opositores desde quando os seus experimentos em autocracia enquanto jovem jesuíta saíram pela culatra de forma muito negativa contra ele. Os dois homens também representam ideias diferentes da identidade cristã. Para o Papa João Paulo II, a nação cristã por excelência era a Polônia; mas o Papa Francisco quer uma igreja sem nações, que acolhe os pobres de todos os países e aqueles ainda mais pobres que não mais possuem um país para si. A primeira visita que fez como papa foi à ilhota mediterrânea de Lampedusa, onde refugiados desesperados chegam toda semana. Ele não perde tempo nem tem simpatia pelos que se preocupam com que esta maré de miséria humana é também uma invasão bárbara.
Essa é exatamente a atitude do atual governo polonês, que combina um catolicismo fervoroso com uma determinação igualmente apaixonada para ignorar as opiniões do atual papa. Assim que chegou, o pontífice censurou o governo por sua recusa em aceitar muçulmanos que buscam asilo, embora ele o tenha dito apenas uma vez. É uma visão muito diferente daquela Europa de João Paulo II. Muito embora esteja bem ciente dos sofrimentos dos cristãos e outros no Oriente Médio, Francisco vem coerentemente rejeitando a narrativa do jihad e das cruzadas. Ele a negou novamente quando se confrontou com o horrível assassinato do Pe. Jacques Hamel na terça-feira da semana passada. Estamos em guerra, disse ele, mas não é uma guerra de religiões.
Quando foi a Auschwitz, o papa mostrou aquilo o que acredita ser realmente as religiões. Ele não teve palavras. O que aí se fez foi além da política: era uma tentativa de aniquilar todo e qualquer significado da humanidade. Em face daquele terror, o papa rezou em silêncio e pediu “o dom das lágrimas” para ele mesmo. Este é às vezes a maior eloquência.
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Papa Francisco em Cracóvia: o que as religiões realmente são. Editorial do jornal The Guardian - Instituto Humanitas Unisinos - IHU