Por: André | 19 Mai 2016
Na opinião do economista e cientista político italiano Ricardo Petrella (foto) a crise dos imigrantes na Europa demonstra o fracasso da integração europeia e a impossibilidade do Velho Mundo para manter relações com outros continentes.
Fonte: http://bit.ly/1XBKZD3 |
A reportagem é publicada por Página/12, 18-05-2016. A tradução é de André Langer.
A situação migratória na Europa atingiu quase 2 milhões de pessoas e é considerada a pior crise de deslocados desde a Segunda Guerra Mundial. O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, informou que em 2015 chegaram à Europa 500 mil pessoas em busca de proteção internacional e estimou que se chegue a 850 mil pessoas este ano. Desse total, 366 mil chegaram através do Mediterrâneo, de acordo com um relatório do Escritório para Refugiados das Nações Unidas (Acnur).
Os países que recebem o maior número de migrantes são Itália, Grécia e Hungria, pelas rotas do Mediterrâneo e dos Bálcãs, embora a Alemanha seja o país que mais solicitações de asilo teve no ano passado. Do outro lado, são os sírios (que estão em guerra civil há cinco anos) que mais tomaram vias irregulares para migrar, chegando a quatro milhões os que tiveram que abandonar o seu país, de acordo com a Anistia Internacional. Mas também há migrantes do Afeganistão, Eritreia, Nigéria e Somália.
A Convenção de Dublin da União Europeia estabelece que os migrantes devem pedir asilo no lugar por onde entram e sejam registrados, mas muitos países do bloco decidiram fechar os olhos diante dos deslocamentos. “O mundo fracassou, porque aceitamos que o homem é um recurso que vale em termos de troca, e se vale, deve ser protegido, caso contrário pode ser abandonado no mar”, disse Ricardo Petrella, economista e cientista político italiano, em uma entrevista ao Página/12, no âmbito do Seminário Internacional sobre o impacto das migrações na Europa organizado pela Universidade Nacional de Tres de Febrero.
Como vistas a frear o fluxo migratório, a Comissão Europeia assinou em março um acordo com a Turquia para devolver todos os estrangeiros que chegarem ilegalmente às costas gregas. Em troca, a União Europeia, que desembolsou 3 bilhões de euros para atender os refugiados, compromete-se a trazer da Turquia um número de refugiados equivalente ao de expulsões. Para Petrella, o mais importante do acordo, além da gestão dos migrantes, é que aceitamos que navios da OTAN patrulhem o Mar Egeu, o que significa que uma organização militar está encarregada da gestão de pessoas. “Como vamos responder ao fato de que os europeus tenham atingido um nível tão baixo de consciência humana, política e social?”
Petrella é professor emérito da Universidade Católica de Lovaina e é reconhecido internacionalmente por sua luta pelo direito universal à água, por exigir a revolução contra a militarização mundial, a ampliação das desigualdades sociais, a devastação do meio ambiente e a dominação das finanças. É o fundador do Grupo de Lisboa e foi assessor do presidente da Comissão Europeia, Jacques Delors.
O especialista afirma que as migrações destes últimos anos na Europa mostraram o fracasso de três processos, que dão uma visão negativa da realidade. “O primeiro é o fracasso da integração europeia. A Europa não foi capaz de se integrar. Criaram apenas um mercado e uma moeda únicos. Não tem uma política comum sobre os migrantes; há 28 políticas migratórias. Isso demonstra que os dirigentes tiveram os olhos tapados e não foram capazes de enxergar além do local, do plano nacional.
O segundo fracasso é que não há uma política nas sociedades do Mediterrâneo; 40 mil pessoas morreram tentando atravessá-lo, porque acreditaram que encontrariam a esperança do outro lado da costa. Os europeus e os Estados árabes do sul do Mediterrâneo são responsáveis por isso. Foram incapazes de ir além dos seus narizes.
Por último, o terceiro fenômeno mostrado pelas migrações é o fracasso da Europa em manter relações com os outros continentes. Demonstraram uma grande cegueira e se fecharam na crise do mundo árabe, da Europa e na guerra entre as religiões”.
Nesta mesma linha, o especialista em movimentos migratórios, cientista político e catedrático da Universidade de Paris, Sami Naïr, considera que a Europa fracassou, porque o sistema migratório, criado na década de 1980 e várias vezes modificado, é inadequado porque não responde à realidade demográfica, nem geopolítica atual. Naïr conta: “Desde 1991, houve uma má ou péssima gestão dos fluxos migratórios, sem uma política aberta e solidária quanto à migração, e agora estamos pagando por isso. Diante da tragédia humana dos refugiados, cada país reage em função de seus interesses particulares”.
Para Petrella, existe uma incapacidade do mundo rico desenvolvido para ajudar na criação de condições para que todo o mundo possa trabalhar e viver em seu país e que as migrações sejam processos decididos livremente por vontade própria e não processos de deslocamentos forçados de populações. “Dizem que os europeus não podem receber todo o planeta em seu território, que não se pode colocar sobre os seus ombros todos os males e que primeiro têm que pensar em sua população. Isto é uma desculpa. A história mostrou que tiram proveito da pobreza. Também dizem que os refugiados provêm das zonas de onde nos atacam, ou seja, que são terroristas e que estariam recebendo aqueles que não querem a nossa civilização. Mas esquecem de contar que o Iraque não atacou a Grã-Bretanha, mas o contrário, que a França bombardeou a Líbia e os Estados Unidos o Iraque. O terrorismo somos nós, não eles”.
De acordo com Petrella, as soluções não são encontradas nestas desculpas, porque a Europa adotou políticas de intolerância. “Mudou-se a cultura da coexistência. Em vez de viver em uma sociedade onde cada um é igual em relação aos direitos, todos somos diferentes em relação ao nosso poder aquisitivo. Há um sistema baseado na mercantilização da vida; os seres humanos são mercadoria. A desigualdade é considerada algo dado naturalmente”.
Petrella considera que é preciso dar respostas efetivas imediatas e propõe que os europeus lutem contra a política da austeridade, como, por exemplo, suprimindo a autonomia do Banco Central Europeu e dando independência à Europa em matéria monetária e financeira. Também afirma que é preciso impedir a assinatura da proposta da Área de Livre Comércio Transatlântico (entre a União Europeia e os Estados Unidos), que regularia os problemas de relações entre investidores e Estado, em detrimento da capacidade dos governos para legislar em prol dos cidadãos.
“Finalmente, no longo prazo deve-se eliminar a comercialização das sementes, da água, da saúde e da educação. Isso é a vida. Somos criadores de vida e não creio que seja ruim, mas se confiarem tudo isso a lógicas privadas, será. Espero que Deus entre em greve contra este capitalismo mundial globalizado que quer ocupar o seu lugar. Eu organizaria o sindicato de Deus para combater esta situação.”
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“A desigualdade é considerada natural”. Entrevista com Ricardo Petrella - Instituto Humanitas Unisinos - IHU