16 Julho 2015
As coletivas de imprensa do Papa Francisco a bordo de seu avião – com temas livres, espontaneidade – têm rendido poucas e boas notícias. Quem irá esquecer do “Quem sou eu para julgar?” Ou da vez que ele, o papa, disse: “Se um grande amigo fala mal da minha mãe, ele pode esperar um soco”? Os jornalistas sabem que fazer a pergunta certa ao pontífice pode provocar uma resposta digna de manchete. Nenhuma surpresa, então, que no voo de volta a Roma depois de sua visita à América do Sul, onde ele repreendeu a globalização, um punhado de jornalistas empreendedores quisessem falar de economia.
O comentário é de Grant Gallicho, jornalista, em artigo publicado por Commonweal, 14-07-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Observando a frequência com que Francisco têm falado dos pobres nos últimos dias, um jornalista alemão quis saber por que o papa não disse mais sobre “a classe média, ou seja, as pessoas que trabalham, que pagam impostos, pessoas normais, como os gregos”. Ok, ele não chegou a mencionar os gregos. O jornalista quis, no entanto, saber qual a mensagem do papa para os pagadores de impostos responsáveis.
Em vez de perguntar ao profissional de imprensa se ele percebeu que a Bolívia – onde fez um duro discurso repreendendo os apoiadores da globalização – é o país mais pobre da América do Sul, que 60% dos seus 8 milhões de habitantes vivem abaixo da linha da pobreza, um quarto deles em extrema pobreza, Francisco respondeu graciosamente: “Muito obrigado, essa é uma correção boa. Você está certo, isso é um erro da minha parte e eu tenho que pensar sobre o assunto...” [Em sua tradução desta fala] o sítio National Catholic Reporter fez soar como se Francisco nunca tivesse pensado a respeito do assunto: “Você está certo, eu vou ter que pensar algo a este respeito”. Mas Francisco não chegou a dizer tais palavras, e não tinha ainda terminado de responder à pergunta.
O mundo está polarizado. A classe média torna-se mais pequena. A polarização entre os ricos e os pobres é grande, isso é verdade, e talvez este fato me tenha levado a não ter a [classe média] na devida conta. Eu falo sobre o mundo, em alguns países esta questão está resolvida, mas ao redor do mundo tal polarização é visível e o número de pobres é grande. Então por que eu falo dos pobres? Porque eles estão no coração do Evangelho.
Seguindo com as questões feitas durante a viagem de volta a Roma, o profissional da CBS News perguntou a Francisco se ele percebia que todo este seu discurso sobre o hábito lamentável do consumismo estava fazendo os americanos se sentirem mal sobre si mesmos: “Uma das mensagens mais fortes dessa viagem foi que o sistema econômico global muitas vezes impõe a mentalidade do lucro a todo o custo, em detrimento dos pobres. Isso é percebido pelos americanos como uma crítica direta do seu sistema [o capitalismo] e do seu modo de vida. Como o senhor responde a essa percepção?”
Conforme eu disse na Evangelii Gaudium: “Essa economia mata” (…) E conforme eu disse na Laudato Si’, esta crítica não é novidade. Ouvi que algumas críticas me foram feitas nos Estados Unidos. Eu ouvi isso. Ouvi, mas não as li e não tive tempo para estudá-las bem, porque cada crítica deve ser recebida e estudada, para, depois, então se travar o diálogo.
E até que tenha a oportunidade de se envolver com as pessoas que emitem estas críticas, explicou o papa, ele “não tem o direito” de respondê-las. “Tenho que começar a estudar estas críticas e, então, falar um pouco”. O que ele poderá encontrar caso se lançar, realmente, nesse estudo? Abaixo vão algumas possibilidades:
• O humorista Dennis Prager: “Não pode haver um presente mais apropriado para representar o sistema de valores do papa do que Cristo crucificado sobre um martelo e uma foice”.
• O crítico Rush Limbaugh: “Essa encíclica sobre o aquecimento global – um grande ‘discurso retórico – não deixa dúvidas de quais são as inclinações políticas do pontífice”. Ou seja, ele é um marxista.
Talvez os assessores de Francisco irão lhe mostrar o que o notável teólogo Thomas D. Williams escreveu: “Francisco disse muitas outras coisas sobre a economia [na América do Sul], mas nas alocuções citadas [na imprensa] o papa sequer chegou a dizer a palavra ‘capitalismo’, muito menos o ‘capitalismo mundial desenfreado’”. Obviamente, o papa está pensando em algum outro sistema econômico globalizado – dado como o capitalismo vai indo às mil maravilhas aqui [nos Estados Unidos].
Ou talvez Francisco vá se deparar com a crítica de George Weigel: “Não acredito, nem por um minuto, que o Papa Francisco tenha ficado feliz quando o presidente Evo Morales, da Bolívia, um dos piores dos novos autoritários, lhe presenteou com um sacrílego crucifico em forma de martelo e foice na troca de cumprimentos e presentes logo depois que o pontífice havia chegado a La Paz”. Na verdade, o papa aceitou o presente, que era uma réplica de um modelo trabalhado pelo sacerdote jesuíta assassinado Luis Espinal. Francisco chamou o presente de “arte de protesto”, dizendo que não o achou ofensivo.
O fato de Francisco ter aceito “o tal presente” deixou, realmente, Weigel incomodado.
Posso muito bem imaginar o que o irascível Papa Pio XI teria feito, caso Joachim von Ribbentrop, ministro das Relações Exteriores do Terceiro Reich, tivesse lhe presenteado com um crucifico em forma de suástica; Herr von Ribbentrop provavelmente teria um pedaço do objeto enfiado em seu crânio com a assinatura pontifícia esculpida nele.
Isso porque aquela era uma época em que os papas eram homens. Não faz muito tempo, lembra-nos Weigel, que o Papa João Paulo II teve uma conversa dura com Pinochet. João Paulo II “confrontou” Pinochet “a portas fechadas” no final da década de 1980, explica (ou imagina) Weigel. Dois anos mais tarde, o general permitir-se-ia participar de uma eleição que o tirou do poder.
Obviamente, João Paulo deu duro, criticou severamente e, voilà, mais um ditador vencido. Vivíamos numa época em que os papas eram, de fato, homens. Nada a ver com este franciscanismo piegas.
Podemos mesmo dizer que João Paulo estava falando sério quando lidou com Pinochet, pois uma década mais tarde, quando o secretário de Estado do Vaticano, Angelo Sodano, tentava salvar o general de ser extraditado, ele teve a autorização para manter o seu emprego, posto que, mais tarde também, viria permiti-lo intervir em nome de um outro de seus admirados amigos: Marciel Maciel.
Então, sim, talvez Papa Francisco deva dar uma olhada no que os seus críticos americanos estão dizendo. Mas estudá-los aprofundadamente? Eu não perderia noites inteiras inteira analisando tais críticas. Ele, o papa, pode acabar com um pedaço de crucifixo acertando-lhe a cabeça... de tanto batê-lo contra a sua própria escrivaninha.
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Capitalistas ao Papa Francisco: E quanto a nós? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU