03 Dezembro 2015
"O caminho não deve ser inverso? Apoiado num segmento mais avançado da classe trabalhadora romper as amarras atuais e depois, consolidado o novo poder, iniciar um processo de educação e democratização das massas", escreve Marino Boeira, professor universitário, em artigo publicado por Sul21, 02-12-2015.
Eis o artigo.
O ex-governador Tarso Genro talvez seja único político brasileiro que pode aliar a este título o de um intelectual brilhante.
Dono de um estilo fluente, aliando sempre aos seus argumentos, o peso de importantes teóricos do saber político e filosófico, embora as vezes escorregue para uma erudição um pouco pedante, Tarso se filia a uma família quase em extinção no Brasil, a dos intelectuais provocadores.
Nessa sua característica, ele tem proposto discussões sobre a realidade brasileira num nível muito acima das vagas propostas de justiça e crescimento sociais, quase sempre de poucas consequências práticas para os setores mais pobres da nossa sociedade, como costuma fazer o líder máximo do seu partido, o ex-presidente Lula.
Formalmente ainda um petista, Tarso tem concentrado seu discurso na busca do que chama de radicalização da democracia, quem sabe inspirado no revolucionário francês Babeuf (François Babeuf – 1760/1797) com a sua utópica “sociedade dos iguais”, algo muito diferente do que propõe o PT, cujo limite é uma sociedade de classes, onde o empresariado (diga-se de passagem, quase sempre sonegador e corrupto) estabeleça um modus-vivendi com o proletariado, que garanta a ele um emprego com carteira assinada, férias anuais, e uma aposentadoria que lhe assegure ao menos uma sobrevivência razoável.
Uma democracia radicalizada pressupõe uma sociedade sem classes, onde a relação entre as pessoas se faça, como disse Marx – “de cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades”. (Crítica do Programa de Gotha – Karl Marx – 1875).
Mas isso, Tarso não chegou a dizer ou escrever, até porque certamente ele percebe os limites a que estão expostos os integrantes de um partido burguês, mesmo o PT.
Num texto que ele publicou no Sul21, ele disse qual era o programa que o segundo governo da Presidente Dilma, que recém começava, deveria cumprir: “ um programa destinado a reestruturar a democracia brasileira, para mais democracia com participação cidadã, mais transparência com as novas tecnologias infodigitais, mais combate às desigualdades sociais e regionais. Sobretudo partindo da compreensão que todos “querem mais da vida do que pão e manteiga”, como dizia Döblin do seu personagem” (Tarso faz referência a um personagem do livro , do alemão Alfred Döblin.)
Certamente, e isso Tarso tem manifestado em textos mais recentes, esse programa não foi cumprido até agora o que não eliminou nele (Tarso) a sua disposição de continuar lutando pela radicalização da democracia no Brasil.
Voltando agora ao título desse modesto artigo (Repto ao Tarso), começamos por uma pergunta: isso é possível? Ou melhor, isso é desejável?
Uma das premissas do marxismo é que as massas têm a ideologia da classe dominante e, é esta alienação que permite a uma pequena minoria em termos numéricos (a burguesia) não só controlar, mas também servir de exemplo para uma maioria formada pelos integrantes da classe trabalhadora.
Gramsci é mais detalhado na sua explicação sobre como é esta ideologia:
“A ideologia difundida nas camadas sociais dirigentes é evidentemente mais elaborada que os seus fragmentos encontrados na cultura popular (…) na cúpula, a concepção de mundo mais elaborada, a filosofia, ao nível mais baixo, o folclore,”
Como então radicalizar a democracia, no sentido grego de dar todo o poder para o povo, se ele não reivindica este poder? Se ele, de certa maneira, não quer este poder? O trabalhador alienado quer ser apenas mais um burguês.
O caminho não deve ser inverso? Apoiado num segmento mais avançado da classe trabalhadora romper as amarras atuais e depois, consolidado o novo poder, iniciar um processo de educação e democratização das massas.
Pode parecer pura utopia, mas já existem importantes pensadores falando sobre nisso.
Slavoj Zizek um dos mais ousados pensadores marxistas da atualidade, na introdução do seu livro “Em defesa das Causas Perdidas,” cita Badiou (Alain Badiou – 1937 – ), quando ele afirma que o “pensamento antitotalitário surge em todo o seu infortúnio, como aquilo que realmente é: um exercício sofista sem valor, uma pseudo teorização dos temores e instintos de sobrevivência mais vis e oportunistas, um modo de pensar que é não só reacionário, como também profundamente reativo, no sentido que Nietzsche dá à palavra.”
Na sua crítica contundente às democracias liberais e à chamada “defesa dos direitos humanos”, Badiou diz que eles fazem parte de um festim ideológico sustentador do capitalismo em suas configurações atuais.
Quase tão provocador quanto Badiou, Zizek faz em “As Portas da Revolução”, uma nova leitura dos escritos de Lenin nas vésperas da Revolução Soviética, mostrando que ao contrário dos mencheviques, que queriam esperar o surgimento de uma classe operária organizada e forte para derru bar a burguesia, (seria uma versão antiga da esquerda democrática de hoje) Lenin e seus bolcheviques se apoiaram no segmento mais esclarecido dessa classe para fazer a revolução.
A educação e com ela a plena democratização eram, segundo Lenin, tarefas a ser cumpridas depois que a revolução se consolidasse, um sonho, porém, que Stalin e seus comparsas trataram de destruir.
A solução de Lenin à situação caótica da Rússia da época, não poderia sugerir algumas lições para a esquerda brasileira?
Na apresentação do livro do filósofo esloveno, Alyson Leandro Mascaro, diz Zizek problematiza experiências concretas e insólitas, como as de Chávez, na Venezuela e Morales, na Bolívia, dizendo que a força deles vem dos vínculos privilegiados com os despossuídos das favelas.
Numa afirmação que deve horrorizar a nossa “esquerda democrática”, Sizek diz que Chávez e Morales representam (Chávez representava) a “ditadura do proletariado na forma de democracia”.
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Um repto ao Tarso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU