Por: Jonas | 03 Fevereiro 2015
Após os atentados em Paris e em outros países da Europa, muitos se questionam a respeito do que pretende, na realidade, o terrorismo islâmico, contra quem é esta espécie de guerra que iniciaram, se é apenas contra a Europa e os Estados Unidos ou também contra outras regiões, e o quanto tudo isto está relacionado com a situação dos países no Oriente Médio e com a discriminação e o racismo existentes no Ocidente.
Khaled Fouad Allam, sociólogo argelino, é professor de Sociologia do Mundo Muçulmano, na Universidade de Trieste, e oferece cursos sobre este tema na Ecole Pratique des Hautes Etudes de Paris. Visitou alguns países latino-americanos com suas conferências, entre eles o Peru e a Argentina em 2008, e possivelmente retornará à Argentina em julho. Entre suas várias publicações, destacam-se dois livros. “Carta a un terrorista suicida”, também publicado na Espanha, e "Il jihadista della porta acanto" (O jihadista da porta ao lado, ed. Piemme), que inclui um capítulo sobre os atentados de Paris.
A entrevista é de Elena Llorente, publicada por Página/12, 02-02-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Professor Allam, o senhor considera que estamos em guerra?
Evidentemente não é uma guerra clássica porque se unem dois tipos de estratégia: por um lado, uma guerra territorial no Oriente Médio, realizada pelo Estado Islâmico, procurando ampliar seu território original. E, neste sentido, é uma guerra mais tradicional porque ocorrem batalhas, cidade por cidade. Por outro, há uma guerra inédita, que eu defino como “terrorismo de proximidade”, e que se refere ao acionamento de células conhecidas como aquelas da Al-Qaeda ou de outras que prestaram juramento de fidelidade ao califado islâmico. Em síntese, há uma guerra tradicional e uma guerra que usa o terrorismo, há um exército visível, o do califado, e um invisível, o dos terroristas do Ocidente. Esta guerra usa, além disso, a matriz religiosa como ideologia.
Qual é o objetivo do Estado Islâmico?
Há uma incompreensão de fundo entre o Islã e o Ocidente, e a estratégia do califado islâmico é romper as relações com o Ocidente e envolver todo o Islã europeu em uma guerra civil.
Quais são as raízes que explicam esta guerra?
O primeiro-ministro francês Valls disse que certamente o mal-estar é um componente no “terrorismo de proximidade”, mal-estar pela má integração de alguns setores da população muçulmana e pela discriminação. Porém, é necessário acrescentar a isto que o Oriente Médio vive em guerra há 30 anos. A primeira e segunda guerra do Golfo, Afeganistão, Somália, Iraque, etc. Estas guerras se acumularam, criando um maior desequilíbrio na região. Penso, por exemplo, no Iraque, Saddam Hussein não era certamente um santo, mas o equilíbrio que o Iraque possuía, há dez anos, desapareceu completamente. Agora existe uma situação que contrapõe comunidades religiosas e étnicas, sunitas contra xiitas, xiitas contra cristãos...
Isto teria, então, estimulado o nascimento do terrorismo...
É fácil iniciar uma guerra, mas depois a reconstrução é muito difícil. O plano dos Estados Unidos para a reconstrução do Iraque não funcionou em nada e os equilíbrios entre as diferentes comunidades, que eram centenários, desapareceram completamente. Outro exemplo é a Líbia. Mataram Khadafi, mesmo não sendo um tirano, mas tampouco santo, e Líbia ao não ter cinturões de Contenção, como um Parlamento ou uma constituição, encontrou-se frente a um vazio e foram colocadas outras forças transformando o país na Líbia de 100 anos atrás, onde havia enfrentamentos de berberes contra árabes, islâmicos contra islâmicos moderados.
As diferentes intervenções dos Estados Unidos e dos países europeus no Oriente Médio contribuíram para aumentar a raiva, a rebelião de certos setores muçulmanos?
Várias destas guerras foram feitas pelos Estados Unidos e uma coalizão de países europeus, sem medir realmente as dificuldades que encontrariam ao procurar reconstruir o país. Atuaram com muita ingenuidade, sem se dar conta do desastre que poderiam produzir... A situação é muito pior agora. O Oriente Médio que conhecemos há algumas décadas desapareceu completamente. Todos estes países se fragilizaram e diante dessa fragilidade tem surgido o radicalismo islâmico.
A raiva dos terroristas está dirigida principalmente contra os Estados Unidos e Europa ou também contra outras regiões do mundo como, por exemplo, a América Latina?
Parece-me evidente que os países da Europa e Estados Unidos são os que têm maior risco de atentados. Na América Latina não existe o jihadismo porque há outra relação como o mundo muçulmano.
Maior educação sobre o mundo muçulmano e mais informação não ajudariam a eliminar a discriminação, entre outros problemas?
É preciso trabalhar na educação, mostrando que o Islã não é apenas barbárie, mas que também há uma civilização, uma filosofia, uma cultura. Estes aspectos foram completamente ocultados pelas guerras. E o jornalismo não ajuda porque só se concentra sobre a notícia e não se importa como o que acontece depois. Antes, os jornais serviam para dar independência aos povos. Agora, não mais. Uma notícia anula a outra e temos a impressão de que o mundo não mudará jamais, que estamos destinados a viver na barbárie permanente e que cada um tem que se ajeitar como pode. Isto contribui para o desequilíbrio da sociedade, divisão e rompimento da coesão social.
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A guerra oculta dimensões fundamentais do Islã. Entrevista com o sociólogo Khaled Fouad Allam - Instituto Humanitas Unisinos - IHU