Por: André | 18 Novembro 2015
Muito mais que reformar a cúria e as finanças vaticanas (ao que se dedica mais por obrigação do que por paixão, sem um planejamento de conjunto e apostando em homens e mulheres que muitas vezes demonstram ser escolhas equivocadas), está claro que o desejo do Papa Francisco é revolucionar o colégio dos bispos. E que o faz de maneira sistemática.
A reportagem é de Sandro Magister e publicada por Chiesa.it, 14-11-2015. A tradução é de André Langer.
Os dois discursos que ele dirigiu, neste outono, aos bispos dos Estados Unidos e da Itália devem seguramente ser incluídos entre aqueles que mais diferenciam o seu pontificado dos de seus predecessores.
De fato, se havia dois episcopados nacionais, com mais de 200 homens, que mais do que o resto colocavam em prática as orientações de Karol Wojtyla e Joseph Ratzinger, eram precisamente o estadunidense e o italiano.
Ambos tiveram dois líderes notáveis: o cardeal Francis George nos Estados Unidos e o cardeal Camillo Ruini na Itália. Mas, no primeiro caso, no entorno de George formou-se uma equipe sólida de cardeais e bispos com a mesma visão e ação. O mesmo não aconteceu no segundo caso.
Efetivamente, com Ruini fora de cena, Francisco não necessitou muito tempo para aniquilar a Conferência Episcopal Italiana e começar a reconstruí-la “ex novo”. Algo que não aconteceu nos Estados Unidos, como se viu no Sínodo do mês de outubro passado, onde precisamente os delegados estadunidenses, junto com os africanos e os do leste europeu, representaram a resistência que se opôs aos progressistas.
Os discursos de Washington e Florença
“Não é minha intenção traçar um programa ou delinear uma estratégia”, foram as palavras do Papa Jorge Mario Bergoglio aos bispos dos Estados Unidos reunidos na catedral de Washington, em 23 de setembro passado.
E também não quis traçar uma agenda concreta para os bispos italianos que o ouviram em Florença, onde estavam reunidos os estados gerais da Igreja italiana, em 10 de novembro passado.
Mas, não há dúvida de que tanto em um caso como no outro, o Papa Francisco ordenou a ambos os episcopados para que mudem de direção.
O discurso pronunciado em Washington era mais elaborado do ponto de vista literário. O de Florença, mais coloquial. Mas ambos inequívocos em exigir dos bispos uma mudança na linguagem, no estilo e na ação pastoral.
Aos bispos dos Estados Unidos, Francisco disse: “Ai de nós, porém, se fizermos da cruz uma bandeira de lutas mundanas, ignorando que a condição da vitória duradoura é deixar-se trespassar e esvaziar-se de si mesmo”.
“Não é lícito deixar-nos paralisar pelo medo, chorando por um tempo que não voltará mais e preparando respostas duras às resistências já ásperas.”
“A linguagem dura e belicosa da divisão não fica bem nos lábios do pastor, não tem direito de cidadania no seu coração e, embora de momento pareça garantir uma aparente hegemonia, só o fascínio duradouro da bondade e do amor é que permanece verdadeiramente convincente.”
E aos bispos italianos: “Não devemos ficar obcecados pelo poder, mesmo quando isto pode parecer útil e funcional para a imagem social da Igreja”.
“Que Deus proteja a Igreja italiana de qualquer substituto, como o poder, a imagem ou o dinheiro. A pobreza evangélica é criativa, acolhe, sustenta e é repleta de esperança”.
“Gosto muito de uma Igreja italiana inquieta, cada vez mais próxima dos abandonados, dos esquecidos e dos imperfeitos.”
“Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e suja por sair às ruas, do que uma Igreja doente por causa do fechamento e da comodidade de aferrar-se às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada em ser o centro e que acaba fechada em um emaranhado de obsessões e procedimentos”.
Estas últimas palavras foram extraídas da Evangelii Gaudium, o documento que o próprio Francisco definiu como “programático” para o seu pontificado e com as quais impõe à Igreja italiana “um aprofundamento de maneira sinodal” nos próximos anos e em todos os níveis: “em cada comunidade, em cada paróquia e instituição, em cada diocese e circunscrição, em cada região”.
Acrescentando, além disso, a advertência de resistir à antiga heresia do pelagianismo, que nunca se extinguiu: “O pelagianismo nos leva a confiar nas estruturas, nas organizações, nos planejamentos perfeitos porque são abstratos. Muitas vezes nos leva a assumir um estilo de controle, de dureza, de normatividade. A norma dá ao pelagianismo a segurança de sentir-se superior. Nisto encontra a sua força, não na rapidez do sopro do Espírito. Diante dos males ou dos problemas da Igreja é inútil buscar soluções em conservadorismos ou fundamentalismos, na restauração de condutas e formas superadas que nem mesmo culturalmente têm capacidade de ser significativas. A doutrina cristã não é um sistema fechado incapaz de provocar perguntas, dúvidas, interrogações, mas está vivo, sabe inquietar e animar. Tem um rosto não rígido, tem um corpo que se move e se desenvolve, tem carne tenra: chama-se Jesus Cristo”.
É inútil dizer que, ouvindo esta reprimenda, os bispos presentes se reportaram não apenas ao agitadíssimo Sínodo de outubro passado e ao documento pontifício que apresentará as suas conclusões, mas também – negativamente – ao período de Ruini e àquele que foi o seu “projeto cultural”.
Em Washington, o Papa não deixou de recordar – positivamente – o período da liderança progressista exercida sobre os bispos americanos nos anos 1970 e 1980 pelo cardeal Joseph Bernardin, autor da famosa palavra de ordem, repetida tal qual por Francisco, “seamless garment”, “túnica sem costura”, ou seja, o compromisso sem distinções – também aqui com as palavras de Francisco – com as “vítimas inocentes do aborto, das crianças que morrem de fome e sob as bombas, os emigrantes que se afogam buscando um amanhã, os idosos ou doentes que olhamos sem interesse, as vítimas do terrorismo, das guerras, da violência e do narcotráfico, o ambiente devastado por uma relação depredadora do homem com a natureza”.
As nomeações nos Estados Unidos
O cardeal Bernardin foi arcebispo de Chicago. Também o cardeal George o foi depois dele. E desde o ano passado, o lugar é ocupado por Blase Cupich, o homem que Francisco promoveu inesperadamente a esta sede crucial como futuro líder de um episcopado estadunidense alinhado com o novo caminho.
De acordo com muitos, Cupich não estava à altura de seus predecessores. E nem sequer era popular entre os outros bispos, a julgar pelos poucos votos que teve nas eleições de 2014 para a presidência e vice-presidência da Conferência Episcopal. Mas sua promoção a Chicago foi vivamente recomendada a Francisco por dois cardeais americanos da minoria “progressista” e “moderada”, Theodor McCarrick e Donald Wuerl, um após o outro arcebispos de Washington.
Devemos recordar que McCarrick, em 2004, ocultou a carta escrita pelo então cardeal Joseph Ratzinger aos bispos estadunidenses na qual os admoestava a não darem a comunhão aos políticos católicos pró-aborto, carta que o portal Chiesa tornou pública.
Sobre Wuerl, ainda está fresca na memória a lembrança da sua pugnaz presença no Sínodo de outubro passado, chamado não por eleição dos bispos de seu país, mas – assim com Cupich – por nomeação direta de Francisco, que o incluiu na comissão encarregada da redação do documento final. Seguro de sua posição, Wuerl atacou publicamente os 13 cardeais signatários da carta entregue ao Papa no início do Sínodo, entre os quais está o arcebispo de Nova York, Timothy Dolan.
Os quatro delegados eleitos para o Sínodo pelos bispos dos Estados Unidos eram todos da corrente majoritária, de marca wojtyliana e ratzingeriana. Ao passo que os dois primeiros suplentes eram o arcebispo de San Francisco, Salvatore Cordileone, também ele pertencente a esta corrente, e Cupich. Mas Francisco, ao escolher os 45 padres sinodais de nomeação direta, descartou o primeiro e recuperando o segundo. E acrescentando outro da mesma linha de Cupich, o pouco conhecido bispo de Youngstown, George V. Murry, jesuíta.
Outras duas nomeações saudadas calorosamente pelos católicos “progressistas” americanos como conformes ao “estilo de Francisco” foram as do novo arcebispo de Santa Fe, John Charles Wester, e, sobretudo, a do novo bispo de San Diego, Robert W. McElroy.
E é previsível que depois do discurso em Washington de 23 de setembro, esta mudança iniciada por Francisco no episcopado dos Estados Unidos prossiga em grande velocidade.
No entanto, é curioso que quando é preciso nomear titulares de dioceses que têm sérios problemas administrativos ou judiciais, a escolha do Papa é mais pragmática. Em Kansas City, após a renúncia do bispo Robert Finn, acusado de omissão em relação a um caso de abuso sexual, foi nomeado James Johnston, um wojtyliano convencido, mas de comprovada capacidade de governo. E algo similar parece que se prepara a propósito da nomeação, na diocese de Saint Paul e Minneapolis, do sucessor do arcebispo John Nienstedt, obrigado a pedir renúncia após acusações ainda mais graves.
