13 Março 2015
Nem as suspeitas contra figuras graúdas da política comovem o eleitorado sobre a necessidade de uma profunda reforma política
A Operação Lava Jato completa um ano este mês com a divulgação de uma lista de investigados que inclui até os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, suspeitos de terem suas campanhas financiadas ilegalmente pelas maiores empresas do País. Embora a ação da Polícia Federal sugira que o financiamento privado a campanhas políticas seja a espinha dorsal da corrupção no Brasil, o revanchismo da oposição e os erros de articulação do governo abafam o debate sobre a reforma política e alimentam na sociedade uma solução simplista para a crise: destituir ou, pelo menos, "sangrar" a presidenta Dilma Rousseff.
A reportagem é de Wanderley Preite Sobrinho, publicada por CartaCapital, 12-03-2015.
Ao todo, 49 políticos foram incluídos na denúncia do Ministério Público. Nomes graúdos, diretamente ligados a Dilma e a seu adversário na última eleição presidencial, Aécio Neves (PSDB-MG), constam na lista, como os ex-ministros da Casa Civil Gleisi Hoffmann (PT-RS) e Antonio Palocci (PT-SP) e o senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), que assumiria um "superministério" de infraestrutura na gestão tucana. Em um caso separado, mas também envolvendo corrupção e financiamento ilegal de campanha, o MPF pediu investigação contra o senador Agripino Maia (DEM-RN), coordenador de campanha de Aécio em 2014.
Nem assim a possibilidade de uma reforma política comove a população, seja a turma que no domingo 15 promete "parar o Brasil" para pedir o impeachment de Dilma ou os governistas que insistem em minimizar a corrupção atual ao lembrar que ela já existia em gestões tucanas.
O "panelaço" contra Dilma no domingo 8 impeliu o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) a ir a público desestimular o impeachment ao afirmar, na segunda-feira 9, que "o modelo de presidencialismo de coalizão" é que se esgotou. A preocupação do tucano com as instituições, entretanto, não faz com que ele se disponha a socorrer Dilma. "O momento não é para a busca de aproximações com o governo, mas com o povo", disse FHC no Facebook. Mais explícito foi o senador tucano Aloysio Nunes (SP), vice na chapa presidencial de Aécio em 2014: "Não quero que ela saia, quero sangrar a Dilma".
Relator pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) de um projeto de iniciativa popular para a reforma política, o bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte, Dom Joaquim Giovani Mol, acredita que muitos eleitores ainda não digeriram o resultado das eleições presidenciais e "estão usando o impeachment para estender a discussão eleitoral". De carona, seguiriam outra parcela da população impaciente com a crise, mas pouco instruída politicamente. "Falar de reforma política exige conhecimento de leis e sistemas. Sem isso, acaba-se acreditando que tirar a presidente resolve instantaneamente todos os problemas."
A proposta da CNBB, apoiada pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e outras 105 entidades, já recebeu 500 mil assinaturas das 1,5 milhão necessárias para que seja discutida no Congresso. O ponto central da reforma: o fim do financiamento privado de campanha. "Empresa não é povo e por isso não foi convidada para participar das eleições", arremata Cezar Britto, ex-presidente da OAB e representante da entidade no projeto. "Ela visa lucro e não podemos transformar eleição em investimento econômico."
De acordo com o projeto, o financiamento seria misto: 60% do dinheiro sairiam do Orçamento Geral da União, enquanto o restante partiria da contribuição de pessoas físicas, que teriam um teto de até 700 reais para doar. No primeiro turno do pleito legislativo, o eleitor votaria no projeto político apresentado pelos partidos e só no segundo é que o voto seria destinado ao representante desse projeto. "Dessa forma estimula-se a representação da sociedade, que poderá não só votar mas financiar seu candidato. Esse modelo também valoriza as ideias dos partidos e não as pessoas, o político", pondera Britto.
Professor de Ciência Política na Unicamp, Wagner de Melo Romão concorda que a sociedade, e não o empresariado, deva ser "a gênese da representação política". Mas ele discorda do modelo sugerido pela CNBB e OAB. Para o especialista, o rico terá mais dinheiro para financiar do que o pobre e por isso a União deveria subsidiar parte da contribuição de quem tem menos dinheiro. Para eleitores com renda de 20 salários mínimos, por exemplo, uma contribuição hipotética de mil reais seria subsidiada em 200 reais pela União, enquanto alguém com quatro salários contribuiria com 400 reais e a União com 600 reais.
Enquanto entidades civis discutem o modelo ideal de reforma política, o financiamento empresarial pode ser institucionalizado. Há 11 meses, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu vistas de um processo já com seis votos favoráveis que determina o fim das doações eleitorais por parte de empresas. Ele não tem prazo para devolver o texto para a análise. No vácuo criado por Mendes, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), montou uma comissão de reforma política para validar o modelo atual. "Desconfia-se de que Mendes esteja esperando a decisão do Congresso para que a votação no Supremo seja ineficaz", afirma dom Mol, da CNBB. Questionado a respeito por CartaCapital, Gilmar Mendes não respondeu até o fechamento da reportagem.
Em delação premiada, o ex-diretor de abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa chegou a dizer que doações empresariais de campanha não passam de empréstimos a serem cobrados a juros altos. Mesmo assim, o "burburinho do impeachment suplanta qualquer debate público sobre a reforma", lamenta Romão, que não isenta o governo federal de responsabilidade. Dilma nomeou ministros como Kátia Abreu (Agricultura) e Gilberto Kassab (Cidades) sob o argumento de que precisava de uma base forte na Câmara e Senado. "Essa base não durou 20 dias e ela ainda perdeu o apoio social ao tomar medidas impopulares de ajuste fiscal."
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Polarização abafa debate sobre financiamento de campanha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU