04 Julho 2016
"A primeira passagem dele foi por furto. Estava com mais dois e pegou três motos do pátio da delegacia. Levou para curtir no fim de semana", afirma I.P., 37, mãe de um adolescente de 17 anos, que acumula oito passagens pela polícia e duas internações na Fundação Casa.
A reportagem é de Emílio Sant’Anna, publicada por Folha de S. Paulo, 03-07-2016.
Na delegacia do Parque São Rafael, eles não param de chegar. Policiais estimam que sejam responsáveis por até 60% das ocorrências do distrito. Brancos, negros, altos ou baixos, com famílias desestruturadas ou não, adolescentes "cada vez mais novos" são apreendidos diariamente.
Ali, no bairro pobre, repleto de ocupações irregulares, no extremo leste de São Paulo, eles compõem um retrato exato da situação dos menores envolvidos em atos infracionais na cidade. Nos cinco primeiros meses deste ano, a Polícia Militar realizou, em média, uma apreensão em flagrante a cada três horas.
Ao todo foram 1.333 casos, ou pouco mais de 10% do total registrado na cidade –no Estado, os flagrantes de menores de idade são 15% do total. Roubos, tráfico e furto são os principais atos infracionais cometidos por eles (95%). Casos mais graves como homicídios, latrocínios e estupros somam 0,5%.
No Estado todo os flagrantes de menores cresceram 41% em relação a 2010 –já os de adultos tiveram alta de 61%.
A zona leste lidera o ranking de menores apreendidos na cidade. Nessa região, o menino Waldik Gabriel Silva Chagas, 11, foi morto na noite de sábado (25), por guardas-civis que realizavam ronda em Cidade Tiradentes, a cerca de 30 km do centro.
Segundo depoimento, motoqueiros avisaram os agentes que um Chevette prata acabara de ser furtado. Os GCMs localizaram o carro e começaram a perseguição, que terminou com o menino morto por um tiro na nuca.
De acordo com a versão do guarda que fez o disparo, os ocupantes do veículo teriam atirado primeiro e ele então teria revidado. Os outros dois guardas que estavam no carro, no entanto, contradisseram o depoimento do colega.
Outro caso similar ocorreu no início do mês, Italo, 10, morreu atingido por um tiro na cabeça quando fugia da PM em um carro furtado, na Vila Andrade, zona sul.
Contestadas, as ações de guardas-civis e policiais militares são investigadas.
Ostentação
Roubar para "curtir no fim de semana" não parece incomum. "Isso veio com o funk, com a ostentação. Eles não começam a roubar para vender, mas para colarem bem na quebrada", diz o técnico em eletrônica C.B., 34, tio de um adolescente apreendido na Fundação Casa e que se tornou conhecido na delegacia de São Mateus.
Em dois anos, o jovem de 16 anos foi pego 11 vezes.
Para o coordenador do Centro de Estudos e Pesquisa em Segurança Pública da PUC Minas, Luis Flávio Sapori, o ingresso de menores no mundo do crime para ostentar revela um padrão de comportamento de pelo menos duas décadas no país e que encontra terreno fértil em locais de alta vulnerabilidade nas cidades.
Outro problema, diz o delegado Vanderlei Cavalcanti, titular do distrito de São Mateus, é que esses jovens começam a cometer atos infracionais cada vez mais cedo, acompanhados por adultos.
Em abril, Leonardo Caíque Cassiano Almeida, 15, morreu após ser baleado em uma tentativa de roubo, no mesmo bairro. O adolescente voltava da escola com um grupo de amigos quando foram abordados por criminosos em duas motos na rua Forte de Cananéia, por volta das 23h.
Na tentativa de defender uma colega, o menino entrou na frente dela e foi atingido no peito. Os ladrões fugiram sem levar nada.
Aquele, no entanto, não era o primeiro assalto da noite. Em cima da mesa do delegado estão um pedido de prisão e três de apreensões.
O suspeito de ter feito o disparo é Alexandre Silva, 19. Com ele, estavam três adolescentes. Todos estão foragidos.
Campeãs em flagrantes carentes
Na medida em que se avança em direção ao extremo da zona leste de São Paulo, as carências ficam cada vez mais claras. A avaliação é dos próprios moradores e de quem trabalha na região.
"Falta muita coisa mesmo. Principalmente esporte, cultura e lazer", afirma o conselheiro tutelar em São Mateus Cacio Pereira Nunes.
Ali, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, por exemplo, fica a baixo da média da cidade. O mesmo ocorre com o vizinho Parque São Rafael e outras áreas da região.
Outra forma de observar essas carências está nos dados da Polícia Militar sobre apreensões de menores neste ano. Nas áreas de dois batalhões da PM estão os distritos com os maiores números de casos: Ermelino Matarazzo, Vila Jacuí, Jardim Popular (2º), Parque São Rafael, São Mateus e Teotônio Vilela (38º).
Nessas duas áreas, com quase 700 mil habitantes, em que 209 adolescentes foram apreendidos em flagrante neste ano, a falta de estrutura é uma constante. "Temos cerca de 150 policiais civis para Parque São Rafael, São Mateus e Teotônio. É muito menos do que cidades do interior", diz um agente que pede para não se identificar.
Nas delegacias da região, o mesmo discurso se repete. "Falta tudo por aqui", diz outro agente.
"O que nós precisamos são delegacias especializadas em crianças e adolescentes", afirma o conselheiro.
Para o advogado Ariel de Castro, do Condepe (Conselho Estadual de Direitos Humanos), o modelo ideal é o adotado no Rio de Janeiro. "São dois: um para a defesa dos direitos de crianças e adolescentes e outro para apurar os atos infracionais", diz.
Castro vê com especial preocupação as mortes dos menores em confrontos com a polícia e a Guarda Civil Metropolitana. "É como se após a discussão sobre a redução da maioridade penal estivessem decretando a sentença de morte", diz, fazendo referência aos casos de Waldik Gabriel Silva Chagas, 11, e Italo, 10, mortos respectivamente pela GCM e Polícia Militar.
A ação das duas corporações nas mortes dos meninos é contestada por especialistas –os casos são apurados.
Na última semana, o prefeito Fernando Haddad (PT) e o secretário Municipal de Segurança Urbana, Benedito Mariano, condenaram a ação da GCM. O governo Geraldo Alckmin (PSDB) não fez críticas à atuação dos PMs.
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Na cidade de São Paulo, Polícia Militar apreende um menor a cada três horas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU