22 Setembro 2014
Em termos católico-americanos, Chicago sempre foi uma terra de gigantes. A cidade já teve nove arcebispos católicos e, para melhor ou pior, todos foram figuras de destaque.
No começo do século XX, o cardeal George Mundelein foi um entusiasta de Franklin D. Roosevelt que mobilizou os recursos da Igreja Católica para responder à Grande Depressão e que, frequentemente, travou brigas contra o famoso padre Charles Coughlin sobre a demagogia antissemita e quase fascista então em voga. Hoje, o seminário arquidiocesano de Chicago leva o seu nome: Mundelein.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 20-09-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Para pegarmos outro exemplo: o cardeal John Cody, que administrou a Arquidiocese de Chicago com punhos de ferro durante as décadas de 1960 e 1970, era um para-raios descrito pelo padre romancista Andrew Greeley como um “tirano másculo”. A notoriedade de Cody foi também temperada com o escândalo de que ele teria desviado grandes somas de dinheiro da Igreja para sustentar uma mulher que muitos consideram ter sido sua amante.
Pode-se amá-los ou odiá-los, mas é impossível ignorar estes prelados que governaram a arquidiocese.
Mais recentemente, o falecido cardeal Joseph Bernardin incorporou as energias das reformas progressistas desencadeadas pelo Concílio Vaticano II em meados da década de 1960. Durante as duas décadas seguintes, Bernardin desempenhou um papel-chave nos bastidores a partir de Chicago como um poderoso agente na Conferência dos Bispos, conduzindo esta na oposição ao governo Reagan quanto à política militar e para abraçar a causa dos pobres.
De certa forma, Bernardin foi o João XXIII americano, o “Papa bom” que convocou o Vaticano II.
Pelo contrário, o cardeal Francis George se parece mais como um Bento XVI americano, intelectual brilhante comprometido com uma defesa forte da identidade e tradição católicas.
Durante o seu período como presidente da Conferência dos Bispos, George conduziu os bispos em suas lutas contra o governo Obama a respeito dos artigos envolvendo o uso de métodos contraceptivos impostos como parte de uma reforma no sistema de saúde, enquadrando a questão em termos de liberdade religiosa.
Todos eles nos trazem até Blase Cupich, 65, nomeado pelo Papa Francisco no último sábado para suceder o cardeal George como o novo arcebispo de Chicago.
A questão é: Estamos perante o Papa Francisco americano em Chicago?
Não há nada mais importante que um papa possa fazer para moldar a cultura na Igreja Católica do que nomear bispos, e isso é especialmente verdade para os locais que dão o tom ao redor do mundo. Chicago faz parte de uma pequena lista, ao lado de Milão, Paris e Westminster, de lugares onde os papas têm a chance de imprimirem a marca de seu carimbo com firmeza numa grande parcela do mundo.
Francisco já havia feito algumas destas escolhas definidoras: Colônia (Alemanha), Madri e Sydney. A sua escolha para a Arquidiocese de Chicago totaliza o número quatro, e então temos claramente uma imagem daquilo que ele, o papa, quer.
• Em primeiro lugar, quer bispos moderados em vez de ideólogos, homens que defendam a doutrina da Igreja, mas cujo primeiro instinto não é o confronto político, e que manterão linhas de comunicação abertas com todos os matizes.
• Em segundo lugar, quer bispos do “evangelho social”, ou seja, líderes com uma preocupação especial para com os pobres, imigrantes e aqueles que vivem no que chamou de “periferias existenciais” do mundo.
• Em terceiro lugar, o papa quer homens que se vejam como pastores e não burocratas ou diplomatas, pastores que, na imagem memorável que empregou, “carregam o cheiro de suas ovelhas”, pois por estarem próximos das pessoas comuns é que foram chamados a servir.
É por tudo isso que Francisco escolheu Cupich, nascido em Omaha, Nebraska, cuja função anterior era a de bispo de Spokane, em Washington.
Cupich é associado com a ala moderada dos bispos americanos, os quais sempre se sentiram desconfortáveis com a percepção de que o catolicismo se tornou o novo líder da direita religiosa.
Por exemplo, Cupich irritou alguns ativistas pró-vida ao pedir a seus sacerdotes e seminaristas a não rezassem em frente às clínicas de aborto da rede Planned Parenthood, considerando este ato um gesto desnecessariamente provocativo.
O novo arcebispo também é um homem que opta pela missão social da Igreja, com um compromisso claro em estender a mão aos que sofrem. Entre outras coisas, liderou uma comissão da Conferência dos Bispos dedicada a tratar de reformas envolvendo os escândalos de abuso sexual que abalaram a Igreja, tendo há alguns anos dito considerar o encontro com vítimas como um “template” (modelo) para tudo o que faz enquanto sacerdote e bispo.
No nível pessoal, Cupich é conhecido como gracioso e acessível. Na verdade, uma das poucas reservas que as pessoas tiveram dele quando seu nome foi mencionado para a Arquidiocese de Chicago era se ele teria personalidade o suficiente para atuar neste palco.
