18 Março 2016
"Um 'petismo' fanático é uma inconsequência, e até irresponsável; mas um 'antipetismo' agressivo, violento, como se tem visto, é ainda mais perigoso e danoso a toda sociedade e à nossa jovem democracia. Nessa luta (já chamo assim) todos já escolheram um lado. Ninguém está indiferente. Eu opto pela democracia e pelo caminhar do processo, mesmo que lá na frente eu tenha de mudar. Mas não se pode mudar na parcialidade ou no vazio das acusações e daqueles que querem fazer justiça com as próprias mãos. Se a intenção era ter mãos limpas, pode-se errar e torná-las sujas, se o caminho não for democrático", escreve Cesar Kuzma, doutor em Teologia e professor do Departamento de Teologia da PUC-Rio.
Eis o artigo.
1. As novas (e velhas) questões políticas avançam e trazem novos questionamentos sobre nossas ações, emoções e atitudes. Hoje, e este "hoje" é uma expressão contextual, as questões se agravaram. Temos à nossa frente um sistema político podre, falido, corrupto e comprometido com velhas estruturas e uma divisão de faces que descortinam um horizonte não tão favorável para todos nós, enquanto pessoas, nação, projetos políticos e sociedade. Junto a este sistema, é possível notar uma sociedade amarga e imprevisível em suas atitudes e remorsos, não tendo medo ou vergonha ou sensatez naquilo que pede, cobra ou simplesmente compactua, muitas vezes sem saber a real causa ou consequência.
Vemos palavras de ordem, de justiça, de injustiça; também não faltam comentários agressivos e violentos de ambos os lados, seja nas ruas ou praças, seja nas redes "sociais", seja nas relações mais íntimas, inclusive entre amigos e irmãos..., o que nos faz perceber que a falta da razão, a falta de aprofundamento e a falta de uma perspectiva mais ampla do que nos é mostrado torna confusa, turva e singular a nossa visão. Não existe imparcialidade, pois querendo ou não tomamos um lado na discussão, e ela se faz (ou se pode fazer) verdadeira naquilo que se propõe, pois está apoiada na experiência de vida e nos princípios e valores de cada um. Este é um ponto.
2. Depois. Seria diminuir demais o nosso discurso social e político se levarmos em conta apenas aquilo que parte da mídia/imprensa (e com interesses bem próprios...) coloca à nossa frente e nos faz acreditar por "a" e sem "b" que tal fato é a única verdade, a única visão, mesmo que a notícia "editada" (portanto, parcial no seu interesse) seja uma parte interpretada da realidade. Ora, não se nega a realidade, pois há um princípio e indício de onde tudo se parte, mas a recepção do fato, a maneira como foi apurado e interpretado, com interesses diversos ou bem específicos, pode dar outra tonalidade aos fatos, caracterizando como verdadeiro ou não. Que denúncias chegam, que elas são graves (diria gravíssimas!), que houve fatos que envolveram este ou aquele grupo/partido são situações que devem ser apuradas, e, se comprovadas, que sejam tomadas as medidas cabíveis e com apoio no sistema judicial vigente, respeitando sempre a legalidade, o direito de defesa e o apuramento da veracidade de toda e qualquer investigação.
O que é estranho, e esta é a denúncia que se faz, é a forma como se tomam as providências e/ou a parcialidade com que se fazem os juízos, acirrando ódio, violência, confusões e interpretações, que podem estar próximas da ocorrência, do fato, ou totalmente distantes, devido à operacionalização ou maquinação do quadro interpretativo. Um processo de limpeza, operacionalizado pelo Poder Judiciário, se feito na abrangência e com interesse social e democrático, pode e será sempre um ganho. Afinal, esta é a função deste Poder.
Contudo, quando se vê na parte do Poder Judiciário aspectos partidários indiretos e/ou inclusos, ou o uso da questão judiciária por questões partidárias, seja pela interpretação do julgamento pela mídia/imprensa, seja da maneira como a classe política usa do evento com interesse próprio, seja pela não neutralidade daquele que atua no juízo, seja no vazamento parcial e intencional de informações a setores da imprensa bem selecionados [!], cujos interesses não são a justiça, mas a intromissão e a deturpação da ordem, quando isso ocorre, percebemos que não é o interesse democrático que está em jogo, mas outros, e podemos dizer que são interesses perigosos, com desfechos incalculáveis e trágicos, levando ao pior fim aqueles e aquelas que já estão no fim da história, os pobres.
3. E isso nos leva à crise político-partidária que tem o PT e o anti-PT como alvos e motivos de discussão. Como já disse acima, esta é uma discussão na qual os lados já foram tomados, mas muitas vezes não tão pensados, e é aí que mora o problema. Não é um dado novo dizer e afirmar que a presença do PT no poder, no governo federal, foi algo almejado, esperado e comemorado por diversos setores da sociedade, inclusive pelas igrejas que ajudaram na fundação deste partido e que ainda sustentam a sua base através de inúmeros movimentos e pastorais sociais. Eu diria, até, uma base que sofre [!], por diversas razões, mas tenta fazer da sua luta e da sua busca uma causa significativa e operante. Há neste dado, na chegada do PT ao poder, um evento singular, único na história do Brasil.
Também é fato dizer e afirmar que este governo (quer as pessoas gostem ou não) trouxe avanços significativos em vários setores da sociedade, dentre os quais o fato de que os esforços se concentraram mais na parte social, na educação superior, nos benefícios e na transformação na qualidade de vida de milhares de brasileiros. Dados internacionais comprovam isso. As duas eleições subsequentes também.
A ausência de um projeto alternativo da oposição também é um dado a se considerar. Situações favoráveis dentro e fora do País fizeram com que o namoro do Brasil com o PT e com sua política fosse agradável ou "tolerável" para os diversos setores da sociedade, pois na política adotada houve intenções e favorecimentos a vários grupos, principalmente os econômicos. Ainda dentro desta ótica sobre o PT, é possível encontrar aí a melhor crítica, interna, talvez a mais construtiva e legítima naquilo que se propõe cobrar. Bom, é aí que eu me incluo. Há um lado da sociedade, seja um lado dentro ou fora do PT, isso independe, que reconhece os avanços, inegáveis, são fatos, mas reconhece erros de estratégias em atitudes, erros graves, que levaram, inclusive, aos devidos escândalos de corrupção, realizados por integrantes do partido ou por aliados do partido, alguns deles, já operantes em corrupção há muitos anos e décadas, participantes de vários governos, partidos e "negócios". É necessário reconhecer que aqui está o grande problema, ou talvez a origem. Em sua gestão estrutural não se soube acabar com isso, até mesmo por questões estruturadas e até imperceptíveis, mas que ali já estavam e que ali também se perpetuaram. Algo grave.
Ainda dentro desta crítica (construtiva), esta parte de membros do PT ou de fora do mesmo PT questionaram ações do governo e o abandono de lutas históricas, como a reforma agrária, e com ela toda a questão ambiental, acusada pelas relações com os latifúndios e o agronegócio; o combate ao sistema econômico agressivo, que gera e produz morte, fazendo sofrer e morrer os mais pobres; a causa dos direitos humanos, que esbarravam em certas alianças do governo; a causa dos negros, dos jovens, dos indígenas - estes 3 últimos grupos, dívidas enormes da sociedade brasileira [!]. O que não quer dizer que não houve avanços nestas áreas. É evidente que sim, mas pela esperança com a qual o governo foi eleito e com o que se planejava e almejava, a expectativa era maior. Mesmo assim, mesmo com críticas, nem sempre a opção de sair, de ir para outra trincheira era a mais coerente, pois os demais partidos e grupos sofrem da mesma crise política (ou mais graves); além disso, apesar de tudo, os avanços dos governos Lula e Dilma foram significativos, e a lacuna na opção e a ausência de um projeto de governo, ou mesmo de uma nova política, não traziam uma motivação diferente.
4. Contudo, houve a eleição de 2014 e com ela a chance do PT de permanecer mais 4 anos no governo, e, caso avançasse progressivamente, de modo positivo, poderia surgir a nova chance de fazer um sucessor, podendo ser Lula ou outro com condições de assumir. Os escândalos de corrupção que surgiram nunca foram um incômodo para a oposição, é importante dizer isso, pois a mesma está afetada e até mais envolvida gravemente em inúmeros casos (PSDB, DEM, PMDB, PPS, etc), então, politicamente se caminhava. O ministério público atuava, o judiciário agiu ferozmente (muitos membros e pessoas importantes do PT foram condenados e presos - sem julgar aqui o mérito de cada questão).
É verdadeira também a hipótese de que o governo permitiu que as investigações acontecessem, mesmo sofrendo com isso, e até, legitimamente, tentando corresponder e responder naquilo que lhe cabe. Mesmo o fato de ter sido o governo que mais indicou ministros não o favoreceu, sendo que seus maiores algozes foram indicados por ele. Mas a eleição de 2014 foi dura. Houve a morte trágica de Eduardo Campos, algo a se lamentar, e houve uma campanha suja e de um nível baixíssimo por todos os envolvidos. Três protagonistas: Dilma, Marina e Aécio. Por um tempo, Marina e Dilma polarizaram, tendo Marina a liderança. Apenas no final que Aécio subiu, perdendo a eleição por uma margem pequena de votos, o que levou o governo eleito a rever alguns pontos de sua proposta econômica e a buscar novas alternativas. Vale ressaltar que, durante a campanha tucana, surgiram indícios de escândalos da pessoa de Aécio Neves, mas, como sempre, ignorados pela grande mídia e imprensa.
A eleição de 2014 foi uma derrota que os tucanos não aceitaram tão facilmente, foi a última chance. Sabiam também que se o segundo mandato do governo Dilma fosse bem sucedido, a chance de uma nova eleição de Lula ou de outro indicado por ele seria fatal. Soma-se a isso os escândalos de corrupção do PSDB em São Paulo e outros estados e as péssimas gestões de Beto Richa (no Paraná) e de Geraldo Alckmin (em São Paulo), sobretudo na área da educação, com fechamentos de escolas, desvio de merenda, atentados contra professores, etc. Isso fez com que desde o primeiro momento a oposição passasse a agir de maneira não democrática, agressiva, violenta.
É fácil lembrar da frase do senador A. Nunes que diz que eles "fariam a Dilma sangrar". Depois entram as obstruções no Legislativo, a eleição de E. Cunha, o desgaste da relação com o PMDB (grande erro do PT), que quer mais cargos e repasses, a carta de M. Temer [!], dentre outros casos. Externamente, soma-se a isso a crise econômica mundial, principalmente na Europa, o que traz impactos para o Brasil, ainda mais pela decorrência do sistema globalizado, do qual estamos refém.
Pode-se dizer, seguramente, que desde outubro de 2014 o país está parado politicamente, mas não tanto por questões internas e externas do país, que obviamente existem, e sim por acertos e desacertos políticos, com interesses meramente partidários e sem qualquer interesse na população, na melhoria das condições de vida, e tudo o mais. Basta para isso olhar a pauta dos principais nomes da oposição, seja da Câmara ou do Senado; isso é fácil de se comprovar.
5. Vem com isso a questão do IMP da presidente. Algo grave para a nação, pois tem abalos em todos os setores, mas também sem uma causa primeira. Acho que aqui entram os atores do outro lado, o anti-PT. Que o PT errou, seria difícil negar os seus erros; que houve pessoas envolvidas em esquemas, isso é mais que aparente. Mas eleger um único partido para que com ele e nele se paguem todos os "pecados" da nossa sociedade, é algo um tanto difícil de aceitar e compreender. É onde entra a mediocridade e insensatez. Sinceramente, e esta é uma opinião pessoal, acho que faria bem para a democracia uma alternância no poder, contudo, se ela fosse feita por meios legítimos e democráticos, com uma proposta adequada e em vista da melhoria da qualidade de vida da população, sem que com isso se percam os avanços e méritos sociais dos últimos governos.
Acho até que faria bem para o PT voltar às bases, voltar às fontes, reestruturar-se, tirar um "período sabático" e, na próxima oportunidade, reacender no povo a luz do que descobriu "de novo" e que pode melhorar a vida de cada um, sobretudo dos pobres, uma bandeira que jamais pode e deve ser abandonada. No entanto, e aqui entra aquilo que falamos da defesa da democracia, a oposição não quer entrar pela porta da frente, ela quer invadir, tirar e desrespeitar os direitos democráticos, de uma eleição que foi ganha, dando margem para a violência e autoritarismos que já deveriam estar longe da nossa sociedade, pois ainda hoje vemos vestígios da ditadura (não tão velados) e sofremos os reflexos de suas políticas. É onde entra a pessoa de Lula e tudo aquilo que ele representa. Para os petistas e para grande parte da população, um líder inquestionável.
Para os demais, e aqui todos são anti-PT, um corrupto, um presidiário, um nordestino, um pequeno, um analfabeto, bandido, etc. Não faltam "títulos" para descrever o ódio que esta parte da população tem para com esta pessoa. Algo tão forte que nos faz questionar o humano que está por trás de cada discurso. E isso é tão grave, que a maneira como isso está presente na sociedade leva a crises nos próprios julgamentos que são feitos. Em virtude de tudo aquilo que expus acima, daquilo que nos chega pela imprensa, pode ser que, sim, Lula seja uma decepção para o seu povo, o que seria uma loucura, incoerente com sua proposta de vida (mas é uma hipótese); ou não, ele é alguém que pode mudar, e hoje, mais uma vez, sofre a perseguição da mídia, da imprensa e arrasta nas próprias costas o ódio de uma sociedade que desaprendeu a ser cidadã, que preferiu não fazer justiça, mas ser justiceira, e aí temos uma porta aberta para uma guerra civil.
Talvez, não como já se viu na história, mas nas palavras, nos gestos, nas portas e pastas fechadas, na indiferença, no ativismo negativo, na parcialidade, no julgamento precipitado, na inconsequência e na "desumanização". Talvez, é provável, uma das intenções de Lula em ser ministro seja encontrar uma alternativa de defesa, a ponto de buscar algo mais concreto e de expor com mais força o que fez e o que não fez. Qualquer olhar nosso, diante disso, será parcial. Todavia, em nada isso ajudaria o governo da presidente Dilma, ao contrário, seria ruim, caso esta fosse a sua única intenção. E empobrecida fica também a oposição, caso não tenha outra palavra e outra alternativa, pois também para estes, embora de modo velado, está a renúncia da população. Mas, ainda, deve ser considerada a hipótese de que a ida de Lula para o governo (de onde nunca esteve ausente), de modo mais oficial, seja para fortalecer o próprio governo, para fazer um enfrentamento político alto, de bom nível, num diálogo que se faz acima e que possa deixar de politicagem e possa ser política. Se ele é culpado, a justiça vai dizer. Se ele será um bom ministro e poderá ajudar, é onde Dilma aposta suas fichas.
Honestamente, também acho que o fato de a presidente ser uma mulher contribui para o ódio da sociedade. Este machismo doente está impregnado na sociedade. Para muitos, tirando a Dilma tudo se resolve. Sem o PT, tudo volta à calmaria. Triste ilusão, triste ilusão. Mesmo nas novelas da Globo, os vilões se escondem onde menos se imagina; e lembrem-se, temos uma sociedade política doente e por demais perigosa. Há outros interesses em tudo o que se faz. Mesmo que tenha sido legítima a ida de pessoas às ruas no dia 13/03, da mesma forma será legítima a ida de pessoas às ruas no dia 18/03. Mas talvez a grande discussão e a grande pergunta ainda não feita: o que queremos com a nossa democracia, conquistada com muita luta, dor e lágrimas?
6. Diante disso, eu opto por não avançar no rancor e na violência, mas por fazer respeitar o processo e o avançar da situação. Nas palavras de um amigo, percebendo as urgências e o processo, e, às vezes, com paciência. Prudência. Um "petismo" fanático é uma inconsequência, e até irresponsável; mas um "antipetismo" agressivo, violento, como se tem visto, é ainda mais perigoso e danoso a toda sociedade e à nossa jovem democracia. Nessa luta (já chamo assim) todos já escolheram um lado. Ninguém está indiferente.
Eu opto pela democracia e pelo caminhar do processo, mesmo que lá na frente eu tenha de mudar. Mas não se pode mudar na parcialidade ou no vazio das acusações e daqueles que querem fazer justiça com as próprias mãos. Se a intenção era ter mãos limpas, pode-se errar e torná-las sujas, se o caminho não for democrático.
Há um caminho e uma resposta a ser buscada. O sistema político está doente, mas é um sistema que reproduz uma sociedade também doente, pois cada membro ali tem nela um grupo que a representa. A corrupção não nasce nos partidos políticos, ela é levada a eles. Temos uma presidente eleita.
Acredito que ela vai terminar o seu mandato. Gostaria disso, como também gostaria que os corruptos (todos) fossem presos, que o congresso vote e que a paz apareça. Mas, não se sabe. De qualquer modo, amanhã será um novo dia, e depois outro, e depois outro, e depois outro. E eu quero cumprimentá-lo amanhã, mesmo que pense diferente da forma como eu penso. Por isso me permito dizer, com licença, apenas uma palavra, e basta! Depois, seguimos! Cada qual, cada qual!
E que viva a democracia, que prevaleça a paz e a justiça!
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Com licença, apenas uma palavra, e basta! A reflexão de um teólogo sobre a conjuntura política do País - Instituto Humanitas Unisinos - IHU