01 Junho 2016
Como eu nem sempre concordo com as teses dele, assinalo o artigo de Slavoj Žižek intitulado "Sexo é política", no último número da revista Internazionale. Nele, fala-se do conflito que está opondo dois músicos famosos no mundo árabe e além: Mohammed Assaf, cantor pop de Gaza, nomeado pela Autoridade Palestina como embaixador cultural, e o rapper, também palestino, Tamer Nafar (coautor e ator do filme Junction 48, de Udi Aloni).
O comentário é do jornalista italiano Alberto Leiss, colunista do jornal Il Manifesto, 30-05-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O primeiro, em março passado, declarou em uma entrevista que, por respeito à tradição, não permitiria que a sua irmã cantasse em público.
O segundo lhe dirigiu uma carta aberta, em que afirma que, se qualquer outro artista pop tivesse dito a mesma coisa, ele teria protestado, mas "como quem disse essas palavras foi Assaf, a nossa Cinderela de Gaza, eu estou com raiva, mas, principalmente, me sinto ferido".
Assim como todos os palestinos – continua a carta –, em todas as partes do mundo, se uniram a Assaf para apoiar a ele e a causa comum, "pedimos que Assaf se una a nós nas mesmas ruas para encorajar as jovens do Iêmen, de Gaza, do Marrocos, da Jordânia e de Lod, aquelas jovens que sonham em cantar, dançar, escrever e se exibir no programa Arab Idol. Como palestinos, devemos combater o apartheid israelense e o apartheid de gênero...".
E conclui: "Você quer falar de tradições? Antigamente, eu era um garoto com raiva nos guetos de Lod. Eu não conseguia me acalmar enquanto minha mãe não cantasse uma canção de Fairuz. Essa é a tradição que eu quero conservar ciosamente! Por isso, minhas caras irmãs árabes, cantem o mais forte possível, despedacem as fronteiras para nos fazer acalmar. Liberdade para todos ou liberdade para ninguém".
Žižek relata ainda que algumas canções de Tamer Nafar criticam a tradição do "crime de honra" (do you remember?) do qual são vítimas as jovens palestinas, e que, por isso, ele foi contestado nos Estados Unidos por estudantes antissionistas que o acusaram de endossar, assim, a propaganda antipalestina.
Esse relato entrou em ressonância com o que eu ouvi de amigas feministas que lidam com o acolhimento de refugiados e imigrantes, entre os quais também acontecem episódios de violência contra as mulheres: muitas vezes, prefere-se não falar sobre isso, para não agravar os preconceitos e a hostilidade – depois instrumentalizada por uma certa política – contra pessoas que já vivem um drama terrível.
Talvez se possa compreender a atenção ao abrir conflitos ou fazer denúncias que poderiam produzir, nos fatos, uma piora da vida de todos, incluindo as das mulheres vítimas. E, além disso, que autoridade moral aqueles que estão no Ocidente tem para criticar os comportamentos daqueles que vivem em culturas que o próprio Ocidente oprime política e culturalmente, também provocando guerras e violências justamente em nome das liberdades civis e sexuais do mundo "desenvolvido" e democrático?
Mas tais interrogações não me convencem no mesmo momento em que eu as formulo. Neste caso, estou de acordo com a tese de Žižek: "A imposição de valores ocidentais, como os direitos humanos e o respeito pelas culturas diversas, independentemente dos seus horrores, são dois lados da mesma mistificação ideológica".
Justamente, se não temos a consciência no lugar pelas tantas batalhas de liberdade ainda a serem feitas na nossa pátria e se ficamos estarrecidos diante da incapacidade ocidental de enfrentar decentemente dramas como o conflito entre israelenses e palestinos, ou a imigração à Europa, devemos escutar o rap libertador de Tamer Nafar e buscar relacionamentos com homens como ele.
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Liberdades civis e sexuais para uns em troca de guerras e violências para outros? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU