15 Outubro 2015
“O que foi feito durante o governo Lula demonstra que é possível alcançar a meta de desmatamento zero, porque o desmatamento foi combatido e isso não gerou nenhum impacto para a economia”, diz o assessor de Políticas Públicas do Greenpeace.
Foto: r7.com |
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, ele explica que o “ponto mais preocupante” da proposta brasileira diz respeito às metas para combater o desmatamento ilegal, a principal fonte das emissões brasileiras, responsável por 1/3 das emissões. Na avaliação dele, as metas demonstram uma preocupação com o desmatamento na Amazônia, nos próximos 15 anos, mas nada informam sobre o desmatamento em outros biomas, em que a prática aumenta. “O que a presidente Dilma prometeu é que o governo irá acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia. O que isso significa? Que o Estado brasileiro vai aceitar o desmatamento ilegal na Amazônia por mais 15 anos e, para o restante das áreas de florestas do país, não há uma data para acabar com o desmatamento ilegal”.
Apesar dessa dificuldade, em comparação com as metas de outros países do BRICs, como China e Rússia, as metas brasileiras são mais precisas. “O Brasil trouxe um número absoluto como meta, ou seja, chegar em 2030 reduzindo 1,3 bilhão de toneladas de gás carbônico; trata-se de um número claro e objetivo. Mas a China, por exemplo, trouxe um número relativo: reduzir a intensidade de carbono, ou seja, reduzir quanto carbono é emitido por dólar do PIB. Quer dizer, a redução será de acordo com a geração do PIB. Se o PIB duplicar, a quantidade de emissões aumentará. É uma medida relativa, porque a China tem a intenção de até 2030 chegar ao seu pico de emissões, ou seja, em 2030 os chineses vão chegar no pico de emissão e daquele ano em diante é que eles vão começar a diminuir as emissões. O Brasil chegou nesse pico de emissões em 2004”.
A Rússia, enfatiza, por outro lado, apresentou um texto ambíguo. “A Rússia trouxe uma das mais fracas contribuições para a COP-21, porque apresentou uma meta confusa, com um texto ambíguo e que tem um ponto que diz o seguinte: ‘As metas da Rússia poderão ser revistas a depender das metas dos outros países e a depender do resultado da Conferência de Paris’”.
Telles explica ainda que depois de duas décadas de tentativas para se chegar a um acordo único para reduzir as emissões de mudanças climáticas, a nova proposta da Conferência do Clima, que permite aos países apresentarem metas factíveis com seu atual estágio de desenvolvimento, tem como objetivo que as nações possam se comprometer com metas futuras de cinco em cinco anos. “Alguns países como o Brasil defendem metas para até cinco anos, as quais serão renovadas de cinco em cinco anos. Outros países defendem metas de dez anos, mas esse posicionamento é complicado, porque as metas são muito distantes. Se forem de até cinco anos, os governantes serão mais pressionados a cumprir as metas, porque é um período mais próximo do tempo de mandato dos governos, e em cinco anos se exige um plano mais detalhado e se consegue ampliar a ambição de novas metas mais rapidamente”, pontua.
Pedro Telles (foto) é coordenador da Campanha de Clima e Energia do Greenpeace e mestre em Estudos do Desenvolvimento, pelo Institute of Development Studies.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual sua avaliação das metas brasileiras anunciadas para a COP-21, segundo as quais o Brasil pretende reduzir as emissões de gases de efeito estufa em 37% até 2025 e 43% até 2030?
Pedro Telles – A visão do Greenpeace é a de que a meta poderia ser mais ambiciosa, porque em 2012 o Brasil já tinha reduzido as emissões em 41%, e a meta agora é reduzir as emissões em 43% até 2030. Mas ainda assim trata-se de uma proposta sólida em comparação com outros países que já apresentaram suas metas. Nesse sentido, as metas brasileiras ajudam a formulação de um acordo para o final do ano, porém é menos ambiciosa do que poderia ser.
Foto: Greenpeace
O ponto mais preocupante da proposta brasileira é em relação às florestas, porque o desmatamento ainda é a maior fonte de emissão de gases de efeito estufa no Brasil: responde por 1/3 das emissões brasileiras. O que a presidente Dilma prometeu é que o governo irá acabar com o desmatamento ilegal na Amazônia. O que isso significa? Que o Estado brasileiro vai aceitar o desmatamento ilegal na Amazônia por mais 15 anos e, para o restante das áreas de florestas do país, não há uma data para acabar com o desmatamento ilegal. Isso é inaceitável, porque o Estado está compactuando com o crime que ocorre na Amazônia e nos demais biomas brasileiros.