É claro que as pessoas tinham a mesma pergunta sobre o cardeal Jorge Mario Bergoglio, de Buenos Aires, antes de sua eleição como papa, e sabemos em que isso resultou.
Com base na história desta arquidiocese, e porque daqui em diante Cupich será conhecido como o parceiro do Papa Francisco – a sua primeira nomeação importante nos EUA –, o sucesso ou fracasso da revolução do pontífice nestas terras irá estar descansar, em certa medida, em seus ombros.
Ver se ele cresce em seu papel será, pois, a história católica principal na cidade de Chicago por muitos e muitos anos.
Francisco na Albânia
No domingo, o Papa Francisco fará uma viagem de um dia a Albânia, um país onde muitos católicos, cristãos ortodoxos e muçulmanos sofreram algumas das piores perseguições religiosas no mundo sob o comando do ditador Enver Hoxha, quem governou o país de 1944 a 1985 e que proibiu a expressão religiosa em 1967.
Esta experiência produziu um clima marcante de solidariedade religiosa neste país, as quais Francisco vai tentar exaltar como um modelo para as relações inter-religiosas em outros lugares.
Esta é a quarta viagem internacional do papa após excursões ao Brasil, Oriente Médio e à Coreia do Sul. No momento, há uma viagem marcada para novembro em Strasbourg, para discursar ao Parlamento Europeu, em seguida para a Turquia. Ele irá também viajar ao Sri Lanka e às Filipinas em janeiro.
Pedindo desculpas ao Papa Bento XVI
Entre os comentaristas católicos, tem havido uma discussão recente sobre se o Papa Bento XVI merece receber um pedido de desculpas pelo bafafá que eclodiu em 2006 após uma fala que ele fez em Regensburg, na Alemanha, a qual foi aberta com uma citação de um imperador bizantino do século XIV que associava Maomé, fundador do Islã, à violência.
Na época, a citação de Bento XVI foi considerada uma ofensa religiosa. Hoje, com o surgimento do califado autodeclarado do grupo ISIS no norte do Iraque e com sua repressão sangrenta para com minorias religiosas, as coisas parecem um pouco diferente.
No entanto, uma abordagem revisionista de suas palavras corre o risco de repetir o erro fatal de oito anos atrás, só que ao contrário. Excetuando o seu segundo parágrafo, a fala feita na Universidade de Regensburg não tem, realmente, nada a ver como o Islã, e lê-la dessa forma distorce exatamente aquilo que o pontífice emérito estava tentando mostrar.
Se lermos o texto de 4 mil palavras por inteiro – o que, até o momento, relativamente poucos dos meios de comunicação que comentam o caso parecem terem feito –, descobriremos que os principais pontos de referência de Bento XVI não são muçulmanos, e sim Sócrates, Duns Scotus, Immanuel Kant e Adolf von Harnack, destaques da tradição intelectual do Ocidente.
Caso Bento estiver criticando algo, este não será o Islã e sim o secularismo ocidental e a sua tendência de limitar o escopo da razão àquilo que pode ser verificado científica e empiricamente, excluindo qualquer referência a uma verdade cabal.
O cerne do argumento de Bento XVI no discurso em Regensburg era o de que a razão e a fé precisam uma da outra. A razão despojada de fé, sugere ele, torna-se em ceticismo e niilismo, enquanto que a fé desprovida de razão se torna em extremismo e fundamentalismo. Em separado, cada uma delas se torna perigosa; para que ambas sejam saudáveis, as duas são necessárias.
Em Regensburg, Bento advertiu contra “uma razão que diante do divino é surda”, entre outras coisas apontando que ignorar o transcendente prejudica o Ocidente na tentativa de organizar o resto do mundo, que leva de fato a religião a sério.
“A escuta das grandes experiências e convicções das tradições religiosas da humanidade, especialmente da fé cristã, constitui uma fonte de conhecimento; recusá-la significaria uma inaceitável redução do nosso escutar e responder”, disse.
Bento XVI se via como um papa a ensinar, e não como um governador ou diplomata – e não resta dúvida de que o seu reinado de 8 anos sofreu por causa disso.
De fato, como professor ele tem um histórico impressionante. O seu discurso em Regensburg era parte de uma obra de quatro volumes que também inclui discursos memoráveis no Collège des Bernardins (Paris, 2008), no Westminster Hall (Londres, 2010) e no Bundestag [Parlamento Alemão] (Alemanha, em 2011).
Em cada um deles, Bento tentou apresentar uma visão para o papel construtivo aos crentes nas sociedades democráticas pós-modernas, sustentando que as democracias dependem de um alicerce de valores que elas não podem dar a si mesmas, e que os cidadãos motivados por crenças religiosas podem ajudar a supri-los.
Pode-se discordar da análise do papa emérito, e ele seria o primeiro a reconhecer isso porque, quando fala na qualidade de crítico cultural, o seu pensamento não está coberto pela infalibilidade que os papas alegam quando se pronunciam sobre fé e moral.
Em alguns pontos, no entanto, os seus argumentos merecem, ao menos, serem ouvidos.
Caso devamos um pedido de desculpas ao Papa Bento XVI, provavelmente não devemos por termos exagerado em sua referência a Maomé em Regensburg – que parece ter sido mal assessorada, especialmente pela ausência de qualquer contextualização. Devemos, isso sim, desculpas por nunca termos considerado o resto daquilo que ele tinha a dizer.
A política de Recursos Humanos do Papa Francisco
Nesta semana o respeitado escritor italiano Sandro Magister especulou que o cardeal americano Raymond Burke, conhecido como um dos tradicionalistas e combatentes culturais mais ferozes no Vaticano, possa ser rebaixado de sua posição pelo Papa Francisco.
No último mês de dezembro, Francisco removeu Burke da toda-poderosa Congregação para os Bispos, organismo responsável por recomendar novos bispos ao redor do mundo. Hoje, Magister informa que o papa está prestes a tirar Burke de sua posição de chefe da Assinatura Apostólica, o supremo tribunal vaticano, e nomeá-lo benfeitor da Soberana Ordem dos Cavaleiros de Malta, uma função basicamente cerimonial sem nenhuma importância no Vaticano.
(Os Cavaleiros de Malta é uma organização de cavalaria para católicos destacados de todo o mundo, cuja missão é auxiliar idosos, deficientes, refugiados, crianças, desabrigados e os que se encontram em estado terminal ou leprosos. Uma de suas características é o status soberano perante o direito internacional, que o faz tecnicamente ser o menor Estado do mundo, e não o Vaticano.)
Caso Burke seja enviado a fazer as malas, será difícil não considerar o movimento outra coisa senão um rebaixamento.
No entanto, antes de alguém conclua que Francisco esteja realizando uma caça ideológica, esta semana teve outro movimento no departamento pessoal que aponta para uma direção um pouco diferente: a nomeação de Anthony Fisher, ex-bispo de Parramatta, Austrália, como o novo arcebispo de Sydney.
Com apenas 54 anos de idade, Fisher é um erudito dominicano dado a raciocínios sutis sobre assuntos diversos, o que faz difícil caracterizá-lo em poucas palavras. Isso posto, em seu país é considerado como um “protégé” do cardeal George Pell, ex-arcebispo de Sydney e que, atualmente, é o czar financeiro do papa. Assim, a nomeação de Fisher será considerada um voto para a continuidade da liderança conservadora de Pell.
Para constar, a escolha certamente confirma a influência de Pell junto ao papa. A assinatura na bula que envia Fisher a Sydney pode bem ser do papa, mas se analisarmos bem em busca de impressões digitais, garanto que encontraremos as marcas de George Pell em toda ela.
No entanto, Fisher e seu mentor dificilmente são clones um do outro. Enquanto Pell é um durão que aprecia uma boa luta, Fisher é mais gentil, amigável e, com certeza, surpreenderá as pessoas com sua capacidade de escutar e distinguir cuidadosamente as coisas.
Por exemplo, Fisher é membro da Pontifícia Academia para a Vida, a qual tende a ser um lugar de acolhida para as vozes mais conservadoras da Igreja. No último mês de fevereiro, perguntei-lhe sobre como as pessoas aqui estavam reagindo ao chamado do Papa Francisco para minimizarem na retórica sobre questões tais como o aborto e o casamento gay.
“Há alguns ainda que dizem que a melhor estratégia para a Igreja sobre isso é uma guerra declarada, confrontos de ponta a ponta com os políticos, acadêmicos, com a mídia e com todos aqueles que vemos estar promovendo a cultura da morte”, disse Fisher.
“Outros diriam que esta abordagem não funcionou. Ela endureceu os corações, fez as pessoas se fecharem aos Evangelho da Vida, as fez escreverem sobre os cristãos como fanáticos ou pessoas monotemáticas”, falou.
Fisher enxerga claramente a maluquice que é começar um diálogo sobre o cristianismo considerando suas posições sobre temas políticos polêmicos.
“[As guerras culturais] não podem constituir tudo sobre o que falamos, pois há coisas muito mais importantes tais como o amor de Deus e sua misericórdia que são absoluta e claramente anteriores”, acrescentou, e que “irão canalizar todo a paixão pela justiça social ou pelos nasciturnos, pelos idosos ou por qualquer outra causa desse tipo”.
“A Igreja é a voz mais alta e mais clara em favor da vida. Não houve nenhuma alteração nesse sentido sob o comando deste papa”, disse Fisher. “No entanto, precisamos levar a sério a ideia de que, talvez, precisemos de uma retórica e estratégia diferentes”.
Em termos de como uma tal estratégia se pareceria, Fisher acredita que o próprio Francisco é um bom modelo a seguir: apesar de estar com 77 anos, disse, o pontífice “parece ter um pensamento tão avançado, com energia, um filho de nossa época, um alguém com o qual podemos conversar”.
Fisher não é nenhum ideólogo que cospe fogo, mas também nenhum liberal progressista. A sua nomeação pode não significar nenhuma mudança brusca para a direita ou esquerda, mas sim uma opção por liderança pensante, não importando onde se encontra o marcador do compasso ideológico.
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Estamos perante o Papa Francisco americano em Chicago? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU