Por: Cesar Sanson | 30 Janeiro 2015
Não obstante notícias que dão esperança, como as grandes expectativas geradas pelo anúncio da normalização de relações entre Cuba e Estados Unidos e os avanços nas negociações de paz da Colômbia, a América Latina não registrou grandes melhorias em 2014 em seus muitos problemas ligados aos direitos humanos. Pelo contrário: em seu relatório anual, divulgado nesta quarta-feira, a organização Human Rights Watch adverte que houve alguns graves retrocessos em um campo que continua a suscitar preocupação.
A reportagem é de Silvia Ayuso e publicada pelo jornal El País, 29-01-2015.
A organização faz um diagnóstico de 14 países da região, e, embora evite fazer qualquer ranking de cumpridores ou violadores de direitos humanos, o relatório especifica que Venezuela, México, Cuba e Colômbia são os países da região que mais causaram preocupações em 2014.
Entre os países citados como preocupantes também está os EUA; o informe destaca que, apesar da existência de proteções constitucionais fortes, continuam a ocorrer violações sistemáticas de leis e práticas nas áreas de justiça penal, imigração e segurança nacional.
Para o HRW, o caso do jovem negro desarmado morto por um policial branco em Ferguson, Missouri, é um exemplo da “lacuna alarmante existente entre o respeito pela igualdade dos direitos e o tratamento dado às minorias raciais pelas forças da ordem”. A HRW também critica a resposta “repressora” ao aumento do fluxo de imigrantes ilegais registrado no ano passado e o enfraquecimento de liberdades como a da imprensa e a de expressão, em função dos maciços programas de vigilância presentes no país.
Brasil
No Brasil, a violência policial e a tortura nas prisões são as violações que mais preocupam a HRW. Conforme o relatório, os dois principais Estados brasileiros registraram aumento da letalidade policial no ano passado. No Rio de Janeiro, o aumento foi de 40% entre janeiro e setembro de 2014 em comparação com o mesmo período de 2013. Em São Paulo, o crescimento foi de 97%.
Sobre tortura, a preocupação da ONG internacional foram as 5.431 denúncias recebidas pela Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos no ano passado.
México
Os massacres de Iguala e Tlatlaya são, para o HRW, exemplos máximos dos problemas gravíssimos de desaparecimentos forçados, abusos militares, impunidade e corrupção que persistem no México. Esses casos revelam os avanços apenas limitados conquistados pelo Governo de Enrique Peña Nieto no julgamento dos culpados por “assassinatos, desaparecimentos forçados e casos generalizados de tortura cometidos por soldados e policiais” no contexto das ações herdadas da guerra ao narcotráfico iniciada pelo Governo de Felipe Calderón.
“Hoje o México está mergulhado na pior crise de direitos humanos em anos”, declarou o diretor para as Américas da HRW, José Miguel Vivanco. Para ele, o Governo de Peña Nieto reagiu mal e tarde demais no caso do massacre dos 43 estudantes de Iguala, em setembro, e também no caso da execução extrajudicial de pelo menos 12 civis em Tlatlaya alguns meses antes.
“A comunidade internacional precisa acompanhar essa situação muito de perto e incentivar o México a tomar medidas concretas para determinar o paradeiro dos milhares (segundo cifras oficiais) de desaparecidos e acabar com a impunidade generalizada dos desaparecimentos, execuções e tortura no país”, escreveu Vivanco em declarações feitas ao EL PAÍS, por e-mail.
Sobretudo os Estados Unidos, que, para Vivanco, “deveria deixar de certificar que o México cumpriu as condições de direitos humanos incluídas em sua legislação de assistência ao México, diante das provas concretas de que não o está fazendo”.
Venezuela
Na lista de países que preocupam a HRW, também consta a Venezuela, devido à grave deterioração dos direitos humanos no país, especialmente devido à reação oficial e às sequelas deixadas pelos protestos de cidadãos na primeira metade de 2014, incluindo a detenção de dirigentes opositores como Leopoldo López.
A organização denuncia uma violação sistemática de direitos humanos por parte das forças de segurança venezuelanas, que “empregam rotineiramente o uso ilegítimo de força contra manifestantes desarmados”. Além disso, diz a HRW, durante as detenções, muitos dos detidos – mais de 3.300, segundo números oficiais – sofreram abusos como “espancamentos violentos, choques elétricos ou queimaduras”.
Tudo isso em um contexto no qual a justiça “deixou de atuar como poder independente do Governo” de Maduro, que por sua parte “ampliou e exerceu de forma abusiva seus poderes de regular os meios de comunicação” e procurou marginalizar os defensores dos direitos humanos do país.
Para Vivanco, a comunidade internacional “tem a obrigação de ficar firme e exercer pressão sobre o Governo de Maduro”.
O relatório considera indispensável que especialmente os latino-americanos “pressionem o Governo da Venezuela” nessa questão, porque “quando as queixas vêm de governantes com credibilidade democrática”, ele destaca, o custo político de ignorá-las é “altíssimo”.
Colômbia
A violência associada a décadas de conflito armado na Colômbia continua a pesar sobre o país, apesar dos esforços de negociar em Cuba a paz com guerrilhas como a das FARC, um processo para o qual Vivanco declara seu “apoio total”.
Para a HRW, são especialmente graves os vários projetos de lei promovidos pelo Governo de Juan Manuel Santos – sobretudo pelo ministro da Defesa, Juan Carlos Pinzón – que limitariam o julgamento dos assassinatos de civis cometidos por militares, os famosos “falsos positivos”, com isso favorecendo a impunidade.
Esses projetos de lei “gerariam um risco grave de que essas causas fossem transferidas da justiça penal ordinária para o sistema de justiça militar, que carece de independência e tem um histórico deplorável em termos de investigações de violações de direitos humanos”, adverte o informe.
Soma-se a isso a implementação “sumamente lenta” tanto da Lei de Justiça e Paz para paramilitares desmobilizados como do processo de restituição de terras incluído na Lei de Vítimas. Tudo isso em um ambiente contínuo de “ameaças e ataques” contra defensores dos direitos humanos, jornalistas e sindicalistas.
Cuba
O acordo com os Estados Unidos anunciado em meados de dezembro para normalizar as relações entre os dois países, depois de 50 anos de tensões, e a libertação de 53 presos políticos que o acompanhou, não suavizaram as críticas da HRW à situação dos direitos humanos em Cuba e à contínua repressão governamental aos “indivíduos e grupos que expressam críticas ou reivindicam direitos fundamentais”.
A organização cita cifras da opositora Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional (CCDHRN), que disse ter recebido mais de 7.000 denúncias de detenções arbitrárias entre janeiro e agosto de 2014. De acordo com a HRW, esse número representa um aumento drástico em relação a 2013 (2.900 denúncias) e 2010 (1.100).
Apesar dos 53 prisioneiros libertados, a organização lembra que outras dezenas de presos políticos continuam na prisão e que, de modo geral, qualquer cubano que se mostre crítico em relação ao Governo corre o risco de ser processado criminalmente, sem garantias de um julgamento justo.
Para Vivanco, não se deve pecar pela ingenuidade e pensar que haverá mudanças imediatas na situação dos direitos humanos em Cuba depois das negociações com os EUA. Mesmo assim, ele observa, se Washington conseguir envolver as democracias da região no processo, “será muito mais provável que isso obrigue o Governo cubano a melhorar seu histórico deplorável em matéria de direitos humanos”.
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Human Rights Watch alerta para o retrocesso dos direitos humanos na América - Instituto Humanitas Unisinos - IHU