Uma verificação importante dos atuais equilíbrios entre os bispos dos Estados Unidos será, nos próximos dias, a eleição para a renovação das direções das comissões da Conferência Episcopal, nas quais entrarão em disputa, entre outros, os recém promovidos Wester e McElroy, ambos desafiados pelos bispos de visão oposta.
Na Itália
O primeiro e decisivo golpe dado por Francisco à Conferência Episcopal Italiana de marca ruinina foi, no final de 2013, a expulsão do então secretário-geral Mariano Crociata, exilado na periférica diocese de Latina, e a nomeação como novo secretário de Nunzio Galantino, ou seja, o menos votado na longa lista de candidatos indicados ao Papa pelo conselho permanente da CEI.
Mas “os últimos serão os primeiros”. E, efetivamente, a partir desse momento Galantino moveu-se com poderes absolutos e sem oposição, certo de sua proximidade com o Papa Francisco, eclipsando totalmente o presidente da CEI ainda no cargo, o cardeal Angelo Bagnasco.
Na sequência, houve uma série de nomeações, efetivas ou não, que estão dando corpo à mudança. Entre aquelas que, recentemente, afetaram dioceses de primeira importância devemos assinalar a nomeação de Claudio Cipolla, pároco, para a diocese de Pádua, de Corrado Lorefice, outro pároco, para a diocese de Palermo, e de Matteo Zuppi, antes bispo auxiliar de Roma, para a diocese de Bolonha.
Para o que diz respeito a Lorefice e Zuppi e sua, verdadeira ou suposta, filiação à chamada “Escola de Bolonha”, a corrente historiográfica que impôs ao mundo uma leitura do Concílio Vaticano II em termos de “ruptura” e “novo início” na história da Igreja, pode-se consultar matéria publicada no blog Settimo Cielo.
Mas, pode-se acrescentar que Bergoglio conhece Zuppi pessoalmente há anos. Como membro proeminente da Comunidade de Santo Egídio, Zuppi viajou várias vezes para Buenos Aires para levar ajudas. E não deixava nunca de visitar o então arcebispo da capital argentina.
Quanto às nomeações que não foram efetuadas, estas dizem respeito sobretudo ao colégio cardinalício, onde o Papa premiou, não as sedes tradicionais de Turim ou Veneza, mas as menos prestigiadas de Perugia, Agrigento e Ancona.
Em Ancona, o recém nomeado Edoardo Menichelli é muito próximo do cardeal Achille Silvestrini, de quem foi seu secretário pessoal. E Silvestrini fez parte desse clube de cardeais progressistas que periodicamente se reuniam na Suíça, em San Galo, para discutir sobre o futuro da Igreja e que nos dois conclaves deste século obstaculizaram a eleição de Ratzinger e apoiaram a de Bergoglio. Um clube que incluía os cardeais Walter Kasper, Karl Lehmann, Carlo Maria Martini, Basil Hume, Cormac Murphy-O’Connor e Godfried Danneels.
E no resto do mundo
O ultraprogressista Danneels, de 82 anos, arcebispo emérito de Malinas-Bruxelas é um dos prediletos do Papa Francisco, que o colocou no topo da lista dos padres sinodais nomeados por ele pessoalmente tanto em 2014 como em 2015, deixando ao contrário em casa o arcebispo no cargo da capital belga, o conservador André Léonard.
Bergoglio não se deixou perturbar nem mesmo pela má fama que caiu sobre Danneels por sua tentativa de encobrir, em 2010, os abusos sexuais do então bispo de Bruges, Roger Vangheluwe, que abusou sexualmente do seu jovem sobrinho.
Mas há mais. Em 06 de novembro passado, o Papa Francisco nomeou novo arcebispo de Malinas-Bruxelas a Jozef De Kesel, antes auxiliar de Danneels e seu protegido.
Já em 2010, Danneels queria De Kesel como seu sucessor. Mas Bento XVI opôs-se e nomeou Léonard, escolhido por ele pessoalmente. O resultado foi que o então núncio na Bélgica, o alemão Karl-Joseph Rauber, deixou o cargo e protestou contra a não nomeação do candidato de Danneels, e que também era o seu, em uma entrevista publicada na revista Il Regno e que foi um ataque frontal a Ratzinger.
Mas nem mesmo este comportamento tão pouco conforme com o papel de núncio perturbou o Papa Bergoglio que, ao contrário, não apenas não fez Léonard cardeal, mas que, em fevereiro passado, premiou o próprio Rauber com a púrpura por “distinguir-se no serviço à Santa Sé e à Igreja”.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A verdadeira revolução de Francisco acontece a golpes de nomeações - Instituto Humanitas Unisinos - IHU