21 Janeiro 2016
A busca dos restos mortais deste ícone revolucionário revive a história do chamado "padre guerrilheiro", que morreu em seu primeiro combate, mas cujo trabalho de vida supera a contradição entre a Bíblia e a guerra.
A guerrilha ELN (Exército de Libertação Nacional) pediu ao Governo da Colômbia para “localizar” os restos de Camilo Torres como um "gesto" para o início do diálogos de paz, que se espera em breve. Um apelo público que o presidente Juan Manuel Santos preparou-se para responder: “Camilo é um símbolo para o ELN e é um chamado, um motivo para que este grupo armado sinta-se encorajado a uma opção social e politica, deixando a luta armada e revigorando muito mais a ampliação da democracia colombiana”, disse Santos ao El Espectador, de Bogotá.
A reportagem é publicada por Religión Digital, 20-01-2016. A tradução é de Evlyn Louise Zilch.
O Arcebispo de Cali, Dario de Jesús Monsalve, que faz parte de uma comissão eclesiástica autorizada a mediar com o ELN, saudou a disposição de Santos e disse que “a recuperação dos restos mortais de Camilo Torres é um sinal de reconciliação”.
Cristianismo e vocação social
Camilo Torres nasceu em Bogotá, em 03 de fevereiro de 1929 e morreu no Patio Cemento, nordeste da Colômbia, em 15 de fevereiro de 1966. Filho de uma família da "burguesia liberal" da época, ele recebeu desde cedo influência de sacerdotes dominicanos franceses. Foi então no Seminário Teológico de Bogotá onde começou a interessar-se pelas realidades sociais. Como católico, a pobreza e a injustiça social atraíram sua atenção.
Já sacerdote, Camilo Torres estudou sociologia na Universidade Católica da Lovaina, na Bélgica, onde conheceu o movimento europeu da Democracia Cristã e fortaleceu os laços com os democratas-cristãos alemães. Em Paris, ele uniu-se ao movimento sindical cristão e simpatizou com a resistência argelina.
Sua tese sobre “A proletarização de Bogotá” foi uma obra pioneira na sociologia urbana da América Latina. Em Berlim realizou trabalho social e pastoral para então regressar à Colômbia, onde logo foi co-fundador da primeira faculdade de Sociologia da América Latina na Universidade Nacional, onde atuou como professor.
Camilo Torres Restrepo é, desde a sua morte, há 50 anos, “um ícone multifacetado: sacerdote, sociólogo, líder social e político”, disse à DW o historiador Juan Camilo Biermann, da Universidade Nacional da Colômbia e pesquisador do Centro de Pensamento Camilo Torres, que investiga o seu poder icônico. Foi sua morte na guerrilha do ELN, durante a primeira batalha, que o “marcou” como guerrilheiro, aponta Biermann. Seu túmulo nunca foi encontrado.
Entre a igreja e os pobres
“Camilo Torres vinculou a doutrina social da igreja com a busca de um ‘amor eficaz’, como o chamava, encontrando no marxismo uma ferramenta útil para as suas ideias, embora Camilo Torres não fosse marxista”, diz Biermann.
Ainda assim, meio século depois de sua morte, Camilo Torres segue sendo uma das figuras centrais do ELN. Para o que há duas fortes razões, disse o analista internacional Christian Voelkel à DW. “Camilo Torres lhe marcou, como nenhum outro, as ideias da emergente Teologia da Libertação do ELN. Além disso, o martírio de sua vida e sua morte tornando-o em um mito”.
Por que discutimos se uma alma é mortal ou imortal, quando sabemos que a fome mata?, perguntava Camilo Torres, buscando uma aproximação entre a Igreja e o marxismo. Como se pode explicar hoje essa mistura de catolicismo e marxismo do “padre guerrilheiro”? “Com a desigualdade social da Colômbia dos anos 50 e 60”, diz Voelkel.
Camilo Torres foi, na realidade, mais padre que político e mais político que guerrilheiro. Assim como seus interesses foram mais sociais que militares. Torres fundou na Colômbia as chamadas Juntas de Ação Comunitária, hoje um movimento efetivo da organização e administração cidadãs em bairros de povos e cidades de todo o país. Mas há um momento na vida de Camilo Torres que se mantem como enigma: sua morte.
Camilo Torres, o defensor da vida, morreu empunhando uma arma. “Uma contradição”, como reconhece Juan Camilo Biermann. Por que abandonar a disputa dos argumentos e tomar as armas? Christian Voelkel explica: “Era a época da Frente Nacional, quando os partidos Liberal e Conservador se revezavam no governo impedido a via por outras alternativas democráticas. Isto impulsionou a radicalização dos teólogos da libertação que optaram por buscar uma mudança com as armas. Mas não foi a Teologia da Libertação em si que levou sacerdotes a se inscreverem em um grupo ilegal, mas as circunstâncias da Colômbia de meio século atrás”.
Uma radicalização sobre a qual ele mesmo havia advertido a Igreja Católica, incitando-a a colocar em prática a pregação: “Se a Igreja não se atualiza, ideologias como o comunismo sim vão cativar os povos”, como recorda o historiador Biermann, que salienta que “Camilo Torres não se adapta a nenhuma “caixa” visto que era sui generis (único no seu gênero) como sacerdote, como político, como professor, como guerrilheiro”, e alerta ainda, que Camilo Torres segue sendo “uma figura incômoda tanto para a direita quanto para a esquerda”.
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Camilo Torres, “uma figura incômoda para a direita e a esquerda” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU