03 Agosto 2015
"Esse é o mistério do Papa Francisco que o mundo, agora, aparentemente, incluindo alguns da direita, não conseguem entender. Como um jesuíta em votos solenes, ele verdadeiramente nada possui: não é dono de nada. Como papa, ele está tentando encorajar a nós, os demais, a entender que também nada “possuímos”. Francisco está ensinando que a nossa aflição vem da necessidade de controlar: propriedade, dinheiro e, até mesmo, o tempo. É claro que temos de cuidar e sermos responsáveis pelo que “temos”: nossas casas, nossos empregos, nossas economias. Mas não devemos nos curvar tanto para com as nossas posses. Não podemos controlar as coisas mais do que podemos controlar o tempo", escreve Phyllis Zagano, pesquisadora na Universidade de Hofstra, em Hempstead, Nova York, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 29-07-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Eis o artigo.
Parece que o fã-clube do Papa Francisco está perdendo adesão. Pelo menos é o que o pessoal da Gallup está dizendo.
Sabíamos que a popularidade do pontífice não iria durar muito tempo: esse negócio todo de “cuidar dos pobres” acabaria enchendo o saco das pessoas. Claro, a maioria das pessoas que ouvem o que o Papa Francisco vem dizendo são pessoas ricas.
Os pobres não estão ligados: eles não têm smartfones nem computadores. Eles não têm televisores ou rádios. Os pobres não têm acesso a livros ou jornais.
Ah, já sei: você vai dizer que há pobres onde eu moro e eles têm telefones celulares, computadores, tevês, rádio, livros e jornais.
Errado. Os pobres mesmo não vivem em bairros. Eles não estão nestes ambientes: os pobres mesmo vivem em barracos, em cabanas, até mesmo em cavernas. Eles moram em casebres, em locais improvisados dentro de prédios abandonados. Se conseguem encontrar, eles vasculham montanhas de lixo em busca de produtos tais como roupas, móveis e, às vezes, comida. Eles caçam, pescam ou produzem o seu sustento. Eles se viram com aquilo que podem encontrar ao seu redor. No interior, eles possuem madeira, pedras e barro. Na cidade, contam com os restos dos ricos (ou, pelo menos, dos mais ricos), com os descartes de plástico e resina que a modernidade usa para substituir a madeira e a pedra.
Portanto, quando Francisco fala sobre os pobres, a maioria das pessoas que o ouvem não faz nenhuma ideia do que ele está dizendo. A maioria das pessoas que o escutam é, relativamente falando, feita de pessoas ricas.
Eis os números: metade da população mundial vive com menos de 2,50 dólares por dia. Isso significa 3 bilhões de pessoas. Agora, talvez nas áreas mais pobres do mundo – as favelas do Brasil, as aldeias da selva da África, as cidades costeiras da Índia, os assentamentos à beira-mar da Malásia e das Filipinas – seja possível viver com este montante. Mas pense no se pode permitir fazer com 2,50 dólares diários e o quanto de coisas esta quantia elimina.
As pessoas daqueles que se chamam países desenvolvidos têm acesso a todo o tipo de coisas que os verdadeiramente pobres nunca sonharam ter. Há lojas de departamento, supermercados e delicatéssen. Há aviões, trens, ônibus e carros. Há hospitais, clínicas e farmácias. Há universidades, escolas de ensino médio e programas de educação continuada. Há água potável, ar limpo…
A maioria dos que estão lendo este artigo, inclusive eu, mal consegue imaginar a vida sem essas coisas. De vez em quando, uma ou outra dessas facilidades está fora de alcance. Na maioria das vezes, todas estão ao nosso dispor.
Então, o que acontece com os pobres? Eles devem ser miseráveis, mas as pessoas que nada possuem, que nada têm e cujas vidas de fato dependem da ajuda mútua entre seus pares, frequentemente parecem felizes mesmo em sua miséria.
Por quê?
Acho que Francisco tem a resposta. Afinal, ele é um padre jesuíta. Os jesuítas fazen, no mínimo, duas vezes por inteiro os Exercícios [Espirituais] de Santo Inácio de Loyola: primeiro ao entrar no noviciado, e depois durante o que se chama de “terceira provação”, no momento em que se aproximam da meia-idade.
O objetivo dos Exercícios é libertar o indivíduo para que viva inteiramente sob os cuidados de Deus. Isso não significa viver alheio aos benefícios da sociedade moderna. Significa viver com a compreensão de que tudo é um presente, um dom e que devemos usar, com gratidão, o que temos para o nosso próprio bem e para o bem dos demais.
Esse é o mistério do Papa Francisco que o mundo, agora, aparentemente, incluindo alguns da direita, não conseguem entender. Como um jesuíta em votos solenes, ele verdadeiramente nada possui: não é dono de nada. Como papa, ele está tentando encorajar a nós, os demais, a entender que também nada “possuímos”.
Francisco está ensinando que a nossa aflição vem da necessidade de controlar: propriedade, dinheiro e, até mesmo, o tempo. É claro que temos de cuidar e sermos responsáveis pelo que “temos”: nossas casas, nossos empregos, nossas economias. Mas não devemos nos curvar tanto para com as nossas posses. Não podemos controlar as coisas mais do que podemos controlar o tempo.
Então, agora, Francisco está dizendo tanto para os indivíduos quanto para os países: “Se liguem, vocês não precisam de tantas coisas assim. Não precisam de tudo o que possuem. Vocês podem partilhar as coisas, vocês devem partilhá-las, pois, na verdade, não podem e não conseguem ‘possuir’ coisa alguma”.
Será que estas pessoas, que agora estão se afastando porque temem a condenação do capitalismo feita pelo Papa Francisco, conseguirão reconhecer que ele, como os papas que o antecederam, critica os excessos e os males do capitalismo, e não o próprio sistema? Será que estas pessoas, que agora estão se afastando porque estão, como um comentarista conservador disse, cansadas de ser “repreendidas”, reconhecerão que Francisco, como Santo Inácio antes dele, tem ressaltado que tudo é um dom, um presente?
Ninguém está dizendo que é fácil viver assim. Não é. Mas também não é tão difícil.
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O papa e a pobreza - Instituto Humanitas Unisinos - IHU