19 Outubro 2015
O Sínodo 2015 sobre a família resultou em um enorme interesse na Igreja e lançou muitas discussões na imprensa. Há, porém, cinco motivos pelos quais ele está fadado ao fracasso – antes mesmo de os bispos se reunirem em Roma para o evento. Talvez o Papa Francisco realize um milagre e o salve, mas as probabilidades vão contra ele.
O comentário é de Thomas Reese, jornalista, jesuíta, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 15-10-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Em primeiro lugar, o tema do Sínodo – “a família” – é demasiado amplo.
“Família” diz respeito a tudo, e tudo diz respeito a ela. Qualquer coisa ruim neste mundo afeta as famílias, e quaisquer problemas nas famílias afetam as sociedades em que elas vivem.
Os fatores sociais e econômicos impactam as famílias: o desemprego, a habitação, guerras, o terrorismo, as mudanças climáticas, as diferenças inter-religiosas, o consumismo, as mídias sociais, a educação, e assim por diante. Todos os problemas do mundo têm impactos sobre as famílias, desde os vícios à corrupção política.
Dezenas de questões morais circundam a família, desde o ato sexual em si à fidelidade, ao aborto, aos métodos anticoncepcionais, às mães de aluguel, à homossexualidade, ao divórcio, à igualdade de gênero, à violência conjugal, entre tantos outros exemplos.
As famílias são o lugar onde se aprende – e onde não se aprende – a fé cristã, sem mencionar os simples hábitos e virtudes morais.
E nem chegamos a falar das questões teológicas e canônicas que cercam as famílias: o matrimônio (o casamento) como um sacramento, as anulações, as cerimônias litúrgicas, a família na Igreja, etc.
Tudo isso é, simplesmente, demais para se trabalhar num encontro com três semanas de duração.
Em segundo lugar, a composição do Sínodo faz com que a abordagem deste assunto se torne algo difícil.
Os 270 padres sinodais provêm de culturas muito diferentes e, consequentemente, possuem prioridades e preocupações um tanto diversas, sem mencionar as diferentes concepções culturais sobre a vida familiar.
Os bispos do Oriente Médio e da África veem suas famílias enfrentando ameaça constante de violência e morte, o que as força a buscar refúgio em outros lugares e a abandonar os seus lares. Como se pode ter uma família nestas circunstâncias?
Muitos bispos nos países desenvolvidos preocupam-se em como responder aos altos índices de divórcio. Mas ao lado destas nações ricas e industrializadas, a problemática pode ser a do tráfico humano, casamentos arranjados, casamentos inter-religiosos, noivas ainda em idade infantil, poligamia, a mutilação genital feminina e costumes culturais em que o casamento é visto como acontecendo ao longo do tempo, e não no instante em que o casal profere os votos diante do sacerdote.
Será que pessoas com fundos culturais tão variados assim podem ter uma compreensão comum dos problemas que as famílias enfrentam e de como lidar com eles?
O terceiro problema que o Sínodo enfrenta é o processo sinodal em si.
Os Sínodos são uma fábrica de papel. Eles produzem um monte de discursos, recomendações e, às vezes, até mesmo um documento final, mas será que eles fazem alguma diferença? Em 1980, cobri um Sínodo sobre a família que abordava quase todas as questões que este atual Sínodo enfrenta. Representou alguma diferença? Se sim, eu não o vejo.
O Sínodo de 1980 fez muitas das mesmas recomendações que a edição deste ano fará: uma melhor preparação matrimonial, uma melhor formação do clero de forma que possam ajudar as famílias, melhores programas formativos, um apoio mais amplo às famílias por parte dos governos, menos violência, mais amor.
Programas e ideias novas não são gerados nos Sínodos. Os bispos somente podem partilhar aquilo que trazem consigo. Programas novos são criados por empreendedores que possuem uma ideia, pondo-a em prática e melhorando-a via tentativa e erro.
O quarto motivo pelo qual o Sínodo dos Bispos está fadado ao fracasso é que ele está amplamente dividido quanto ao que pode – e ao que não pode – mudar.
Este confronto fica mais óbvio com relação à questão da readmissão à Sagrada Comunhão dos fiéis divorciados e recasados.
