10 Mai 2016
Uma filosofia que faz de tudo para se imunizar da realidade é uma "serviçal" que se torna inútil, senão danosa, à "patroa" Teologia.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, leigo casado, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua.
O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 01-05-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Lendo as recentes "externações descompostas" do professor R. Spaemann, custa-se um pouco a pensar que quem fala é um filósofo. Spaemann está tão cegado pela mudança de estilo e de abordagem que encontra na Amoris laetitia a ponto de se rebelar, de chamá-la de ruptura, de tentar desqualificá-la, de injuriá-la, de envergonhá-la, a fim de não admiti-la não digo como real, mas, ao menos, como possível.
Ao fazer isso, ele usa os conceitos de modo rude, pesado, desajeitado. Gostaria de mostrar onde estão as suas principais "falhas". Para esse escopo, é suficiente ler o início do seu artigo no jornal Il Foglio do dia 31 de abril passado, com o título "Spaemann à queima-roupa contra o papa: 'Ele leva a Igreja ao cisma'":
"Acho difícil entender o que o papa quer dizer quando diz que ninguém pode ser condenado para sempre. É claro que a Igreja não pode condenar ninguém, nem mesmo eternamente – o que, graças a Deus, ela não pode nem fazer. Mas, quando se trata de relações sexuais que contradizem de modo objetivo o ordenamento de vida cristão, eu realmente gostaria de saber do papa depois de quanto tempo e em que circunstâncias uma conduta objetivamente pecaminosa se torna agradável a Deus".
Diante dessa frase, não deveríamos nos admirar se quem a pronunciasse fosse um simples cristão ou um pároco, ou também um bispo, talvez até um cardeal, não muito teologicamente qualificado, mas, acima de tudo, não forte demais no plano filosófico. Mas não é possível imaginar um filósofo tão renomado e talvez até um pouco "inflado" como Spaemann usar de modo tão ingênuo o conceito de "modo objetivo" e de "quantidade de tempo". Para Spaemann, que parece ter jejuado da tradição filosófica não só do século passado, não pode haver relação entre "ser" e "tempo". Se a coisa é, de certo modo, "objetiva", o tempo não pode ter nada a ver com ela. Ele só pode mantê-la como ela é.
Aqui, está-se falando de "relações sexuais" que "contradizem de modo objetivo" o ordenamento de vida cristão. O sofisma é logo construído: se a relação é objetivamente pecaminosa, o pecado só pode cessar se a relação cessar. E, então, Spaemann, que até seria um homem de pensamento, também prefere "objetivar" as vidas, as experiências, as histórias, e reduzir a nada todo discernimento, todo acompanhamento, toda integração. De que o papa fala? Nada é possível, e não o é ontologicamente!
Spaemann permanece prisioneiro, com o seu pequeno pensamento, de um "não pensamento". O "não pensamento", que atravessou há um século a Igreja Católica, se escondeu diante da realidade que mudava e se refugiou nessa "ontologia estática, sem qualquer devir".
O ser é; o não ser não é. Aplicado à "família cristã", esse sofisma funciona assim. Se a relação é objetivamente pecaminosa, e é justamente uma "nova e segunda relação", os caminhos só podem ser dois. Ou essa relação se torna um "não ser", perde objetividade, e a pessoa se salva. E, para obter esse "não ser", pode ser suficiente uma "não relação na relação", ou seja, que na "segunda união" haja de tudo, exceto sexo.
Ou, para se salvar, o sujeito deve fazer com que a "primeira relação" perca objetividade. A principal via dessa "ontologia negativa" é, há séculos, a "declaração de nulidade do vínculo". No caso em que a "primeira relação" nunca tenha existido – nunca foi um verdadeiro "objeto" – a nova relação torna-se, então, objetivamente válida porque não é mais segunda, mas primeira, não mais em contradição objetiva com a norma, e os sujeitos se salvam.
Esse era, para a Igreja Católica, o único remédio "objetivo", até a Amoris laetitia. Só um filósofo com a cabeça nas nuvens pode pensar que esse modo de pensar "objetivamente" tem alguma relação com a realidade. Na realidade, é um sofisma ontológico, que entrou na mentalidade de muitos juristas e de muitos dogmáticos, e que se espalhou como fogo em muitos âmbitos pastorais, morais, espirituais. Mas, sendo uma forçação ontológica da realidade, ele determina como cascata hipocrisias, ficções, mistificações, retrodatações, desaparecimentos, equívocos.
Por si só, a instituição da "nulidade" tem toda a sua dignidade, sobretudo acerca das "coisas". Mas, na tradição católica recente, desde o Código de 1917, temos incentivado muito uma tendência a compreender o matrimônio na categoria "de rebus". Só a "objetivação" parece tranquilizar, também em uma sociedade de alta diferenciação, mesmo no triunfo do amor como "paixão".
Mas, mais do que tranquilizar, ela narcotiza, adormece, remove, mistifica. Isso, evidentemente, exerce um fascínio também sobre os filósofos dispostos a não ir muito pelas sutilezas. E a falar de "objetividade", sem problematizar minimamente uma das palavras mais problemáticas dos últimos 300 anos!
Mas Spaemann acredita que conduz a sua própria boa batalha pensando em contrapor com a dura objetividade da "irregularidade" a impotência do tempo. E se pergunta ironicamente: será que Sua Santidade poderia nos dizer depois de quanto tempo poderemos chamar o mal de bem? Quase como um profeta, Spaemann ataca o Grande Sacerdote e pede uma resposta.
É uma pena que os papéis aqui estão simplesmente invertidos. Estamos em um tempo em que os professores idosos, com amizades nas alturas, se sentem tocados na sua pretensão sumo-sacerdotal quando um papa exerce profeticamente a sua boa autoridade. É a autoridade daqueles que não podem mais tolerar que um "sistema" gire em torno de si mesmo e pense que pode reduzir tudo – ex autoritate – à sua ideia. Objetivo torna-se, assim, muitas vezes, sinônimo de autorreferencial. Escutemos a profecia que ressoa na Evangelii gaudium:
"Dar prioridade ao tempo é ocupar-se mais com iniciar processos do que possuir espaços" (223).
No reconhecimento do primado da realidade sobre a ideia e na afirmação do primado do tempo sobre o espaço, Francisco se desmarcou definitivamente do "catenaccio" [estratégia de defesa] destes homens medrosos, que vendem a sua "racionalidade" pelo prato de lentilhas de uma sociedade bloqueada, fechada, que não inicia novos processos, mas que justifica os muros. Na Igreja e entre os Estados.
Não por acaso, o próprio Spaemann, novamente com as vestes do profeta – mas sempre e apenas da desgraça – tinha dito nos últimos meses, diante dos refugiados que chegam à Alemanha: "Não devemos conviver à força". Eu não entendo se ele me lembra mais Jeremias ou Isaías!
É suficiente esse início para entender tudo: o resto é apenas um desastre. Mas é, acima de tudo, um desastre filosófico. Faltam, aqui, as categorias elementares para entrar em relação com a realidade: as famílias ampliadas e os refugiados, se julgados à revelia – como faz Spaemann, que os considera adúlteros e ilegais –, geram apenas monstros.
As verdadeiras questões precisam de categorias bem diferentes. Uma filosofia que faz de tudo para se imunizar da realidade é uma "serviçal" que se torna inútil, senão danosa, à "patroa" Teologia.
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Descobrindo a "Amoris laetitia": o "profeta" Spaemann, a objetividade como "espaço a ser ocupado" e o tempo como "história a ser negada". Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU