03 Mai 2016
Decisões que podem ser consideradas "desproporcionais" – como o bloqueio do WhatsApp no Brasil por um juiz do Sergipe – deveriam passar por uma revisão rápida da Justiça. Essa é a opinião de Carlos Affonso Souza, especialista em direito e diretor do centro de estudos ITS-Rio (Instituto de Tecnologia & Sociedade do Rio).
Segundo ele, faz parte do jogo democrático que a decisão de um único juiz de primeira instância, como Marcel Montalvão, da comarca de Lagarto (SE), repercuta no cotidiano de milhões de pessoas pelo país. Contudo, agrega Souza, o Judiciário tem que ser célere o suficiente para revisar e eventualmente derrubar aquelas que sejam desproporcionais.
Ao mesmo tempo, é preciso que o sistema de recursos judiciais não sirva apenas para protelar uma decisão final.
No caso específico do bloqueio ao WhatsApp, ele sugere que se implemente um acordo de assistência judiciária firmado entre o Brasil e os EUA – em vigor no país desde 2001 e que facilita a cooperação dos Judiciários dos dois países – como uma solução mais adequada a esse tipo de enfrentamento entre empresas de tecnologia e Poder Judiciário.
A entrevista foi publicada pela BBC Brasil, 02-05-2016.
Leia trechos da entrevista.
Que tipo de consequências essa decisão judicial que bloqueia o WhatsApp pode gerar?
Não conheço o conteúdo da decisão (que corre em sigilo de Justiça), mas podemos tirar duas conclusões. A primeira é: a decisão é um caso em que um juiz demanda uma providência que a tecnologia não permite, como o encaminhamento de uma comunicação realizada dentro do aplicativo.
Vale lembrar que recentemente o WhatsApp migrou suas comunicações para um nível de criptografia que aparentemente torna difícil, se não impossível para a própria empresa ter acesso à comunicação que corre em seu aplicativo.
(Em segundo lugar), não tendo a dificuldade tecnológica, eu posso encontrar um desafio de natureza jurídica, sobre a forma pela qual dados de um usuário de uma plataforma como essa podem ser requisitados. E aí vale lembrar que muitas das empresas não possuem representação no Brasil. E aí fica a disputa se o WhatsApp teria ou não representação no Brasil.
Mas, em se considerando que não existe representação do WhatsApp no Brasil e que a sua operação é feita de forma independente do Facebook, a via regular para se solicitar informações que estão localizadas nos Estados Unidos é por meio do acordo de cooperação entre Brasil e EUA, internalizado na legislação brasileira como um decreto no início da década passada.
Então já existe acordo que permite a comunicação de dados, de provas que podem ser úteis em um processo que corre no Brasil, mas cujos dados dos usuários estão nos Estados Unidos. O que o WhatsApp pode alegar é que o Judiciário não pode recorrer diretamente à empresa. Ele precisaria encaminhar a comunicação tal qual prevista no acordo de cooperação.
Como o sr. vê a cooperação de empresas como o Facebook? Existe algum caminho viável para que possam colaborar com a Justiça?
As empresas têm colaborado com as investigações policiais. Existem formas para que isso ocorra e vem ocorrendo.
Eu sou otimista, eu acho que esse diálogo vem sendo aperfeiçoado, mas discussões e casos extremos acontecem aqui e ali, mas é bom que eles sejam a exceção.
Então a suspensão do WhatsApp é algo fora do padrão, um ponto fora da curva?
Esse é o problema: dizer que isso foi uma falha na curva fica cada vez mais difícil quando você pensa que foi a terceira ordem de bloqueio do WhatsApp no Brasil.
Ou seja, isso só reforça o ponto do acordo de cooperação com os Estados Unidos. Ele está velho e precisa ser revisado de forma a permitir que esses dados sejam processados de forma mais célere, especialmente em tempos de internet. Casos como esse mostram a falha do acordo de cooperação entre Brasil e Estados Unidos. Um acordo que foi assinado em 1997 e entrou em vigor como decreto no Brasil em 2001 não está considerando a velocidade da internet para tráfego de dados.
Como o sr. vê a decisão de um juiz de primeira instância de um dos Estados da Federação afetando usuários do serviço no país inteiro? Há poder demais nas mãos de uma pessoa só em vez de um grupo ou um colegiado?
O fato de essa determinação passar por um magistrado é algo natural da democracia. Decisões como essa precisam vir do Poder Judiciário e não do Executivo – acho que isso é uma conquista democrática.
Mas é também uma conquista democrática que as decisões possam ser revistas e que exista um sistema de recursos que não seja indutivo à protelação de uma decisão final. Que possa ser rápido para revisar decisões de um magistrado que eventualmente falham em passar nos testes de proporcionalidade.
Acho que esse é um desses casos, em que há uma decisão de um magistrado que falha gravemente em fazer o adequado teste de proporcionalidade. Ou seja, em nome de obtenção de algumas informações ou de algum provimento judicial que a gente não sabe qual é, se remove um aplicativo que é dos mais usados no Brasil inteiro. As pessoas o utilizam para fins educativos, profissionais e pessoais.
É claro que sempre existem outros aplicativos e que as pessoas podem migrar para outras soluções, mas ao mesmo tempo é importante perceber que se um aplicativo consegue angariar uma margem tão expressiva de usuários é porque ele faz sua função de forma correta. Simplesmente catapultar toda essa base de usuários para uma solução alternativa não parece ser uma ponderação adequada.
Muitas vezes essas empresas são criticadas por serem fechadas e supostamente não colaborar com a Justiça. O sr. vê algum lado positivo desse episódio?
Acho que tem um lado positivo sob o qual se pode analisar uma terceira ordem de bloqueio do WhatsApp no Brasil, que é evidenciar a necessidade de se reformar o acordo de cooperação judicial entre Brasil e Estados Unidos.
É importante lembrar que a internet é um recurso global. Isso aconteceu hoje com o WhatsApp e pode acontecer mais tarde com qualquer outro aplicativo que seja sucesso na internet e que a empresa não vai ter escritório no Brasil.
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País precisa de sistema ágil para rever decisões judiciais 'desproporcionais', diz analista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU