Por: André | 13 Julho 2015
Como um boxeador antes de entrar no Caesar Palace, Francisco apareceu entre flashes, gritos e aplausos, rodeado por sua equipe de segurança. Como em um concerto de rock: o encontro com os representantes da sociedade civil paraguaia foi um novo banho de massas para o Pontífice. Junto com o discurso aos movimentos populares na Bolívia, as palavras à sociedade civil do Paraguai marcarão época. Pelo que disse, e por como o disse, sem medo de denunciar a corrupção e os sequestros na presença do governo, ou as “ideologias, que sempre acabam em ditaduras. Pensam pelo povo e não o deixam pensar. As ideologias não assumem o povo”.
A reportagem é de Jesús Bastante e publicada por Religión Digital, 12-07-2015. A tradução é de André Langer.
“Francisco, querido, o povo está contigo”, cantaram os milhares de presentes, que brindaram ao Papa um concerto e uma espécie de musical sobre a vida de São Francisco e seu Laudato si’, que emocionaram um Bergoglio já cansado, mas convencido de que está na reta final de uma viagem histórica. Ao final do musical, Francisco abraçou o “Francisco” e abençoou todo o elenco.
Cinco pessoas fizeram breves perguntas a Bergoglio. Na realidade, foram seis, porque uma mulher defendeu diante do Papa, com efusividade e paixão, os direitos dos povos indígenas e o sequestro por parte do Exército de alguns opositores, diante do estupor do presidente, Horacio Cartes. Até esse momento, e salvo algum protesto, a parte paraguaia da sua visita estava sendo muito mais plácida do que a passagem pelo Equador e a Bolívia. Não foi uma coisa a mais, mas a sociedade civil do país demonstrou que está preparada, e sabe ser crítica, inclusive com um governo que está levando estabilidade à democracia do país latino-americano.
O Papa foi anotando em um papel palavras, reflexões... Nem todas as perguntas eram as perguntas previamente selecionadas, e Francisco teve que improvisar, quis improvisar, e denunciar “as ideologias, que sempre acabam em ditaduras” e “a corrupção, que é a traça, é a gangrena de um povo”. Convidou os paraguaios para “não negociar sua identidade. E qual é a identidade de um país: o amor à Pátria. Primeiro a Pátria, depois meu negócio”.
“Estou contente por estar com vocês, para compartilhar esses sonhos e esperanças, e também problemas”, começou o Papa, que destacou que “graças a Deus o Paraguai não está morto”, pois “um povo que vive na inércia da aceitação passiva, é um povo morto. Vejo em vocês a seiva de uma vida que corre e quer germinar, e isso Deus sempre o bendiz. Deus sempre é a favor de tudo o que ajuda a melhorar a vida dos seus filhos”.
“Todos são necessários na busca do bem comum”, acrescentou Francisco, que passou a responder a algumas das perguntas. As primeiras, dirigidas ao papel da juventude e sua busca da felicidade, que “exige compromisso e entrega”, que “são muito valiosos e não são feitos para andar pela vida como anestesiados”.
Assim, convidou os jovens para “se arriscarem por algo, para se arriscarem por alguém”. “Não tenham medo de se entregar inteiramente ao jogo. Joguem limpo, joguem com tudo, não tenham medo de entregar o melhor de si, não busquem um resultado prévio para evitar o cansaço, a luta.” “Não coinmeen al referee”, “não subornem o árbitro”.
No tocante ao diálogo, Francisco reconheceu que “não é fácil” e que “deve ser feito sobre a mesa, claro. Se a pessoa não diz o que pensa, o diálogo não serve, é uma presilha”. Para isso, “é preciso superar muitas dificuldades”, recordou o Papa, falando de suas experiências com representantes de outras confissões religiosas. “Há budistas, ortodoxos, católicos... mas com sua identidade. A pessoa não negocia sua identidade. E qual é a identidade de um país: o amor à Pátria. Primeiro a Pátria, depois meu negócio. Essa é a identidade. Diálogo sem identidade é diálogo sem serventia”.
