Por: André | 19 Mai 2015
“A Assembleia Sinodal de outubro próximo não será fácil para o papa. De fato, os opositores apostam em um clima cismático em Roma, algo que no coração de um papa constitui um sério limite e um ato de forte coação, enquanto o bispo de Roma, junto com presidir a caridade, é o sinal da unidade da Igreja”, escreve Marco Antonio Velásquez Uribe, em artigo publicado por Reflexión y Liberación, 16-05-2015. A tradução é de André Langer.
Eis o artigo.
Depois da Assembleia Extraordinária do Sínodo dos Bispos, realizada em outubro de 2014, parece que as hostilidades contra o papa se acalmaram, por conta do seu espírito reformista. De fato, o próprio Francisco deu sinais de tranquilidade, reafirmando o magistério tradicional da Igreja, concedendo maior confiança a algum dos cardeais dissidentes, como Carlo Caffarra, e tomando distância pública de líderes reformistas, como o cardeal Walter Kasper.
No entanto, tal silêncio é mais aparente que real, porque os opositores optaram por trabalhar mais silenciosa que buliçosamente, deixando para trás um estilo que serviu para alertar a Igreja universal e conseguir adesão. Paralelamente, o Papa não cessa de denunciar a corrupção do clero, enquanto o C9 o assiste no desafio de seguir ordenando as finanças vaticanas e simplificar a cúria.
Em uma instituição onde predomina o status quo, são previsíveis as tensões que originam as mudanças. Este ambiente contrasta com a sólida adesão e apoio granjeado pela pessoa do Papa Francisco, que expõe sua liderança para sensibilizar os países para o objetivo de globalizar a solidariedade, a justiça e a paz, assim como para promover na Igreja a autonomia dos leigos, o respeito à consciência pessoal e a acolhida dos carismas.
Por trás de cada ato pontifício há mensagens significativas que não passam despercebidas. Como as nomeações do último consistório que lapidaram o carreirismo eclesial; ou a aprovação da aguardada beatificação de dom Romero, que reconhece oficialmente essa Igreja Povo de Deus, concedendo estatuto eclesial às lutas libertadoras dos pobres e dos povos oprimidos.
Neste contexto, a análise da Assembleia Extraordinária do Sínodo da Família de outubro passado traz pistas reveladoras para avaliar o ambiente eclesial que cerca o Papa Francisco. Neste sentido, a Relatio Synodi deixou uma marca inconfundível do pulso eclesial e uma medida da evolução da Igreja desde o Concílio Vaticano II.
Reconhecendo as diferenças existentes entre um conflito e uma assembleia sinodal, há algo em comum que ajuda a avaliar a qualidade da comunhão eclesial. Neste sentido, o consenso das votações dos padres conciliares e sinodais é um bom indicador do clima de comunhão.
Os documentos do Concílio são aprovados de maneira quase unânime, registrando em média, no conjunto deles, uma aprovação de 98,5% dos votos conciliares. Nesse contexto, a aprovação média de 92,5% que tiveram os 62 números da Relatio Synodi mostra um consenso menor em relação àquele alcançado no Concílio. Há, inclusive, quatro números da Relatio Synodi que revelam uma acentuação de posições divergentes, como são as questões atinentes ao acesso aos sacramentos da comunhão e da reconciliação, à comunhão espiritual e ao reconhecimento de elementos positivos entre quem não vive o matrimônio cristão, assim como a acolhida, com respeito e delicadeza, das pessoas homossexuais. Nestes temas, o nível de rechaço superou 30% e chegou a 40% no caso do acesso aos sacramentos para pessoas em situação conjugal irregular.
Se 1,5% do dissenso registrado no Concílio Vaticano II provocou um doloroso cisma eclesial que perdura até hoje, é evidente que dissensos próximos a 40%, como os manifestados na Relatio Synodi, revelam uma significativa mudança do espírito eclesial entre o Concílio Vaticano II e o Sínodo da Família. Surge assim uma medida da involução do Concílio em 50 anos e uma magnitude da oposição ao Papa Francisco em questões pastorais.
Com estes dados, é compreensível que as tensões eclesiais, longe de se acalmarem, estão presentes e ativas. No entanto, o novo é que depois da Assembleia Extraordinária do Sínodo estas se manifestam já não diretamente contra o papa, mas contra os reformistas. Ferida a comunhão eclesial, as disputas tornam-se mais sutis e técnicas, menos visíveis.
Por exemplo, a tese aberturista liderada pelo cardeal Walter Kasper enfrenta novos obstáculos. Quando, no Consistório de fevereiro de 2014, o cardeal Kasper surpreendeu a assembleia referindo-se a um trabalho teológico do professor Joseph Ratzinger, publicado em 1972, onde propunha uma solução pastoral para reabilitar os divorciados recasados, ninguém imaginou que 44 anos depois, no final de 2014, o próprio papa emérito, com a ajuda do cardeal Gerhard Müller, publicasse uma Retractatio como parte de uma coleção teológica. Nela, o papa emérito, com o rigor teológico que o caracteriza, não faz senão reconhecer a evolução do seu pensamento, coerente com o instruído por ele mesmo desde a Congregação para a Doutrina da Fé.
Outro caso dá conta que, depois da Assembleia Extraordinária do Sínodo, um grupo de 100 personalidades católicas enviou ao Papa Francisco uma Súplica Filial, para que esclareça a desorientação causada pela eventualidade de no seio da Igreja se abra uma brecha tão profunda que permita o adultério com o posterior acesso à Eucaristia por parte de casais divorciados e casados novamente no civil. Entre os que assinaram esta carta figuram o cardeal Raymond Leo Burke e o cardeal Jorge Medina Estévez, junto com uma lista de bispos e leigos de organizações pró-vida e da família.
Mais recentemente, o cardeal Gerhard Müller apareceu afirmando a autoridade do prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, ao propor a supremacia deste dicastério em relação às Conferências Episcopais em questões de doutrina e disciplina matrimonial e familiar. Isso, em resposta ao cardeal Reinhard Marx, que, como presidente da Conferência Episcopal da Alemanha, havia declarado que “não somos uma filial de Roma”.
Assim, a Assembleia Sinodal de outubro próximo não será fácil para o papa. De fato, os opositores apostam em um clima cismático em Roma, algo que no coração de um papa constitui um sério limite e um ato de forte coação, enquanto o bispo de Roma, junto com presidir a caridade, é o sinal da unidade da Igreja.
O Papa Francisco sabe que o futuro da Igreja se joga em sua capacidade de aggiornamento aos desafios que o mundo lhe faz; um terreno onde a Igreja deve enfrentar aquele velho conflito entre o império da Lei e o da misericórdia. Visto assim, o Papa Francisco enfrenta em sua consciência de pastor um sério dilema teológico-pastoral, uma questão que Jesus Cristo enfrentou transgredindo a Lei – não por capricho, mas por misericórdia – assumindo uma conduta que lhe impôs os maiores custos pessoais que, em última instância, o levaram à cruz.
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O Papa Francisco diante de um dilema histórico - Instituto Humanitas Unisinos - IHU