29 Abril 2015
"Não se trata, evidentemente, de “dar estrutura teológica a um papado”, coisa que seguramente não é competência da Congregação, mas de “dar estrutura teológica à função exercida pela Congregação”, escreve Andrea Grillo, em artigo publicado pelo blog Come Se Non, 27-04-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis o artigo.
O debate aceso em torno do “projeto” da Congregação para a doutrina da fé de “dar estrutura teológica” ao papado de Francisco (e de João XXIII) me parece colocar o dedo numa chaga, que vai além dos sujeitos hoje envolvidos na ocorrência.
Não há dúvida, de fato, que este órgão importante para a vida da Igreja deva ser submetido a uma “profunda reestruturação” precisamente após a virada que o Concílio Vaticano II introduziu no corpo da Igreja. Pois, de fato, com esta virada mudava profundamente a relação entre “revelação” e “cultura”.
O órgão que se colocara tradicionalmente numa função delicadíssima de “garantia” da “ratio fidei” era destinado, cedo ou tarde, a sofrer uma profunda modificação pelos procedimentos que emprega para assegurar a “continuidade e credibilidade da ratio fidei”. Esta tensão, que já está escrita na história dos últimos 50 anos, nos últimos meses chegou a um ponto de não retorno. Até o paradoxo para o qual, diante da contraposição entre “lógicas diversas”, se pode chegar a teorizar uma “normalização do papado” da parte da Congregação, com uma aberta e clamorosa inversão da relação entre meio e fim. E é muito significativo que sobre os dois Papas que mais lucidamente perseguiram tal “virada” se concentre a intenção de intervenção “reestruturadora”.
Pode ser útil voltar a escutar, oito anos após, o que escreveu o Padre Hünermann a propósito da função da Congregação, por ocasião da Notificação sobre as obras de Jon Sobrino, em 2007:
“A relação entre o Papa e os bispos, de um lado, e os teólogos, do outro, assume um significado não evasivo para a vida da Igreja no futuro. A Congregação para a Doutrina da Fé exerce hoje a importantíssima função da tutela da qualidade em teologia, preocupando-se do fato de que a teologia desenvolva verdadeiramente a ratio fidei [a razão da fé]. Quando, a partir da segunda metade do século dezenove, se chegou constantemente a sérios conflitos, que prejudicam a consideração da Igreja e de sua caminhada na fé, isto não é devido simplesmente às pessoas que ali trabalham e à sua formação mais ampla ou menos profunda.
Semelhantes deficiências são apenas um potencial dos conflitos. O motivo está substancialmente no fato de que a Congregação para a Doutrina da Fé – organização que sucede ao Santo Ofício – no fundo ainda tem a estrutura de uma autoridade de censura pré-moderna como ela existia em todos os Estados europeus. A moderna tutela da qualidade no âmbito das ciências é estruturada diversamente, trabalha junto a estas e envolve – segundo as possibilidades – as autoridades nos processos decisórios de natureza política e administrativa.
Também a ‘ratio fidei’, numa sociedade hoje bastante complexa, deve ser reelaborada no contexto dos seus sérios problemas sociais, econômicos e humanos. Ela mostra um grau de complexidade ante o qual uma autoridade de censura de velho padrão não está em condições de fazer frente do ponto de vista técnico-organizativo. A Congregação para a doutrina da fé necessita de uma inteligente reorganização”.
Há quase uma década de distância, aquelas palavras do padre Hünermann soam ser hoje de particular atualidade. Não se trata, evidentemente, de “dar estrutura teológica a um papado”, coisa que seguramente não é competência da Congregação, mas de “dar estrutura teológica à função exercida pela Congregação”, para inseri-la harmonicamente numa relação entre revelação, fé, cultura não mais pensada segundo os estilos e as práticas de um mundo tradicional e de uma Igreja pré-moderna.
Também a esta tarefa delicada deverá aplicar-se uma séria reforma da Cúria romana.
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Dar “estrutura teológica conciliar” à Congregação para a Doutrina da Fé - Instituto Humanitas Unisinos - IHU