“A diversidade não é apenas boa; é necessária. A uniformidade nos anula, nos torna autômatas. A riqueza da vida está na diversidade”. Um diálogo que procure abrir-se a “novas alternativas”, indo na direção da “cultura do encontro”.
“O diálogo nem sempre é um balé perfeito”, acrescentou o Papa. “No diálogo se dá o conflito. E é lógico e esperável. Não temos que temer o conflito, somos convidados a assumir o conflito. Isto significa aceitar sofrer o conflito, resolvê-lo e transformá-lo em um elo de um novo processo. A unidade é superior ao conflito. Uma unidade que vive as diferenças em comunhão por meio da solidariedade e da compreensão”.
Tudo isso, com o “reconhecimento da dignidade do outro”, pois “não há pessoas de primeira categoria, de segunda, de terceira e de quarta categoria. Todos têm a mesma dignidade”. Também os pobres: “devemos acolher o clamor dos pobres por uma sociedade mais inclusiva”.
Recordando a parábola do filho pródigo, Bergoglio assinalou como “o egoísta se exclui. Não devemos excluir ninguém, mas também não autoexcluir-se, porque todos necessitam de todos”. Ao mesmo tempo, pediu para evitar “um olhar ideológico que acaba utilizando os pobres a serviço de outros interesses políticos e pessoais”. Isso porque “as ideologias acabam mal, não prestam. As ideologias têm uma relação incompleta ou doentia com o povo. As ideologias não assumem o povo”.
“Olhemos para o século passado: em que acabaram as ideologias? Sempre em ditaduras. Pensam no povo, não deixam o povo pensar. Tudo pelo povo, mas nada com o povo; estas são as ideologias”, denunciou Francisco, que pediu para “estar dispostos a aprender dos pobres. Os pobres têm muito a nos ensinar em humanidade, bondade, sacrifício e solidariedade. Os cristãos, além disso, têm um motivo maior: neles vemos o rosto e a carne de Cristo, que se fez pobre para nos enriquecer com sua pobreza. Os pobres são a carne de Cristo”.
“Quando alguém dá esmola, toca a mão de quem dá a esmola, ou a tira e se joga para trás? São atitudes. Olha-o nos olhos ou olha para o lado? Isso é desprezar o pobre. Ele é alguém como eu, e se está passando por um momento ruim... por milhares de razões eu poderia estar no lugar dele e poderia estar desejando que alguém me ajudasse. E se estou nesse lugar, tenho o direito de ser respeitado. Respeitar o pobre, não usá-lo como objeto para lavar as nossas culpas”, disse o Papa, que voltou a denunciar “a ditadura da economia sem rosto”, que “sacrifica vidas humanas no altar do dinheiro e da rentabilidade”.
Improvisando absolutamente – e provavelmente a ponto de ocasionar algum atrito diplomático – Francisco quis referir-se “fraternalmente, porque há políticos presentes”, a um pedido que lhe foi feito ao entrar na sala. “Disseram-me que uma pessoa foi sequestrada pelo Exército. Eu não digo que é verdade, que não é verdade, se é justo ou não. Mas um dos métodos que as ideologias ditatoriais no século passado tinham era afastar as pessoas, ou com o exílio ou com a prisão ou no caso dos campos de extermínio nazistas ou stanilistas, com a morte”.
Finalmente, uma denúncia clara e rotunda, da chantagem e da corrupção. “A chantagem sempre é corrupção. A corrupção é a gangrena de um povo. Nenhum político pode cumprir seu papel se está chantageando com atitudes de corrupção. Isso que se dá em todos os povos do mundo. Se um povo quiser manter sua dignidade tem que desterrar a corrupção”.
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“As ideologias sempre acabaram em ditaduras. Pensam pelo povo e não deixam o povo pensar”, diz o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU