A globalização do paradigma tecnocrático

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31 Agosto 2015

"O mundo está começando a redefinir as relações. Como nos relacionamos uns com os outros? O que a encíclica de Francisco nos apresenta vai além disso. O desafio que este documento coloca é: Como nos relacionamos com a criação?", questiona Phyllis Zagano, pesquisadora na Universidade de Hofstra, em Hempstead, Nova York em artigo publicado pela National Catholic Reporter, 26-08-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Entre os livros de Phyllis, destacamos “Mysticism and the Spiritual Quest: A Crosscultural Anthology” e “On Prayer: A Letter to My Godchild”.

Eis o artigo.

O título do presente ensaio foi tirado da Laudato Si’, carta encíclica do Papa Francisco. Esta encíclica, subintitulada “Sobre o Cuidado da Casa Comum”, está sendo amplamente reportada como um documento sobre as alterações climáticas. Porém ela é mais do que aparenta ser.

Uma resposta caricatural ao que Francisco nela escreveu poderia ser: o agronegócio é mal, as fazendas orgânicas são boas. Mas, antes começar a plantar milho em seu quintal, observe o que Francisco escreveu além da problemática ambiental.

Vejamos: contra esse pano de fundo ambiental, há cerca de 3,5 bilhões de usuários de internet no planeta, e quase dois bilhões de usuários de smartphones. Para levarmos em conta os 7,3 bilhões que compõem a população mundial, consideremos o fato de que cerca de 6,8 bilhões de pessoas possuem uma conta de telefone celular. A ONU relata que, mesmo nos países mais pobres, quase 9 em cada 10 habitantes estão, como eles dizem, conectados.

Enquanto bilhões estão online em algum nível, centenas de milhares não estão. Os usuários de internet encontram-se, principalmente, nos 20 países mais ricos.

O número de usuários de smart fones e, consequentemente, o número de pessoas conectadas à internet através deles parecem altos, mas lembremos os vídeos de adolescentes em Nínive mandando mensagens de texto e tirando fotos de tesouros históricos destruídos pelo Estado Islâmico. Lembremos da onipresença dos dispositivos celulares no trabalho, no shopping e na última reunião a que você foi. Lembre-se de que todas as tragédias, grandes ou nem tanto, acabam aparecendo no Facebook ou, mesmo, no noticiário nacional, graças a um vídeo registrado por um smart fone.

Todos queremos estar conectados.

Para quê?

Há, naturalmente, a necessidade de as pessoas saberem coisas como: Quem ganhou no jogo de futebol? Será que podemos baixar aquele filme? Qual a previsão do tempo?

Existem as necessidades do mundo dos negócios também, onde palavras e imagens se movimentam através dos continentes em busca de lucros.

Mas há algo mais junto com esta confusão eletrônica que serpenteia densamente o nosso redor: começamos a repensar o real. Com efeito, o real torna-se eletrônico. O que vemos e ouvimos é o que é real; o que não vemos e ouvimos não existe.

De alguma forma, um vídeo é mais “real” do que o nosso vizinho do lado, e capta a nossa atenção para o declínio daquele – ou de qualquer outro – relacionamento pessoal. É como se os humanos de carne e osso devessem ser capturados em um cartão SIM antes de que as suas existências pessoais fossem verificadas.

Para empregar os termos usuais em filosofia: é uma rota de colisão entre a epistemologia e a metafísica. O problema é que o que “sabemos” por meios eletrônicos não pode ser “real”, enquanto o realmente real está escondido por trás de uma nuvem eletrônica.

E há uma abundância de grandes empresas extremamente dispostas a ajudar na criação desta nuvem. Duas dessas que me vêm à mente (a Amazon e o Google) causam tsunamis eletrônicos diariamente. O objetivo: mais, melhores, mais rápidos e maiores (ou menores) ferramentas (ou resultados) tecnológicos.

O que quero dizer é: o mundo está começando a redefinir as relações. Como nos relacionamos uns com os outros? O que a encíclica de Francisco nos apresenta vai além disso. O desafio que este documento coloca é: Como nos relacionamos com a criação?

A quantificação, a manipulação e a inovação tecnológicas distanciam-se, cada vez mais, da realidade. A ciência faz as coisas apenas porque pode, e não porque o mundo precisa de sua quantificação, manipulação ou inovação.

E quando tentamos falar sobre isso, nos enrolamos na linguagem empregada. O que é um paradigma tecnocrático? Simples: a abordagem tecnocrática enxerga a pessoa humana como uma máquina formada por mente e corpo. Francisco diz que abordagens unicamente tecnológicas aos problemas inevitavelmente desapontam o espírito humano. Ele está, evidentemente, correto.

Na seção sobre o “paradigma tecnocrático” da Laudato Si’, de Francisco escreve que a lógica e a ciência tentam controlar a natureza e fazer valer o poder sobre ela, supondo uma disponibilidade infinita de bens e matérias e, não por acaso, pessoas. Isso tem dado sustentação a uma ética econômica insalubre. Ele argumenta: “Deveria ser um olhar diferente, um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência ao avanço do paradigma tecnocrático”.

Sem dúvida, o seu xará São Francisco concordaria. Na verdade, o pobre homem de Assis poderia ter sido o autor da frase seguinte do papa: podemos imaginar o santo juntando-se ao papa para dizer que, sem resistência ao paradigma tecnocrático, “até as melhores iniciativas ecologistas podem acabar bloqueadas na mesma lógica globalizada”. Ou, melhor, São Francisco simplesmente diria: as máquinas não são realmente reais. Deus é. A criação de Deus é.

O problema é como pregar essa mensagem sem sermos apanhados pela tecnologia que cria a necessidade para ela.

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