22 Junho 2015
A tão esperada encíclica do papa Francisco sobre meio ambiente alerta para a forma como as atividades humanas estão ameaçando o planeta em escopo muito mais amplo que as mudanças climáticas, mas é nessa seara que talvez a mensagem possa ter um impacto mais imediato.Essa é a expectativa de pesquisadores que trabalham com a ciência do clima e com a opinião pública americana e que há anos têm enfrentado resistência para passar sua mensagem.
A reportegm é de Giovana Girardi, publicada pelo jornal Estadão, 18-06-2015.
Nuvem de palavras feita a partir da versão da encíclica em português / Arte: Estadão
Ao falar sobre “nossa casa comum”, Francisco ”não simplesmente lista uma série de problemas ambientais, mas mostra como todos são dimensões de uma crise conectada que é tanto ambiental quanto social”, comenta Todd Gitlin, professor de Jornalismo e Sociologia na Universidade Columbia, que tem se debruçado sobre a comunicação das mudanças climáticas. Para ele, essa visão talvez tenha o poder de modificar o complicado debate sobre o tema.
O papa o primeiro a frisar que as populações pobres de países em desenvolvimento devem ser as que vão mais sofrer com um planeta com o clima alterado. Também não é sua prerrogativa alertar para o impacto à biodiversidade nem aos males do consumismo excessivo. Cientistas e ambientalistas têm falado isso há décadas, e Francisco, na verdade, se consultou com eles antes de escrever a encíclica e incorporou o consenso científico em sua mensagem, mas a expectativa dos próprios pesquisadores é que só agora, na voz do papa, as pessoas possam fazer a conexão entre planeta e humanidade.
Moral
Uma pesquisa de opinião pública com recorte entre pessoas que se dizem cristãs nos Estados Unidos divulgada em abril mostrou que mesmo entre aqueles que afirmam acreditar que o aquecimento global está acontecendo (católicos foram o grupo mais representativo – 69%), os entrevistados disseram entender que se trata de um problema ambiental ou científico – não moral. “A mensagem de Francisco tem o potencial de introduzir essa dimensão totalmente nova – para o público americano – do problema”, afirma Anthony Leiserowitz, diretor do Projeto de Yale em Comunicação sobre Mudanças Climáticas – grupo que fez a pesquisa.
É o que pensa também a pesquisadora de Química Atmosférica Susan Solomon, do MIT, uma das descobridores do efeito do CFC na camada de ozônio. “O papa escolheu fazer uma declaração forte e clara sobre as questões éticas e morais em torno das mudanças climáticas, frisando em particular ‘o clamor da Terra e o clamor dos pobres’, assim como o mundo que nós vamos passar para as futuras gerações”, diz. “O papa está chamando as pessoas para dialogar sobre os aspectos éticos e morais das mudanças climáticas e dos outros danos ambientais. E quando o papa diz: ‘vamos conversar sobre questões morais’, quem vai dizer ‘não, obrigado’? Acho que (a partir da encíclica), muitas pessoas vão trabalhar para encontrar maneiras de levar esse diálogo a um novo nível e creio que isso pode ser um grande passo”, complementa.
Republicanos
A expectativa é que a influência se dê não só no nível do cidadão comum, mas dos políticos também, em especial dos republicanos, que têm consistentemente adotado um discurso de negação da necessidade de tomar medidas urgentes contra o problema. Muitos deles, como os pré-candidatos Marco Rubio e Jeb Bush são católicos.
“Nos últimos anos, todas as vezes que o assunto das mudanças climáticas veio à tona, os republicanos têm adotado o discurso do “não sou cientista, não posso falar sobre o assunto”. Bom, o papa também não é (na verdade ele tem uma formação em técnico em química, mas certamente não é um cientista climático), mas agora eles vão dizer que não são o papa? Essa é uma resposta adequada? Acho que vai ficar mais difícil para eles”, afirma Gitlin.
As primeiras reações, porém, não foram muito boas. De acordo com o New York Times, na terça-feira, ainda diante do texto da encíclica que tinha vazado na segunda, Bush manteve sua posição. “Espero não ser castigado por meu padre de volta a minha cidade por dizer isso, mas minha política econômica não vem do meu bispo, do meu cardeal ou do meu papa. E acho que a religião deveria ser mais sobre como nos tornar pessoas melhores e menos sobre as coisas que acabam ficando no campo político.”
O constrangimento, no entanto, tende a ficar maior quando o papa estiver cara-a-cara com os políticos quando visitar os EUA no final do ano. Para Ron Prinn, co-diretor do Programa sobre Ciência e Política das Mudanças Globais do MIT, a posição de Francisco “tem o potencial de fazer algo seriamente bom ao desequilibrar a balança”, em referência ao fato de que entre os republicanos, apesar de o partido como um todo se apresentar contrário às ações contra as mudanças climáticas, há muitos moderados.
Para o pesquisador, mais do que converter quem tem uma visão muito rígida, a mensagem papal pode “influenciar aqueles que estão em cima do muro, só esperando uma declaração que os empurre para fora.”
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Carta do papa tem potencial de influenciar debate sobre clima - Instituto Humanitas Unisinos - IHU