08 Março 2016
O primeiro ato – denunciar as arbitrariedades e o caráter elitista da Lava Jato – ele fez com maestria. Mas para prosseguir, terá de enfrentar as contradições de seu próprio projeto político.
O comentário é de Antonio Martins, editor de Outras Palavras, 07-03-2016.
Certos gestos políticos têm a capacidade de transformar cenários. Até sexta-feira, o Brasil vivia o pesadelo de uma intensa ofensiva conservadora. As ações policiais da Operação Lava Jato eram complementadas, no Congresso, pela tentativa de impor, sem debate algum com a sociedade, uma vasta pauta de retrocessos. Esta agenda era comandada por parlamentares (Renan Calheiros e Eduardo Cunha, especialmente) implicados até o pescoço nas próprias investigações da operação. Agiam sem constrangimento algum da mídia – o que expõe o caráter hipócrita da suposta cruzada moralizadora. O governo Dilma, incapaz de iniciativa e interessado apenas em preservar o mandato da presidente, havia passado a colaborar com as medidas regressivas, imaginando talvez ser premiado com um gesto complacente dos que a pressionavam com o impeachment.
Todo este quadro está em questão, desde que Lula recusou o papel acovardado que alguns esperavam dele e denunciou não apenas a violência ilegal de que fora vítima — mas também o que descreveu como conspiração das elites para evitar que volte à Presidência e amplie sua obra em favor das maiorias. A resposta a seu gesto foi uma radicalização em três frentes, claramente desenhada no fim de semana.
Primeira: as lideranças da oposição decidiram alterar sua postura no Congresso. Ao invés de manter o esforço para aprovação de sua pauta, que avançava com aval do governo, decidiram obstruir os trabalhos, para tentar mostrar que o país tornou-se ingovernável.
Segunda: a chamada “força-tarefa” de delegados, promotores e juízes que conduz a Lava Jato produziu uma sequência impressionante de vazamentos de informação, voltada contra Lula. O último deles, nesta segunda-feira, já não esconde a intenção. Deseja-se encontrar, onde for possível, um artifício que bloqueie a candidatura do ex-presidente em 2016.
Terceira: Jornais, revistas semanais e noticiários da TV também tornaram-se mais agressivos contra Lula, algo especialmente nítido no Jornal Nacional nas capas de Veja, IstoÉ e Época.
“A jararaca está mais viva do que nunca. Agora, aguentem”, disse o ex-presidente ao encerrar sua entrevista coletiva na sexta-feira. Mas esta frase desafiadora expressa uma espécie de antítese do lulismo, que tem, entre suas características essenciais, a busca de moderação e a realização de reformas sem rupturas. Como reagirá a jararaca, agora que as elites, depois de acertá-la no rabo, querem emparedá-la numa jaula de vidro? Nos próximos dias, Lula terá de enfrentar dois desafios centrais, intimamente relacionados às contradições de seu próprio projeto político.
O primeiro é o horizonte a apresentar – não em 2018, mas agora. Na sexta, a emoção suscitada pela coerção ao ex-presidente lotou a quadra dos bancários em São Paulo, despertou a solidariedade de adversários (como os deputados Milton Temer e Marcelo Freixo, do PSOL). Mas para percorrer o país mobilizando a sociedade – como anunciou, e agora parece indispensável –, Lula precisará de mais. Como entusiasmar de novo multidões, num momento em que seu partido, no governo, aplica medidas que ampliam o desemprego e mergulham o país na recessão?
E como articular-se com as lideranças sociais capazes de levar a população às ruas? Vale ler, a este respeito, a nota sobre a conjuntura publicada no domingo pelo MTST. O movimento foi, nos meses anteriores, quem mais mobilizou para os atos em defesa da legalidade e contra o impeachment. Agora, sua mensagem central parece ser outra: crítica ácida ao governo Dilma e suas “concessões ao mercado financeiro e à direita”.
Contradição emblemática: na nota, o MTST anuncia sua participação nas manifestações convocadas para 31 de Março. Mas dá a elas caráter muito distinto ao proposto pela Frente Brasil Popular, que também os convoca. Para os sem-teto, não se trata agora de defender o governo federal, mas de lutar “contra a reforma da Previdência e o ajuste fiscal”, duas pautas promovidas diretamente pelo Palácio do Planalto.
O segundo desafio de Lula, portanto, será resolver sua relação com o governo Dilma. Há duas maneiras de fazê-lo. A primeira, hoje impensável, é romper com Dilma. A segunda é levar a presidente a um giro em sua agenda. Uma sinalização clara do governo contra as pautas regressivas que tramitam no Congresso Nacional (inclusive as de sua própria iniciativa) indicaria aos movimentos sociais que há caminho para o diálogo. Ela poderia ser complementada por medidas de cunho social, ainda que simbólicas – um reajuste nos valores da Bolsa-Família, para fazer frente a inflação, uma redução nos preços do gás de cozinha, agora que há folga nas cotações internacionais do petróleo.
O problema, para o lulismo, é que este giro seria interpretado como uma declaração de guerra pelas elites. A pressão delas pelo impeachment cresceria ainda mais. A disputa iria inevitavelmente para as ruas. Na sexta-feira, Lula prometeu entregar seu destino a elas. Terá forças e vontade para fazê-lo?
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O quebra-cabeças político de Lula - Instituto Humanitas Unisinos - IHU