02 Fevereiro 2016
E os casais homossexuais? Em que sentido o que leva pessoas do mesmo sexo a se unirem está fora da natureza? Está na antropologia, isto é, nas relações entre os humanos, a possibilidade de dar sentido.
A opinião é da jornalista italiana Bia Sarasini, ex-diretora da revista feminista italiana Noi Donne, em artigo publicado no jornal Il Manifesto, 30-01-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Você diz "família" e parece tudo claro, e não só aos milicianos do Family Day que se encontraram nesse sábado em Roma. Pai, mãe, filhos. Um núcleo que partilha a mesma habitação, geralmente sem conviver com outras pessoas. E parece claro que a Igreja pensa nisso, quando fala de família e de natureza. Essa espécie de senso comum indistinto é a zona cinzenta em que tudo se confunde e em que chafurdam "Sentinelas", ultrarradicais e fundamentalistas diversos. Até mesmo quem critica não ter em mente nada mais do que o casalzinho feliz.
É esse o modelo natural a que se faz referência? O exemplo é a família mononuclear?
Família é uma palavra de origem latina, e, dizem os vocabulários, indicava o conjunto dos servos que habitavam em uma casa e não fazia referência a nenhum laço de parentesco. O matrimônio também mudou de significado ao longo do tempo, explica Emile Benveniste (Il vocabolario delle istituzioni indo europee, Ed. Einaudi). Nas línguas indoeuropeias não existe uma única palavra que indique aquilo que hoje se entende por matrimônio, mas existem palavras diferentes para os homens e as mulheres. Em particular, matrimonium significava exclusivamente o tornar-se esposa por parte da mulher; levou tempo para que, nas línguas românicas, o termo assumisse o significado de "união legal entre homem e mulher".
A pesquisa das etimologias, das fontes, é muito útil quando uma palavra, um conceito, uma formação social são submetidas a tensão social, estão no centro de um conflito. Assim como acontece hoje para família e matrimônio. Um choque que não tem nada a ver com a natureza, que é empunhada como uma clave, como se até mesmo da natureza houvesse uma única ideia.
Como se não fosse necessário se perguntar a que natureza se faz referência quando ela é invocada como fonte de uma norma social – e legal – a ser imposta a todos. Entende-se o instinto que leva ao acasalamento, para usar uma linguagem do século XIX? Ou os hormônios, para recorrer ao biologismo difuso dos nossos tempos? E se, para estabelecer de que natureza estamos falando, é necessário concordar, encontrar uma linguagem comum, isso não implica que nos referimos, em todo o caso, a algo que os humanos significam? Que é a interpretação humana que dá sentido a esses fatos, que os coloca em uma ordem?
Há uma charge divertida que circula na web. "Toda vez que se diz 'natureza', um antropólogo morre". Certamente, os antropólogos não são tão populares quanto os arqueólogos (depois do efeito Indiana Jones), mas se deveria ensinar nas escolas que a família nem sempre se chamou assim e, sobretudo, mudou de forma inúmeras vezes ao longo do tempo. E que, em particular, a família mononuclear é uma forma muito recente, ligada à industrialização e conectada com a urbanização. Uma das formas menos equilibradas, dado o isolamento que em que deixa os seus membros, cortados até mesmo dos laços parentais mais estreitos. E, por isso, fonte de ansiedade e de angústia, ao lado de motivos muito materiais, de sobrevivência.
Vive-se pior sozinho, e, por isso, criam-se hoje novas famílias, novas convivências – em grandes casas, por exemplo – para pôr em comum vidas, serviços, cortesias, cuidado.
Além disso, esse também foi um dos assuntos do Sínodo 2015 dedicado à família, durante o qual se reconheceu que, hoje, no mundo, família e casamento têm formas diferentes. E que as dificuldades vêm principalmente das fatigantes condições de vida, da falta de trabalho, da necessidade de migrar.
Por isso, é curioso que o cardeal Bagnasco tenha dito há poucos dias: "A família é um fato antropológico, não ideológico", para afirmar o direito das crianças de terem um pai e uma mãe. O que significa antropológico, nesse contexto?
Outrossim, não é preciso ser um exegeta particularmente refinado para compreender que Jesus, nos Evangelhos, joga para o ar os papéis definidos, mesmo os parentais. O seu chamado divide, se necessário: "Eu vim separar o filho de seu pai, a filha de sua mãe" (Mateus 10, 35) e tudo o que se segue. É ensinado que isso não deve ser tomado ao pé da letra, que o texto tem um valor simbólico. Porém, a mensagem é clara, expressa uma crítica clara para os laços muito estreitos, que olham apenas para si mesmos.
Além disso, a família do tempo de Jesus horrorizaria agora; certamente se assemelharia bem mais às tribos islâmicas que ameaçariam hoje o Ocidente cristão do que aos belos casais que celebram o casamento com pompa e wedding planner.
E os casais homossexuais? Em que sentido o que leva pessoas do mesmo sexo a se unirem está fora da natureza? Está na antropologia, isto é, nas relações entre os humanos, a possibilidade de dar sentido.
O prior de Bose, Enzo Bianchi, recentemente também recordou que Jesus não diz nada sobre os homossexuais: "A honestidade", disse, "nos obriga a admitir o enigma, a deixar a questão sem uma resposta. Sobre isso, eu gostaria de uma Igreja que, não podendo se pronunciar, prefira se calar".