IHU On-Line – Durante os últimos anos o Brasil se projetou como um exemplo de país que estava combatendo e reduzindo o desmatamento. Mesmo assim, o desmatamento continua sendo a principal fonte de emissões de gás carbônico?
Pedro Telles – Sim, porque o Brasil reduziu aproximadamente 80% do desmatamento desde 2004; então houve de fato uma redução significativa do desmatamento, mas desde a metade do primeiro mandato do governo Dilma essa política cessou. Hoje na Amazônia são desmatados cerca de cinco mil quilômetros quadrados por ano. A diferença é que antes o desmatamento era muito maior, mas apesar de ele ter sido reduzido, o que é ótimo, ainda continua sendo a grande fonte de emissão de gás carbônico no Brasil. O que foi feito durante o governo Lula demonstra que é possível alcançar a meta de desmatamento zero, porque o desmatamento foi combatido e isso não gerou nenhum impacto para a economia, inclusive porque grandes empresas produtoras de soja se comprometem a não desmatar as florestas.
“Na Amazônia são desmatados cerca de cinco mil quilômetros quadrados por ano” |
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IHU On-Line – Que comparações você faz entre as metas brasileiras e a de outros países, como os EUA e especialmente os que compõem o BRICs?
Pedro Telles – O Brasil trouxe um número absoluto como meta, ou seja, chegar em 2030 reduzindo 1,3 bilhão de toneladas de gás carbônico; trata-se de um número claro e objetivo. Mas a China, por exemplo, trouxe um número relativo: reduzir a intensidade de carbono, ou seja, reduzir quanto carbono é emitido por dólar do PIB. Quer dizer, a redução será de acordo com a geração do PIB. Se o PIB duplicar, a quantidade de emissões aumentará. É uma medida relativa, porque a China tem a intenção de até 2030 chegar ao seu pico de emissões, ou seja, em 2030 os chineses vão chegar no pico de emissão e daquele ano em diante é que eles vão começar a diminuir as emissões. O Brasil chegou nesse pico de emissões em 2004.
Os EUA e a China, felizmente, estão assumindo uma postura muito positiva em termos de se chegar a um acordo. São dois países que sempre travaram as negociações, mas neste momento o presidente Obama está transformando a questão climática em um dos legados do seu governo, enquanto a China está percebendo, por um lado, os benefícios econômicos de investir em placas solares, por exemplo, porque essa será a economia do futuro e, por outro lado, por uma questão de saúde, visto que, por conta da poluição, a população chinesa está sofrendo com as mudanças climáticas. Então, nesse sentido, os dois países têm interesses de que se chegue a um acordo na COP-21. Nenhum dos dois trouxe metas ambiciosas, mas eles têm metas concretas o bastante para fazer o acordo sair no final do ano.
A Rússia trouxe uma das mais fracas contribuições para a COP-21, porque apresentou uma meta confusa, com um texto ambíguo e que tem um ponto que diz o seguinte: “As metas da Rússia poderão ser revistas a depender das metas dos outros países e a depender do resultado da Conferência de Paris”. Quer dizer, deixa a meta em aberto a depender do que irá acontecer na COP-21.
IHU On-Line – Quais as dificuldades de os países chegarem a um acordo, se eles apresentam metas diferentes e se o ano de pico de emissões deles varia?
Pedro Telles – Por muitos anos a ONU tentou chegar a um acordo a partir do qual todos os países pudessem negociar o que todos os outros iriam fazer, ou seja, a tentativa era chegar a um acordo único, que fosse cumprido por todos os países, mas isso implicou em 20 anos de tentativas e nenhum acordo sólido. A proposta para este ano é diferente: cada país põe na mesa as metas que acha que poderá cumprir e por isso as metas são diferentes entre eles. Não existe a expectativa de que chegaremos a um número em termos de meta de redução que será suficiente.
Imagina que você está num bar, com amigos, e vocês acordam que cada um colocará sobre a mesa o valor com o qual pode contribuir para pagar a conta. Certamente vai faltar dinheiro para pagar a conta daquela noite. É exatamente isso que está sendo feito na ONU: cada país está apresentando as metas que poderá cumprir, mas a proposta é de que o acordo que será formulado na COP-21 seja renovado a cada cinco anos e, com isso, a ambição dos países será ampliada. Então, isso garante que todos os países assinem o acordo e, com as constantes revisões, se chegue às metas que são necessárias para de fato enfrentar as mudanças climáticas.
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“Os EUA e a China, felizmente, estão assumindo uma postura muito positiva em termos de se chegar a um acordo” |
IHU On-Line - A partir das metas anunciadas, que transformações vislumbra para o setor de energia? A presidente falou em investir em energias renováveis, mas ressaltou a continuidade dos investimentos em energia elétrica. Como você avalia essa aposta do governo e o que o país tem feito em termos de investimentos em energias renováveis?
