26 Outubro 2015
Após três semanas, o Sínodo sobre a família chega ao seu fim em Roma. Opiniões diferentes sobre os relacionamentos pessoais vieram à tona, mas também um movimento em direção a uma Igreja mais aberta a escutar.
A reportagem é de Christopher Lamb, publicada por The Tablet, 22-10-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Estar do lado de dentro do salão sinodal e presenciar os debates aí travados foi, de acordo com o arcebispo de Brisbane, Mark Coleridge, algo como assistir pipoca sendo feita na panela: “As ideias e opiniões saltavam em todas as direções”, disse.
O mesmo vem ocorrendo com analistas deste Sínodo dos Bispos sobre a família, que hoje (22 de out.) estará votando o seu documento final. Cobriram-se todos os tipos de tópicos: do divórcio, gays e poligamia até a preparação para o matrimônio, pobreza e migração.
Alguns temas parecem ter surgido, tais como a necessidade de a Igreja encontrar uma nova linguagem – não “indissolubilidade” mas “fidelidade” do matrimônio –, para dar uma maior autonomia aos bispos locais em questões pastorais e para ajudar – em vez de julgar – as uniões que fracassam em viver segundo os ideais do ensino católico.
Resta saber se algumas destas mudanças em direção à abertura e descentralização irão se fazer presentes no documento final do Sínodo e se tornar realidade na Igreja. É bem possível que o resultado do encontro de três semanas venha a desapontar tanto conservadores como progressistas em questões concernentes ao matrimônio.
Na verdade, este encontro mundial dos bispos tem lidado com tantas coisas sobre si próprio quanto o fez sobre a família. Desde que deu início a este processo sinodal, pouco tempo depois de sua eleição em 2013, o Papa Francisco tem sido claro que quer que o Sínodo dos Bispos se torne parte da Igreja.
Na edição do ano passado, ele encorajou os participantes e se manifestarem com franqueza e abertura, e desta vez ele enfrentou uma forte resistência por parte dos que – incluindo cardeais – sugeriram que, de alguma forma, o processo estaria sendo manipulado numa direção progressista visando não só uma reforma como também uma mudança substancial [na doutrina].
O Papa Francisco precisou dar duro para garantir que o Sínodo fosse, em suas palavras, um “espaço protegido” para o discernimento e um lugar que permita a ação do Espírito Santo. Em parte ele assim o fez garantindo, aos Padres Sinodais, que o ensino da Igreja sobre o matrimônio não estaria sendo alterado. Esta oposição agora parece ter se dissipado.
Talvez, o mais importante para o Sínodo, e para o seu futuro, foi a fala de Francisco proferida no sábado passado, a qual muitos estão descrevendo como um marco histórico. Marcando o 50º aniversário do Sínodo dos Bispos, o pontífice deixou claro que a Igreja não deveria apenas realizar sínodos mas se tornar sinodal.
Um sínodo fortalecido, explicou ele, “constitui uma das heranças mais preciosas do Concílio Vaticano II” e é capaz de “manter vivo” o espírito do Concílio e o seu método.
Isso irá incluir uma “descentralização saudável” e uma escuta ao sensus fidei – o sentido da fé entre o povo –, que o papa disse ter um “instinto para discernir os novos caminhos que o Senhor está revelando à Igreja”.
Independentemente do que o documento final do Sínodo venha a produzir, o processo não vai findar neste fim de semana. O papa quer uma Igreja que esteja continuamente escutando o Povo de Deus. No entanto, nas próximas horas o Sínodo irá precisar se decidir sobre a questão da Comunhão aos fiéis divorciados e recasados. E durante o encontro, ouvimos mensagens conflitantes sobre o assunto.
Disseram aos jornalistas que a questão foi levantada inúmeras vezes com muitos dos prelados aprovando a noção de um caminho penitencial, que permita aos recasados serem readmitidos aos sacramentos. O arcebispo de Chicago, Blase Cupich, enfatizou aos jornalistas a importância de a Igreja respeitar a consciência dos divorciados e recasados, dizendo: “A consciência é inviolável. E nós temos de respeitar isso quando estas pessoas tomam suas decisões, e eu sempre fiz isso”.
Além disso, informou-se que os Padres Sinodais aplaudiram intensamente após ter ouvido uma história comovente contada por um bispo de um garoto que tomou sua hóstia, a repartiu e deu a seus pais, os quais não podiam receber a Comunhão.
Ao mesmo tempo, Dom Mark Coleridge disse não ter ouvido uma intervenção explicitamente pedindo que a Comunhão fosse dada aos divorciados e recasados. Ele também previu que o Sínodo conta com 65% dos votos contra qualquer forma de desenvolvimento da doutrina.
O grupo de trabalho em língua alemã, no entanto, está impaciente para ver algo acontecer. Está sustentando que é possível autorizar os sacramentos aos recasados sem se alterar o ensinamento sobre a indissolubilidade [do matrimônio]. E ele parece estar tendo algum sucesso em convencer os seus oponentes tradicionalistas a um tal movimento, como o Cardinal Gerhard Müller, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, que era um dos participantes do grupo alemão juntamente com o cardeal de Munique Reinhard Marx, o qual tem se mostrado mais a favor da reforma.
