12 Fevereiro 2016
Nesta sexta-feira de manhã, o Papa Francisco vai deixar Roma para se dirigir ao México. Uma viagem importante. Vai durar uma semana. Ele vai fazer uma etapa em Havana, onde, no aeroporto José Martí, se encontrará, à tarde, com o patriarca russo ortodoxo Kirill. O encontro vai durar duas horas. No fim, haverá a assinatura de uma declaração conjunta dos dois líderes religiosos. Um encontro histórico, que marcará uma virada nas relações entre a Igreja Católica e a Ortodoxia. Uma virada que vem de longe.
A reportagem é de Pierluigi Mele, publicada no sítio Rai News, 11-02-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como se chegou a esse encontro? Quais são as possíveis consequências em nível religioso e político? Falamos sobre isso, nesta entrevista, com Francesco Peloso, jornalista, vaticanista do site de informação religiosa do jornal La Stampa, o Vatican Insider. Peloso também é colaborador do jornal L'Unità e da revista Internazionale.
Eis a entrevista.
O encontro entre o Papa Francisco e o Patriarca Ortodoxo Kirill, que acontecerá no aeroporto de Havana, é um fato de enorme porte histórico. Não é um fato episódico. Obviamente, ele tem a sua história, a das relações com a Ortodoxia. Quais são as "raízes" desse encontro?
O diálogo entre a Igreja de Roma e o mundo ortodoxo segue em frente desde os anos do Concílio Vaticano II, mas certamente – considerando-se que as Igrejas do Oriente, entre si, não são todas iguais – a virada no diálogo com o Patriarcado de Moscou começou depois da queda do Muro de Berlim e da retomada da liberdade religiosa na Rússia. Trata-se, por outro lado, das duas maiores confissões cristãs no mundo, dentre as quais, nos séculos passados e até recentemente, não faltaram incompreensões, desconfianças, rivalidades. Porém, desde que o processo ecumênico ganhou força, o possível encontro entre Roma e Moscou certamente representava a coroação ansiada desse percurso.
A escolha do local não é casual. Por que Havana?
Por motivos políticos, antes ainda que religiosos, ou, ao menos, por uma mistura desses dois componentes. É preciso considerar que Cuba continua tendo boas relações com Moscou, muito além da época da Guerra Fria. Certamente, muitas coisas mudaram, e, no entanto, trata-se de duas nações, ambas protagonistas de primeiro plano da história contemporânea que, por várias razões, se colocam de modo antagônico ou, no mínimo, interlocutório em relação aos EUA, e isso, sem dúvida, as vincula. Não são, em suma, aliados dos EUA, ao contrário, contestaram nas últimas décadas o primado de única superpotência.
Por outro lado, Cuba entrou – graças também à formidável mediação do papa e do Vaticano – em uma fase nova e original nas relações com Washington. Começou o degelo, caíram os muros, retomaram-se as relações diplomáticas, e isso é só o começo. E aqui é preciso salientar que o presidente Obama também é um dos atores a se considerar no que está acontecendo; a renúncia do atual chefe da Casa Branca a ser "polícia do mundo", em suma, desempenhou um papel nessa questão, e o diálogo entre ele e o papa nasceu precisamente dessa escolha.
O regime castrista, por outro lado, sob a liderança de Raúl Castro, está se abrindo um pouco de cada vez ao mundo, até mesmo à presença da religião. A Igreja Católica serviu de pioneira, a ortodoxa está seguindo o mesmo caminho. Cuba, portanto, certamente é um pouco "casa" do papa como líder moral, religioso e, em parte, político, reconhecido por toda a América Latina e, certamente, é um parceiro importante para Moscou, tanto em nível político quanto religioso.
Quais serão, nas duas horas de conversa, os principais "dossiês" que serão abordados?
Aqueles sobre os quais já se falou nestes dias: em primeiro lugar, o sentido do caminho ecumênico, o valor do encontro entre o papa e o patriarca para a paz. Aqui, espero algo mais do que uma declaração formal apenas. Depois, certamente o caso ucraniano com os contrastes entre ortodoxos e greco-católicos, o Oriente Médio, o problema dos cristãos perseguidos, o "não" ao fundamentalismo religioso, a quem usa o nome de Deus para matar ou promover guerras santas, a liberdade e a convivência religioso, o tema do ambiente, a contribuição do cristianismo para as relações pacíficas entre os Estados, os governos, os povos... Veremos.