Pedro Telles – Há três pontos nessa questão da energia. O primeiro é a meta de ampliar a participação de energias renováveis na matriz energética como um todo, ou seja, inclusive no transporte, de 40 para 45% até 2030. O Greenpeace estima que é possível ampliar essa meta para 50%. Apesar disso, na prática, o governo, ao investir no Plano Decenal de Energia, que é um plano de 10 anos, está alocando 70% dos recursos para os combustíveis fósseis, gás, carvão, petróleo, ou seja, combustíveis que geram o aquecimento global. O segundo ponto é que se continuarem os investimentos que existem hoje em energias renováveis, é possível superar essa meta de 43% até 2030, ou seja, se for mantido o nível de investimento que se tem hoje, é possível alcançar uma meta de 45% tranquilamente. O caso é saber se o investimento será diminuído ou não.
O terceiro ponto é o das hidrelétricas, que vemos como problemáticas, porque elas têm um grave impacto socioambiental e são muito vulneráveis a mudanças nos ciclos das chuvas. Basta ver que há um ano o Brasil está numa iminente crise energética, porque choveu menos do que o previsto, e as hidrelétricas precisam de chuva para funcionar, e a falta de chuvas leva o governo a investir nas termoelétricas, que dependem de carvão para funcionar e são altamente emissoras de gás carbônico. Por que fazer esses investimentos se é possível investir mais em energia eólica e solar? O governo pode e deve colocar mais recursos nesse tipo de energia.
O governo tem condições de ir além do que está colocando na mesa e, quer queira ou não, isso traz um benefício para a população, e também é direção de futuro. As economias de outros países estão investindo nessa área e há uma tendência de retirar os investimentos de combustíveis fósseis para investir em renováveis. A Alemanha, por exemplo, tem metade da energia gerada pelas renováveis, e o pior lugar do Brasil para a geração de energia solar é melhor do que o melhor lugar da Alemanha. Então, o Brasil tem capacidade de ser uma potência em energia renovável, basta investir.
IHU On-Line - As metas brasileiras deixaram de contemplar algum ponto importante para resolver a questão das mudanças climáticas?
Pedro Telles – A proposta brasileira para a agricultura é mais frágil e menos detalhada. No Brasil, as três principais fontes de emissão de gás carbônico são o desmatamento, a energia e a agropecuária. As soluções para as áreas de energia e agropecuária são mais claras e detalhadas do que as propostas para a área de agricultura.
“Outra questão importante a ser definida é o apoio financeiro dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento” |
IHU On-Line - Que questões centrais, além do possível acordo, se espera que sejam resolvidas na COP-21?
Pedro Telles – Tem um ponto, para o qual o Brasil está contribuindo, que diz respeito a como as metas serão revistas depois da COP-21; esse é o ponto fundamental. Alguns países, como o Brasil, defendem metas para até cinco anos, as quais serão renovadas de cinco em cinco anos. Outros países defendem metas de dez anos, mas esse posicionamento é complicado, porque as metas são muito distantes. Se forem de até cinco anos, os governantes serão mais pressionados a cumprir as metas, porque é um período mais próximo do tempo de mandato dos governos, e em cinco anos se exige um plano mais detalhado e se consegue ampliar a ambição de novas metas mais rapidamente. Basta ver que ninguém imagina que as energias renováveis iriam crescer tanto como cresceram na última década, ou seja, elas cresceram num ritmo que superou as expectativas. Então, a realidade pode demonstrar que a cada cinco anos os países podem rever suas metas e ter metas mais ambiciosas.
A outra questão importante a ser definida é o apoio financeiro dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento. Existe uma percepção histórica de que os países desenvolvidos já emitiram muito mais gases de efeito estufa para alcançarem os níveis de desenvolvimento que alcançaram, já têm um percentual maior da população fora da pobreza e, por isso, podem apoiar os países em desenvolvimento com recursos financeiros e apoio tecnológico, para que eles possam continuar retirando pessoas da pobreza e possam reduzir o índice de emissões.
Existe um compromisso com um recurso de fluxo de 100 milhões de dólares por ano, oriundo dos países desenvolvidos para aqueles em desenvolvimento, mas o dinheiro não está chegando. Então, uma questão que será discutida na COP-21 é como garantir que esse dinheiro chegue a esses países. O Brasil tem um papel-chave nessa discussão, porque ele faz uma mediação entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento, a fim de cumprir esse objetivo.
Por Patricia Fachin
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COP-21 e a tentativa de definir metas de curto prazo. Entrevista especial com Pedro Telles - Instituto Humanitas Unisinos - IHU