08 Janeiro 2016
"No campeonato do desperdício, somos campeões em várias modalidades. Algumas de que nos orgulhamos e outras de que nem tanto. Meu amigo Adamastor, antropólogo das horas vagas, não me deu as causas primeiras de nossa primazia, mas forneceu-me uma lista em que somos imbatíveis. Claro, das modalidades que 'nem tanto'", escreve Menalton Braff, ex-professor e escritor, em artigo publicado por CartaCapital, 08-01-2016.
Eis o artigo.
Vocês já ouviram falar em lixo rico? Somos os campeões. Nosso lixo faria a fartura de um Haiti. Com o que jogamos fora e que poderia ser aproveitado, poder-se-ia alimentar muito mais do que a população do Haiti. Há pesquisas a respeito do assunto e cálculos exatos que “nem tanto”. Somos um país pobre com mania de rico. E nosso lixo é mais rico do que o lixo dos países ricos.
Vocês já imaginaram as toneladas e toneladas de petróleo que jogamos fora diariamente em forma de sacos plásticos? O leite, antigamente, era vendido em garrafas de vidro que, lavadas, continuavam servindo por meses, por anos, sem custo maior do que um pouco de sabão e água. Bem, dirão os mais ingênuos, mas as embalagens são brindes dos laticínios. Aqui, oh! Uma banana pra vocês se acreditam nisso.
Outra modalidade em que somos campeões absolutos é o desperdício no transporte. Parece que o campeonato nessa modalidade nos enche de orgulho e nos dá imenso prazer. Ninguém no mundo consegue, tanto quanto nós, jogar grãos nas estradas. Não viajo pouco e me considero testemunha ocular. Outro dia (época da safra) passei pela Anhanguera, por exemplo. Descobri verdadeiras plantações de soja em suas margens. Plantações involuntárias que não chegarão a produzir. Quando pego uma traseira de caminhão e aquela chuva de grãos me assusta, penso rápido e fico calmo: faz parte da competição e temos de ser campeões.
Vocês viram os ratos no centro de uma capital de estado brasileiro? Quem os alimenta, senão o rico lixo que poderia estar, pelo menos, servindo de adubo para melhorar a performance das terras agricultáveis? Que são muitas, mas carentes de nutrientes. Já andei viajando pelo Mato Grosso.
Passei há pouco por uma estrada que está tendo duplicação de pista. O mato já cobriu os arranhões que as máquinas fizeram na terra.
O Adamastor, sagaz como é, observou que as máquinas pararam por causa da chuva, que não para, pois é a estação das águas, como dizem os mais velhos. Ah, mas disso também se tira uma lição. Quando começaram os trabalhos, já não sabiam que iria chover? Então por que começaram? É grande o custo do transporte das máquinas, que sumiram, do deslocamento do pessoal, que voltou para casa ou para outras obras. São horas jogadas fora, é combustível desperdiçado, e por aí vai.
Será que apenas começaram para calar a imprensa? Às vezes fico pensando... bem, deixemos a imprensa em paz. Por enquanto.
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Campeonato do desperdício - Instituto Humanitas Unisinos - IHU