Um lado enxerga apenas a lei – o contrato matrimonial é permanente e só pode findar com a morte.
O outro lado vê milhões de pessoas sofrendo com casamentos rompidos que não podem se juntar novamente.
Uma solução para esta crise é o processo de anulação, pelo qual a Igreja declara que, muito embora haja um contrato assinado, este não é válido por causa de alguma falha no momento em que a cerimônia ocorreu. No Sínodo de 2014, houve um grande apoio no sentido de tornar este processo de anulação mais fácil e rápido; Francisco agiu aqui durante este ano que se passou.
A atitude dos bispos em relação às anulações é a maior mudança desde o Sínodo sobre a família de 1980, quando os bispos americanos foram ferozmente atacados pelos cardeais curiais por fazerem das anulações algo demasiado fácil de se conseguir.
Francisco foi muito além dos procedimentos americanos ao permitir que os bispos declarem a nulidade de um casamento (matrimônio) por meio de um processo administrativo, em vez de um processo judicial. Até mesmo os canonistas estão buscando saber como isto irá funcionar na prática.
Mas o problema fundamental enfrentado pelo Sínodo é o mesmo enfrentado pelo Concílio Vaticano II: O que pode e o que não pode mudar na Igreja?
Constantemente, o papa e os bispos dizem que o Sínodo não irá modificar a doutrina da Igreja, mas somente a prática pastoral. Os bispos parecem até mesmo com medo de falar sobre algum desenvolvimento da doutrina, tudo para não serem vistos como irresolutos para com o assunto.
Os conservadores enxergam a readmissão à Comunhão por parte de católicos divorciados e recasados como algo violador da doutrina da Igreja – a indissolubilidade do matrimônio. Para eles, isto significaria que a Igreja esteve, de alguma forma, errada no passado em seu ensinamento.
Todo aquele que estuda o Concílio Vaticano II sabe que que esta foi a mesma queixa feita pelo Cardeal Alfredo Ottaviani e seus colegas conservadores, os quais lutaram contra as mudanças nos ensinamentos da Igreja no tocante ao ecumenismo, à liberdade religiosa e outros assuntos.
Então, para que os bispos permitam que católicos divorciados e recasados – os quais não se submeteram ao processo de anulação mas que se encontram casados no civil – recebam a Comunhão, eles devem explicar, de alguma forma, o caso como apenas uma mudança na prática pastoral, e não uma mudança na doutrina.
O quinto motivo pelo qual o Sínodo está fadado ao fracasso é a ausência de teólogos nele.
Um cardeal curial conservador se queixou da “teologia infantil” [schoolboy theology] que está sendo apresentada nos discursos episcopais. Há certa verdade nesta queixa. Há poucos indícios nestes discursos de que os bispos tenham consultado teólogos no intuito de compreender o pensamento contemporâneo sobre as Escrituras, o pensamento na área da ética ou da doutrina.
Melhor seria se os prelados passassem a primeira semana escutando os teólogos fazerem uma exegese das passagens bíblicas sobre o matrimônio, explicando o conceito de desenvolvimento da doutrina, recontando a história do tratamento da Igreja dado ao assunto e propondo soluções a questões polêmicas.
O motivo por que o Concílio Vaticano II foi bem-sucedido é que nele se forjou uma aliança entre os periti [peritos] teológicos e os padres conciliares, que foi capaz de derrotar a intransigência da Cúria Romana. De maneira trágica, esta aliança foi rompida após a encíclica Humanae Vitae, quando os teólogos foram lançados às trevas exteriores como dissidentes a quem os bispos deviam evitar a todo custo.
O resultado foi desastroso para a Igreja. É como se a equipe de gestão de uma grande empresa não gostasse de se comunicar com a sua divisão de pesquisa e desenvolvimento. Será que alguém investiria numa empresa assim?
Existe alguma esperança para este Sínodo? Sim. Francisco deu início a um processo; ele abriu as janelas que foram fechadas após o Vaticano II. Levar-se-á mais do que três semanas para se conduzir a Igreja adiante, porém o papa está agindo na direção certa.
Talvez o sínodo não está fadado ao fracasso, mas apenas que irá demorar mais para terminar.
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Cinco motivos por que o sínodo está fadado a fracassar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU