18 Junho 2015
"Mas você sabe que eu gosto de 'lío' (bagunça). O esboço publicado na mídia não é diferente do original, apenas algumas coisas diferentes. Estou muito contente com o trabalho feito sobre a encíclica." Foi assim que, nessa terça-feira, Francisco se expressou a um dos seus fidelíssimos, comentando a publicação antecipada da Laudato si', o primeiro documento inteiramente assinado por ele.
A reportagem é de Marco Ansaldo, publicada no jornal La Repubblica, 17-06-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O papa já está focado no lançamento da sua encíclica "verde". Em poucos dias, começarão entrevistas, encontros, conferências sobre a sua obra. Francisco não vai fugir de falar sobre isso na viagem em julho ao Equador, Bolívia e Paraguai.
E o "tour vaticano" sobre a encíclica papal será longo, ao menos de três meses, terminando em setembro nos Estados Unidos, quando o papa vai abordar os temas da Laudato si' também na ONU, em Nova York, hospedado por um dos promotores mais reconhecidos da sua encíclica, o secretário-geral da ONU, Ban Ki Moon.
São muito claros os pontos do pontífice sobre as causas da poluição no mundo: aquecimento global, decrescimento, escassez de recursos (água, fontes energéticas). A acusação de Bergoglio vai principalmente aos "combustíveis fósseis": petróleo, carvão e gás, fontes de energias não sustentáveis e poluentes, que acabam sendo usadas contra os últimos, os "pobres", como ele diz no texto.
Francisco fala por nada menos do que seis vezes dos "excluídos". Uma vez, até mesmo de "trabalhadores reduzidos a condições de escravidão".
O papa sabe que as reações do Partido Republicano nos EUA, com candidatos presidenciais como o herdeiro da família de petroleiros texanos Jeb Bush, e o mais suave Marco Rubio, de origem cubana, não serão entusiastas.
Outro peso-pesado dos conservadores, Rick Santorum, convidou Francisco a "deixar os temas das mudanças climáticas para os cientistas". Mas o papa vai apontar para a relação entre religião e ciência, deixando de fora a política.
A felicidade de Bergoglio pelo trabalho concluído e pela divulgação das sua obra não significa que, no Vaticano, não haja repercussões pela difusão-surpresa da encíclica, publicada na segunda-feira à tarde no site da revista L'Espresso e retomada na manhã seguinte nas primeiras páginas dos jornais italianos e estrangeiros.
Irritação da Sala de Imprensa vaticana pela violação do embargo, decretado até o dia 18 de junho. E uma contramedida muito dura: foi suspenso o credenciamento, "por tempo indeterminado", do jornalista que apresentou online o esboço.
O Vaticano também teria identificado o escritório responsável pelo vazamento do documento, uma cópia descartada pela Tipografia Vaticana, agora mantida sob a mira. Uma operação não de um alto prelado, mas de um empregado.
Francisco, enquanto isso, fez com que o texto final chegasse a todos os bispos, de modo que as várias Conferências Episcopais possam lê-lo dois dias antes da divulgação oficial: ele acompanhou o envio com duas linhas do seu próprio punho, falando da "comunhão" que o liga aos bispos e motivando, assim, a decisão de enviá-lo a todos eles.
A irritação vaticana se deveu, principalmente, à consideração de que a publicação antecipada possa atenuar a força da encíclica. Segundo algumas interpretações que circularam na web, o furo poderia ter sido favorecido por ambientes conservadores, contrários à ação do pontífice.
É conhecida a oposição a Bergoglio por parte de alguns cardeais estadunidenses, hoje não alinhados com a direção reformista impressa pelo papa à Cúria.
Outros detalhes: Francisco trabalhou longamente sobre o seu próprio esboço, escrevendo-o em espanhol, depois de ter lido e refletido sobre as sugestões que lhe foram feitas por alguns inspiradores escolhidos, entre filósofos, economistas, teólogos.
Como Jeffrey Sachs, especialista em economia social e mudanças climáticas. Outro, muitas vezes citado na carta, é o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I. E, em certa medida, também o pensador brasileiro Leonardo Boff, um dos mais importantes expoentes da chamada Teologia da Libertação na América Latina.
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O desafio do ''papa verde'' aos petroleiros - Instituto Humanitas Unisinos - IHU