19 Mai 2015
Mark Zuckerberg quer oferecer acesso gratuito à internet para brasileiros de baixa renda. E o Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) quer saber como e por que o CEO do Facebook pretende fazer isso. Na última Cúpula das Américas, organizada em abril no Panamá, Zuckerberg posou ao lado de vários líderes latino-americanos, entre eles a presidenta Dilma Rousseff, com quem anunciou uma parceria para oferecer conexão de graça para a população de baixa renda. O anúncio formal da chegada do Internet.org ao Brasil foi marcado para junho, mas o CGI.br pretende ouvir o Facebook sobre o assunto antes disso.
A reportagem é de Rodolfo Borges, publicada pelo jornal El País, 16-05-2015.
O comitê começou a debater a questão no início do mês e vai enviar nos próximos dias ao Facebook um questionário com perguntas sobre a parceria. Os conselheiros querem saber detalhes sobre a possível limitação de acesso a conteúdos e o que estará associado a essa oferta de internet, questões que podem afetar direitos fundamentais estabelecidos no Marco Civil da internet, como o direito ao fluxo livre de informações. Outros pontos em questão são a privacidade do usuário e a infraestrutura que será utilizada para viabilizar a parceria — haverá de dinheiro publico no processo?, a que empresa vai ser direcionado recurso?
Diretor presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e conselheiro do CGI.br, Demi Getschko destaca que o comitê ainda não tem posição sobre o assunto e só se manifesta por meio de suas resoluções. Segundo ele, por enquanto "a discussão está sendo feita a partir de especulações", porque não se sabe detalhes sobre as intenções do Facebook, e o mais importante é "defender a neutralidade do acesso à internet" no Brasil. "O mal desse negócio é que não devia se chamar Internet.org, mas 'Facebook.org'. Já é uma certa arrogância, porque está dizendo que é internet", disse ao EL PAÍS.
Por enquanto, as críticas mais contundentes no Brasil ao Internet.org partiram da associação Proteste, que encaminhou, junto com outras 33 entidades, uma carta à presidenta Dilma condenando o acordo com o Facebook. Segundo a Proteste, "o projeto Internet.org, implementado pela rede social em países da América Latina, África e Ásia, viola direitos assegurados pelo Marco Civil da Internet, como a privacidade, a liberdade de expressão e a neutralidade da rede".
A associação alega que "ao prometer o 'acesso gratuito e exclusivo' a aplicativos e serviços, o Facebook está na verdade limitando o acesso aos demais serviços existentes na rede e oferecendo aos usuários de baixa renda acesso a apenas uma parte da internet". Consultora jurídica da Proteste e conselheira do CGI.br, Flávia Lefèvre diz que, ao receber a carta, o Palácio do Planalto se limitou a responder que o assunto Internet.org está sendo discutido no âmbito dos Ministérios das Comunicações e da Ciência e Tecnologia e que não há qualquer prazo de lançamento estabelecido.
A Proteste também questionou os dois ministérios sobre a questão e ainda não obteve resposta. "Acho que existe uma postura errática por parte da presidente. Ela postou no Blog do Planalto um vídeo dizendo que em junho fecharia esse acordo. Depois vem uma carta dizendo que não tem nada de concreto. O primeiro problema é falta de transparência", diz Lefèvre. Segundo a conselheira do CGI.br, a falta de clareza é marca nos outros países onde o Internet.org já se instalou. "No Panamá, no dia seguinte à assinatura, várias empresas questionaram o Governo sobre por que escolheram uma determinada estrutura para fazer a parceria com o Facebook", lembra.
Os técnicos do CGI.br se questionam, entre outras coisas, por que o Facebook tem buscado países em desenvolvimento, como Colômbia e Guatemala, para se instalar, e alegam que o modelo do Facebook já vem dando problemas na Índia. A vocação do projeto, que pretende oferecer internet aos 2,7 bilhões de pessoas de regiões pobres que ainda não a acessam, responde em parte à questão.
De sua parte, por enquanto, o Facebook manifesta a intenção de proporcionar aos brasileiros que "se conectem com a economia moderna e acessem informações educativas, informações de trabalho, informações de saúde", nas palavras de Zuckerberg. Ao anunciar o acordo, junto com ele, em abril, Dilma disse que "o objetivo fundamental é a inclusão digital, mas não é a inclusão digital pela inclusão digital, é a inclusão digital que pode garantir acesso a educação, saúde, cultura e tecnologias".
A partir das respostas que o Facebook venha a enviar ao CGI.br, o comitê deve manifestar sua posição sobre o assunto, que, a julgar pela repercussão das últimas iniciativas da instituição, pode vir a pautar a agenda internacional. No ano em que se comemoram os 20 anos da internet comercial no Brasil, os padrões de governança do CGI.br têm servido de referência mundial, principalmente depois da aprovação do Marco Civil da Internet, no ano passado.
O decálogo da internet brasileira
O Brasil tem desde 2009, por iniciativa do CGI.br, um decálogo para deixar claros os princípios para o bom uso da internet no país. As dez diretrizes que embasaram o Marco Civil da Internet seguem abaixo:
1. Liberdade, privacidade e direitos humanos
O uso da Internet deve guiar-se pelos princípios de liberdade de expressão, de privacidade do indivíduo e de respeito aos direitos humanos, reconhecendo-os como fundamentais para a preservação de uma sociedade justa e democrática.
2. Governança democrática e colaborativa
A governança da Internet deve ser exercida de forma transparente, multilateral e democrática, com a participação dos vários setores da sociedade, preservando e estimulando o seu caráter de criação coletiva.
3. Universalidade
O acesso à Internet deve ser universal para que ela seja um meio para o desenvolvimento social e humano, contribuindo para a construção de uma sociedade inclusiva e não discriminatória em benefício de todos.
4. Diversidade
A diversidade cultural deve ser respeitada e preservada e sua expressão deve ser estimulada, sem a imposição de crenças, costumes ou valores.
5. Inovação
A governança da Internet deve promover a contínua evolução e ampla difusão de novas tecnologias e modelos de uso e acesso.
6. Neutralidade da rede
Filtragem ou privilégios de tráfego devem respeitar apenas critérios técnicos e éticos, não sendo admissíveis motivos políticos, comerciais, religiosos, culturais, ou qualquer outra forma de discriminação ou favorecimento.
7. Inimputabilidade da rede
O combate a ilícitos na rede deve atingir os responsáveis finais e não os meios de acesso e transporte, sempre preservando os princípios maiores de defesa da liberdade, da privacidade e do respeito aos direitos humanos.
8. Funcionalidade, segurança e estabilidade
A estabilidade, a segurança e a funcionalidade globais da rede devem ser preservadas de forma ativa através de medidas técnicas compatíveis com os padrões internacionais e estímulo ao uso das boas práticas.
9. Padronização e interoperabilidade
A Internet deve basear-se em padrões abertos que permitam a interoperabilidade e a participação de todos em seu desenvolvimento.
10. Ambiente legal e regulatório
O ambiente legal e regulatório deve preservar a dinâmica da Internet como espaço de colaboração.
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Internet brasileira reage ao plano do Facebook de oferecer acesso à web - Instituto Humanitas Unisinos - IHU