O encontro com o Patriarca Kirill terá consequências sobre as relações com os Uniatas (os cristãos de rito grego fiéis a Roma), que, como se sabe, são uma comunidade muito presente na Ucrânia (outro lugar de conflito). Com esse encontro, ruirá outro muro (entre "uniatas" e o Patriarcado de Moscou), com possíveis consequências políticas?
Não acredito que cairá um muro. O conflito ucraniano, de fato, já produziu um rio de vítimas, do qual, talvez, só nos damos conta em parte. Sem contar os refugiados, os deslocados internos, as divisões sociais, os nacionalismos opostos e intransigentes alimentados por Moscou e por Kiev, o problema da aplicação de acordos internacionais por parte de Putin em particular. Os greco-católicos e os fiéis do Patriarcado de Moscou estão dentro desse esquema terrível, em parte são os seus protagonistas. Certamente, o abraço entre Francisco e Kirill pode dizer algo: especialmente em termos de uma convivência possível, dando um primeiro passo importante no sentido de uma superação de uma contraposição histórica entre a Igreja ucraniana fiel a Roma e a russa. Por outro lado, a questão Ucrânia sempre foi o verdadeiro obstáculo ao encontro entre o papa e o patriarca. Veremos até que ponto haverá a coragem de ir ao encontro disso.
Em suma, com esse movimento, Francisco se confirma como um "player" de nível planetário. Talvez o único que tem um carisma que lhe permite máxima liberdade de movimento... A "geopolítica da misericórdia" conquistou vários sucessos. Podemos definir os pontos fixos da "geopolítica" de Francisco?
Parece-me uma abordagem correta da questão, no entanto, os pontos fixos são demasiados para serem elencados. Eu falaria, em vez disso, de uma diplomacia em movimento, uma diplomacia dinâmica, que tem no multilateralismo e ainda mais no multipolarismo a sua bússola. Não se trata, aqui, de entender quem são os "novos" aliados da Santa Sé, como alguns, seguindo velhos esquemas, tentam fazer, mas de compreender o método: é esse "caminhar juntos na diferença" que importa. Ou seja, a necessidade de aceitar o interlocutor, de compreender a sua visão, para trabalhar juntos todas as vezes que seja possível, sabendo que continua havendo – ao mesmo tempo – distâncias.
Só assim, no método Francisco, é possível apontar para objetivos de fundo como o fim dos conflitos, o alargamento do princípio de cidadania àqueles que são excluídos dele (os "descartados" muitas vezes relembrados pelo papa), a renúncia a interesses de poder em nome de uma ajuda aos fracos, ou de políticas em favor do gênero humano e das gerações futuras, como no caso da preservação ecológica, da Criação. Para fazer isso, não se pode listar a classificação dos maus, dizer: "Você não pode se sentar à mesa das negociações, com você eu não falo".
O reconhecimento do outro implica uma nova abordagem, multipolar, justamente, e de igual dignidade. O que não significa renunciar às próprias razões, às críticas. Ao contrário, isso significa dar uma chance a mais para princípios que, de outra forma, seriam rejeitados a priori. Pensemos na liberdade religiosa na China ou nos países islâmicos, sem falar dos desequilíbrios sociais e econômicos entre Norte e Sul do planeta.
O próximo muro que vai cair será a China?
O diálogo com a China continua de modo positivo. A diplomacia vaticana está trabalhando, mas os tempos dessas coisas são sempre incertos. Milhares de obstáculos podem se interpor.
Última pergunta: depois de Havana, o papa vai para o México. Um país dilacerado pelas gangues criminosas dos narcotraficantes e pela corrupção. Quais são os objetivos dessa visita?
O discurso sobre o México seria longo. Certamente, o papa quer levar uma palavra de esperança aos mais fracos, aos ofendidos, aos migrantes, aos pobres, que são as verdadeiras vítimas da violência tremenda e desumana dos cartéis da droga, da corrupção dos aparelhos estatais, do tráfico de seres humano de um lado ao outro da fronteira com os EUA. E, depois, certamente, nos pensamentos do pontífice, estão os povos indígenas. Eu acho que o México, com o Papa Francisco, pode redescobrir um cristianismo inspirado, profético, capaz de falar de paz, de fraternidade, de justiça e de perdão, palavras não retóricas, mas que tocam a carne viva de um povo.
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Papa Francisco e o Patriarca Kirill: "Uma nova etapa da geopolítica da misericórdia" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU