07 Dezembro 2015
Se é verdade que nenhuma conferência do clima começa sem conflito, a COP21 teve sua grande estreia na noite desta quarta-feira. O G77, bloco das nações em desenvolvimento, soltou uma nota fazendo críticas duras aos países desenvolvidos, rompendo o clima relativamente amistoso que se viu nos dois primeiros dias de reunião, após as falas dos chefes de Estado. O objeto da discórdia era previsível: o financiamento climático.
A reportagem é de Claudio Angelo e Cíntya Feitosa, publicada por Observatório do Clima, 03-12-2015.
A embaixadora sul-africana Nozipho Mxakato-Diseko, porta-voz do grupo de 130 países, circulou um comunicado com 17 parágrafos acusando os países desenvolvidos de violar os princípios centrais da Convenção do Clima, ao tentar empurrar o abacaxi do financiamento para os países em desenvolvimento.
Segundo ela, há repetidas tentativas de introduzir no texto do acordo em negociação “condicionantes econômicas” para o financiamento à adaptação e à mitigação. “Qualquer tentativa de substituir a obrigação central dos países desenvolvidos de prover apoio financeiro aos países em desenvolvimento por diversas condicionantes econômicas arbitrariamente identificadas é uma violação do processo multilateral e ameaça um resultado aqui em Paris”, afirma a nota.
Segundo o G77, financiamento climático é uma obrigação legal dos países ricos sob a Convenção – já que suas emissões históricas causaram a maior parte do aquecimento observado. “Não é ‘ajuda’, ou ‘caridade’, ou o mesmo que assistência ao desenvolvimento”, afirmou Mxakato-Diseko.
A nota tem duas características incomuns, que dão uma ideia da alta voltagem do tema: além da linguagem, o fato de ter sido divulgada publicamente, inclusive enviada por e-mail aos 3.000 jornalistas credenciados pela ONU para cobrir a COP. Em geral, esse tipo de roupa suja entre os países é lavado em sessões plenárias.
"Potodoso", "Witodoso"
No centro da discussão estão duas expressões conhecidas por suas abreviaturas: “potodoso” e “witodoso”. Uma significa “in a position to do so” (em posição de fazê-lo) e a outra, “willing do to so” (que queiram fazê-lo). Trata-se de frases que os países desenvolvidos querem inserir no texto sobre financiamento, para ampliar o escopo dos países que deverão aportar dinheiro para bancar o combate à mudança do clima nas nações pobres. Além da obrigação dos ricos, estabelecida pela Convenção do Clima, pretende-se estender a base de doadores aos países emergentes, que eram pobres em 1992, quando a Convenção foi assinada, e que hoje estariam “em posição de” contribuir.
O argumento dos países desenvolvidos é que o mundo mudou muito desde 1992. Hoje alguns dos países de maior renda per capita do mundo são nações em desenvolvimento, como os Emirados Árabes e o Catar. A Coreia do Sul, que era um país em desenvolvimento em 92, hoje pertence ao mundo desenvolvido. E a China detém a segunda maior economia do planeta. A porta-voz da União Europeia Elina Bardram chamou na quarta-feira de “retórica antiquada” a visão de que os compromissos de financiamento devem refletir o mundo como ele era em 1992.
O G77, por outro lado, condenou o que chama de “narrativa simplista” segundo a qual o mundo mudou desde 1992 e agora é hora de expandir a base de doadores. “Essa narrativa serve a interesses nacionais estreitos e diz pouco sobre a realidade”, afirma o comunicado do bloco.
Procurada pelo OC, a delegação brasileira não se manifestou até o fechamento deste texto. O Brasil, no entanto, apoia o comunicado do G77 e não aceita o “potodoso” no texto.
O nó das finanças tem duas partes: primeiro, o que acontece com a promessa dos países ricos de prover um piso de US$ 100 bilhões por ano até 2020. Essa promessa foi feita em Copenhague em 2009, e os ricos estão muito distantes de cumpri-la – segundo os países em desenvolvimento.
De acordo com Raphael Azeredo, chefe da Divisão de Meio Ambiente do Itamaraty, dos US$ 100 bilhões, até agora o Fundo Verde do Clima só conta com US$ 10 bilhões.
Já o negociador-chefe dos EUA, Todd Stern, afirma que os países desenvolvidos estão “bem adiantados no cumprimento da promessa”. Stern citou nesta quarta-feira, numa entrevista coletiva, o relatório da OCDE segundo o qual já haveria US$ 62 bilhões disponibilizados pelos países ricos.
Acontece que tudo depende de como se contabiliza o dinheiro. Se somados empréstimos e verbas antigas carimbadas como dinheiro para o clima, a conta sobe; se só se computa dinheiro novo e verbas a fundo perdido, ela cai.
Se a finança pré-2020 já é motivo de controvérsia, que dirá a pós-2020, quando será necessário levantar pelo menos o triplo disso.
Ainda não foi anunciado nenhum compromisso financeiro para o pós-2020. O G77 alertou contra a abordagem “picada” da questão, quando se fazem diversos anúncios pequenos entre países ou grupos de países. O máximo que países como os EUA têm admitido até agora é que apoiam um mecanismo financeiro “continuado e robusto” para depois de 2020. Todos eles, porém, empurram o comprometimento com a barriga, esperando poder rachar a conta com os emergentes.
Todd Stern tratou de qualificar esse apoio: dos EUA. “Nós a apoiamos [a finança continuada para 2030] no contexto dos mesmos critérios que em 2009, com várias fontes de financiamento e uma base de doadores expandida, na qual países em posição de fazê-lo sejam convidados a contribuir”, afirmou.
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Financiamento causa primeira crise em Paris - Instituto Humanitas Unisinos - IHU