04 Março 2015
As ações do assim-chamado Estado Islâmico têm sido tão horrendas que elas vêm recebendo uma desaprovação quase que universal. É difícil encontrar alguém que não queira ver detido este grupo. Isto acaba apresentando tanto um desafio quanto uma oportunidade para a política externa americana, mas devemos nos certificar de não simplesmente tornar as coisas piores ainda, repetindo os erros do passado.
A reflexão é do jesuíta norte-americano Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos EUA, de 1998 a 2005, e autor de O Vaticano por dentro (Ed. Edusc, 1998). O artigo foi publicado no sítio National Catholic Reporter, 27-02-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Grande parte da discussão sobre o Estado Islâmico carece de nuance e um respeito pela complexidade da situação política e religiosa. O foco tem estado numa solução militar à crise. Os que querem uma solução rápida pedem para o governo mandar militares americanos. Os que não querem casualidades americanas dizem que devemos treinar as tropas iraquianas para vencer o Estado Islâmico.
Fico surpreso que as pessoas apresentam estes argumentos com uma cara séria. Os americanos não vencem uma guerra desde 1945. Na Coreia foi um impasse; no Vietnã, perderam; no Iraque e no Afeganistão ainda estão em frangalhos, com o futuro incerto.
A experiência americana de treinamento de tropas estrangeiras vem sendo igualmente desastrosa. Os graduados da Escola das Américas, hoje conhecida como Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança, passaram a apoiar ditadores latino-americanos com históricos horrendos no que diz respeito aos direitos humanos. O exército sul-vietnamita evaporou-se tão logo saímos. O exército iraquiano abandonou Mosul após uma invasão feita em picapes. O exército afegão ainda não consegue lidar com o Talibã.
Quantas décadas se leva para treinar tropas a fim de elas defendam as suas próprias famílias e cidades? O Estado Islâmico, a Al Qaeda e o Talibã conseguem treinar suas bases com um baixo custo mais rápido do que nós podemos matá-los, enquanto que as forças militares americanas requerem bilhões de dólares e décadas para formar pessoas que possam se defender dos ataques. Devemos suprir os nossos aliados com os equipamentos mais sofisticados, enquanto que as tropas do Estado Islâmico capturam fatias de terra do Iraque e da Síria a partir das carrocerias de picapes.
Isto não quer dizer que os soldados americanos, tomados individualmente, são sejam dedicados e bravos; significa apenas que os líderes militares e civis no Pentágono ainda calculam a vitória em termos de inimigos mortos e territórios recuperados. Continuam centrando-se em vencer batalhas enquanto perdem a guerra. O custo tem sido de milhares de casualidades americanas, afegãs e iraquianas, a separação do mundo islâmico e bilhões de dólares jogados fora nas tentativas fúteis de matar cada inimigo.
O problema é que nós continuamos a ver os terroristas e fanáticos como um problema militar em vez de um problema político. Não tenho dúvidas de que, se colocarmos de volta milhares de tropas americanas no Iraque e na Síria, teremos condições de assumir novamente os territórios conquistados pelo Estado Islâmico. O custo será sangrento. Os civis mortos como um dano colateral vão, rapidamente, superar em números aqueles diretamente mortos pelo Estado Islâmico. Mosul ficará totalmente destruída enquanto nós “a salvamos”. O exército iraquiano e suas milícias xiitas irão nos ajudar a derrotar o Estado Islâmico, porém a população sunita sofrerá e se tornará mais amargurada.
O que os Estados Unidos podem fazer?
Em primeiro lugar, aumentar em muito a ajuda aos que cuidam de refugiados da Síria e Iraque. É um escândalo sermos rápidos para gastar dinheiro em armas, mas demorados para cuidar das vítimas da guerra.
Em segundo lugar, como disseram o Papa Francisco e os bispos americanos, é “lícito” usar a força para deter a agressão injusta feita pelo Estado Islâmico e proteger minorias e civis dos ataques. Parar com a expansão desta organização é um primeiro passo essencial. Mas, como o papa e os bispos enfatizaram, “o uso da força militar deve ser proporcional, discriminado e empregado dentro do quadro do direito internacional e humanitário”.
Mas os bispos americanos estão certos ao dizerem: “Embora uma ação militar possa ser necessária, de forma alguma é suficiente para lidar com esta ameaça terrorista”.
Numa carta ao presidente Barack Obama, datada de 23 de fevereiro deste ano, Dom Joseph Kurtz (da Arquidiocese Louisville, Kentucky) e Dom Bishop Oscar Cantú (da Diocese de Las Cruces, Novo México) descreveram, com precisão, as causas profundas do conflito. “A exclusão política e o desespero econômico são manipulados pelo autodeclarado Estado Islâmico. Na Síria e no Iraque, eles exploram a exclusão do povo sunita no governo. Uma governança inclusiva e participação significativa na vida política e econômica inoculam as populações contra as faltas promessas do extremismo”.
Os dois bispos, presidente da Conferência dos Bispos Católicos dos EUA e coordenador do Comitê para a Justiça e Paz Internacional, respectivamente, reconhecem que o governo “tem trabalhado junto às autoridades iraquianas para estimular a formação de um governo inclusivo no Iraque, que respeite os direitos humanos e a liberdade religiosa para todos”. Este trabalho, porém, está longe de ser um sucesso completo.
Este pode ser o momento de se reconhecer que o Iraque é um estado falido. Os curdos já têm o seu território independente e chegou a vez de permitir que os sunitas tenham o deles. Os sunitas se uniram na luta contra a Al-Qaeda quando lhes prometeram uma maior autonomia, mas esta promessa foi rompida e o resultado é o Estado Islâmico.
Se os EUA pensam que um governo liderado pelos xiitas e uma ação militar seja a solução, então este país não aprendeu nada em todos estes anos de combate no Iraque. Quando tentarmos deixar o país a daqui 10 anos, estaremos enfrentando, de novo, uma outra insurreição sunita no Iraque.
O único povo que pode, realmente, derrotar o Estado Islâmico são os sunitas. Mas eles não vão se pôr contra o Estado Islâmico se o resultado for ficar subjugados a um governo nacional xiita. Não vai ser fácil convencer novamente a população sunita. Já mentiram muitas vezes para eles já. Mas nenhuma solução militar que não respeite as aspirações legítimas deles por autonomia irá funcionar.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Deter o Estado Islâmico sem tornar as coisas piores - Instituto Humanitas Unisinos - IHU