Nesta semana, Müller disse à revista semanal alemã Focus que não se pode excluir por completo esta possibilidade, pelo menos “não em casos individuais extremos”. Embora ressaltando que uma admissão geral dos divorciados não pode ser algo permitido, “em certos casos (...) é possível conceder a permissão”.
Ainda que os bispos estejam divididos neste assunto, Francisco tem destacado que ele ainda possui todas as cartas quanto ao que será o resultado final do processo sinodal. Dom Charles Drennan, da Nova Zelândia, disse ao The Tablet que o papa não está limitado pela necessidade tradicional de uma maioria com dois terços dos votos, o que acontece entre os bispos. Francisco pode perceber que uma maioria simples é o suficiente para se aprovar uma proposta.
É improvável, todavia, que o Sínodo vá propor uma regra geral neste tocante. O mais provável é que a questão seja devolvida aos bispos locais com o papa emitindo um motu proprio sobre o assunto, da mesma forma como as mudanças no processo de anulação matrimonial foram implementadas. Mas toda e qualquer descentralização nesta área irá contar com forte oposição. Um dos opositores à mudança, o cardeal australiano George Pell, disse esta semana: “Católico significa ‘universal’, não ‘continental’”.
De qualquer forma, o movimento geral no Sínodo de se focar nas realidades pastorais pode significar que o seu documento final vai procurar dar algumas recomendações práticas. Uma dessas pode ser a de fortalecer os cursos preparatórios para o matrimônio, exigindo que os casais participem de um curso sério antes de se casar. Uma proposta semelhante foi apresentada em 1980 na sequência de um Sínodo.
A coabitação está também surgindo como uma problemática rara, em que tanto o Ocidente e a África podem concordar que uma abordagem que conte com “acompanhamento” não recriminador se faz necessária na Igreja. O Cardeal Wilfrid Napier, de Durban, salientou que a coabitação na África é comum, onde um casal convive enquanto o homem trabalha até que possa passar o seu dote. O cardeal destacou que esta prática se dá como um momento preparatório ao matrimônio – ele disse ser um momento “pró-matrimônio” – e que os bispos africanos deveriam estudar em busca de encontrar uma maneira de incorporá-la ao Sacramento do Matrimônio.
Embora a coabitação seja um fenômeno diferente no Ocidente, a maioria das paróquias na Europa e na América do Norte recebe casais desejosos de se unirem em matrimônio, pessoas que partilham um mesmo endereço. A dúvida, portanto, é como a Igreja acolhe e incentiva estas pessoas.
Mas há o perigo da lacuna crescente entre os católicos comuns e o ensino católico oficial. Não há exemplo mais claro do que a proibição do uso de métodos anticoncepcionais artificiais. No todo, este assunto foi ignorado durante o Sínodo.
Entretanto, o tema foi abordado por Sharron Cole, neozelandesa e ex-membro diretor de um grupo que fomenta o planejamento familiar natural, que instou os Padres Sinodais a repensarem não apenas a Humanae Vitae como também todo o ensino católico sobre o matrimônio e a sexualidade.
Disse ela: “Muitos casais católicos tomaram suas decisões em consciência sobre a forma como exercer a paternidade responsável, o que pode significar o uso de métodos anticoncepcionais artificiais. Para alguns, isso tem significado abandonar a Igreja. Outros permanecem, mas frequentemente com uma sensação de mal-estar. Na qualidade de antiga membro do grupo coordenador de atividades que promovem o planejamento familiar natural, sei que este método anticoncepcional, permitido pela Humanae Vitae, é um método eficaz para casais motivados. No entanto, para muitos outros ele é simplesmente impraticável”.
Cole acrescentou: “Não irá se precisar de mais catequese, e sim de escuta com uma profunda empatia a restaurar a credibilidade da Igreja em matéria de ética sexual. É chegada a hora de este Sínodo propor que a Igreja reexamine o seu ensino sobre o matrimônio e a sexualidade, bem como a sua compreensão sobre a paternidade responsável, em diálogo com os leigos e bispos”.
Pedir às pessoas que falem livremente e a se ouvir os leigos, como tem feito o Papa Francisco, provavelmente irá fazer se sentir desconfortáveis alguns na hierarquia. Independentemente do que aconteça hoje, e na conclusão do Sínodo, Francisco criou um processo por meio do qual a Igreja pode, com honestidade, enfrentar de cabeça erguida os seus problemas.
Se isto irá levar a uma mudança concreta não está claro, mas muitos cardeais, como o Donald Wuerl – veterano em sínodos presente na equipe de elaboração do documento final –, creem que, no final, o “abraço carinhoso da Igreja às pessoas que estão tendo dificuldades em viver a plenitude do Evangelho irá vencer”.
Mesmo assim, provavelmente vai haver mais turbulência ao longo do caminho.
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