Por: André | 18 Fevereiro 2015
O padre Juan Carlos Scannone, SJ, encontra-se em Madri convidado pelas duas instituições da Companhia de Jesus, o centro Entreparéntesis e a revista Razón y Fe. Este jesuíta argentino foi professor de Jorge Mario Bergoglio, hoje Papa Francisco, que mais tarde seria seu provincial e companheiro de comunidade durante vários anos.
Fonte: http://bit.ly/1uBHmAY |
Atualmente, o padre Scannone é professor emérito das Faculdades de Filosofia e Teologia de San Miguel (Argentina) e redator da revista La Civiltà Cattolica (Roma). Além disse, segue como diretor do Instituto de Pesquisas Filosóficas na Faculdade de Teologia e Filosofia de San Miguel, centro que tem sua sede no Colégio Máximo de San José, onde o Santo Padre foi reitor entre 1980 e 1986.
Nesta entrevista ao Zenit, o insigne religioso da Companhia explica as características da chamada “Teología del Pueblo” e sua influência no pensamento do Pontífice argentino, especialmente na Evangelii Gaudium.
A entrevista é de Iván de Vargas e publicada no sítio Zenit, 10-02-2015. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Quais são as principais características da chamada “Teologia do Povo”?
A “Teologia do Povo” pensa no povo como nação: com uma história comum; um estilo de vida; uma cultura; e um projeto de bem comum compartilhado, embora haja diferentes interpretações, sobretudo de tipo político. Pensa em um povo que quer ser uma nação. Mas, na América Latina dá especial importância ao tema do pobre, porque são os pobres que mais guardaram esse estilo de vida comum e seus legítimos interesses: a justiça, a paz, o desenvolvimento para todos... Ou seja, o bem comum.
Esta teologia marcou de alguma maneira o pensamento do Papa Francisco?
Creio que influiu nele. Não é a única raiz, mas uma das raízes teológicas importantes para entender o seu pensamento e a sua ação.
A Teologia do Povo não utiliza as categorias da análise marxista, é verdade?
A Teologia do Povo nunca quis usar a análise marxista como mediação para compreender a situação dos pobres na América Latina. Ao invés disso, buscou na história e na cultura latino-americana e argentina categorias de interpretação que não fossem nem de uma sociologia liberal nem marxista.
Pode-se falar da Teologia do Povo como um desenvolvimento da Doutrina Social da Igreja?
Não diretamente, mas tem sua íntima relação. Porque a Teologia do Povo é algo mais. Não é só o aspecto social, mas toda a compreensão do Evangelho, da Revelação. Portanto, abarca todo o teológico e não somente o social.
Agora, no social há uma íntima relação com a Doutrina Social da Igreja, com um acento no tema dos pobres. Porque, na América Latina, isso faz parte da nossa tradição desde Medellín até os nossos dias. Mas o próprio Papa, quando na Evangelii Gaudium vai falar desses quatro princípios que depois enumera, diz que estão fundados nas contribuições da Doutrina Social da Igreja.
A Teologia do Povo foi denominada também como a Teologia da Cultura. Em diferentes intervenções, o Santo Padre falou das culturas dos povos. Tem algo a ver com esta corrente de pensamento?
O que o Papa diz é que o Evangelho tem que chegar a todos os povos e a todas as culturas. O que já dizia Paulo VI: a evangelização da cultura e das culturas do homem.
Cada povo tem seu estilo de vida, sua cultura, interpreta de maneira diferente, com símbolos diferentes, o sentido último da vida, que isso é próprio da cultura. Inclusive na maneira de comer, na maneira de vestir, mas muito mais na arte, no pensamento, na religiosidade, aparece a cultura do povo.
O Papa diz que a Igreja como Povo de Deus é multiforme. Evangeliza todas as culturas e incultura o Evangelho em todas as culturas. Não somente na cultura europeia, que já o fez ao longo dos séculos, ou na América Latina, através da evangelização, mas em todas as culturas da Ásia, da África, etc. Fala de uma harmonia pluriforme no Povo de Deus. O que agora se está chamando de interculturalidade, que supõe a inculturação do Evangelho em uma cultura e o diálogo das culturas. E por isso o tema do encontro, quando fala da cultura do encontro, é uma coisa que se pode aplicar tanto dentro da Igreja como entre os povos e entre as culturas.
Há quem qualifica o Pontífice vindo do “fim do mundo” de populista...
O populista pensa no povo como algo uniforme, impulsionado por um caudilho. Ao contrário, a imagem é a do poliedro. Onde não há uniformidade, mas harmonia das diferenças. Como acontece na Santíssima Trindade, de alguma maneira, que é a união das diferentes relações. E o mesmo acontece na Igreja e deveria acontecer nos povos.
O Papa Francisco é de esquerda?
De esquerda, o que quer dizer de esquerda? Se nos referimos ao fato de que fez uma opção pelos pobres, isso é do Evangelho, não da esquerda. Também a esquerda poderá tê-la, mas não preciso ser de esquerda para optar pelos pobres. Já Cristo optou pelos pobres, pelos doentes, pelos desvalidos, pelas vítimas... Também a Igreja o fez ao longo da história. E toda a teologia atual, especialmente na América Latina depois das Conferências de Medellín e Puebla, que depois culminaram em Aparecida, onde há uma opção preferencial pelos pobres, pelos que são descartados, pelos excluídos, pelas vítimas da história, etc. Então, isso não quer dizer que seja de esquerda, mas que é cristão, evangélico.
E peronista?
O peronismo teve muita influência na Argentina, e também usava a categoria “povo”. Em nível cultural, teve sua importância e marcou muitos argentinos. Então, o Papa é peronista? Não, porque o Papa não se mete em política. E muito menos na política argentina. Pelo contrário, ele queria o diálogo de todos os partidos e ideologias.
Agora, como o peronismo privilegiava os trabalhadores e os pobres, e por outro lado, tinha também uma noção de “povo-nação”..., pode ser que se comungue com estes temas e que não seja peronista, não? Não se pode dizer que o Papa seja peronista, mas que há coisas do peronismo que são válidas e que são tomadas do cristianismo. Algumas, explicitamente da Doutrina Social da Igreja. E nisso todos estamos de acordo.
Que mensagem gostaria de transmitir aos leitores do Zenit?
Temos que voltar ao Evangelho, converter pastoralmente a Igreja. Aparecida falava de uma conversão pastoral. O Papa dá muita importância ao Documento de Aparecida. E agora, de alguma maneira, vê o elemento universal que tem. Uma Igreja que não olha apenas para si mesma, mas que olha para fora, para os que sofrem, para as pessoas que necessitam misericórdia, para os que não conhecem Cristo, é uma Igreja missionária. Uma reforma para uma conversão pastoral. Um deixar as estruturas caducas, como diz também o Documento de Aparecida, e ser uma Igreja missionária. Ou seja, como Cristo, que é a missão em pessoa. E nós, levar Cristo a todos os setores da realidade e da sociedade, e inclusive a toda a humanidade global.
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“A opção pelos pobres de Francisco não é de esquerda”. Entrevista com Juan Carlos Scannone - Instituto Humanitas Unisinos - IHU