Por: André | 23 Janeiro 2015
“O nível de corrupção e manipulação que caracteriza a economia e a política externa dos Estados Unidos de hoje era impossível em outros tempos, quando a ambição de Washington era constrangida pela União Soviética. A ganância pelo poder hegemônico tornou Washington o governo mais corrupto do planeta”, escreve o economista norte-americano Paul Craig Roberts.
Fonte: http://bit.ly/1ATb7ds |
“A consequência disto é a ruína. O futuro dos EUA é a ruína”, conclui.
O artigo de Paul Craig Roberts foi publicado em Information Clearing House, 16-01-2015, e traduzido e reproduzido pelo blog do Castor Filho.
Paul Craig Roberts é economista norte-americano, escritor, colunista, ex-adjunto do Secretário do Tesouro, editor-associado do Wall Street Journal e autor do livro The Failure of Laissez Faire Capitalism, entre outros. Seu último livro é How America was lost.
Eis o artigo.
Os neoconservadores instalados em seus gabinetes em Washington devem estar em festa com seu sucesso em usar o episódio Charlie Hebdo para reunir a Europa ao redor da política externa dos Estados Unidos. Acabaram os votos dos franceses ao lado dos palestinos contra as posições EUA/Israel. Não mais crescerá a simpatia dos europeus em relação aos palestinos. Findou-se o crescimento da oposição europeia ao lançamento de mais e mais guerras no Oriente Médio. Não mais acontecerão apelos do presidente francês para que sejam suspensas as sanções contra a Rússia.
Mas por acaso os neoconservadores em Washington entenderam, também, que amarraram os europeus aos partidos políticos anti-imigração de extrema-direita? A onda de apoio ao Charlie Hebdo é a mesma onda de apoio à Frente Nacional de Marine Le Pen (na foto, à esquerda), do Partido Independente do Reino Unido de Nigel Farage (na foto, à direita) e do alemão Pegida em que está engolfada a Europa. Foi o fervor anti-imigração pensado e orquestrado para reunir europeus a Washington e Israel que deu a estes partidos a perspectiva de poder que hoje ostentam.
Fonte: http://bit.ly/1ATb7ds |
Mais uma vez os insolentes e arrogantes neoconservadores estão errados. O fortalecimento dos partidos anti-imigração tem o potencial para revolucionar a política europeia e destruir o império de Washington. Ver minha entrevista ao King World News com análises sobre o potencial que estes acontecimentos têm de mudar o jogo.
A notícia do jornal inglês Daily Mail e do site Zero Hedge de que a Rússia cortara totalmente as entregas de gás para seis países europeus deve ser incorreta. Reconhecendo embora a credibilidade destas fontes bem informadas, não se observa a turbulência política e financeira que aconteceria fatalmente se o relato fosse verdadeiro. Portanto, a menos que em relação a essa notícia esteja acontecendo um total blackout noticiário, as ações da Rússia foram mal interpretadas. [NR]
Sabemos que alguma coisa realmente aconteceu. Caso contrário, não haveria como explicar a consternação expressa pelo assessor para a energia da União Europeia, Maros Sefcovic. Embora eu não tenha ainda uma informação definitiva, creio saber o que realmente ocorreu. A Rússia, cansada dos ladrões ucranianos, que roubam o gás que passa através do país em seu percurso até a Europa, tomou a decisão de enviar o gás através da Turquia, descartando a Ucrânia.
O ministro da Rússia para a Energia confirmou esta decisão acrescentando que se os países europeus quiserem ter acesso a este abastecimento de gás deverão construir suas próprias estruturas ou gasodutos.
Em outras palavras, não há corte no presente, mas há potencial para um corte no futuro.
Os dois eventos – Charlie Hebdo e a decisão russa de cessar a entrega de gás para a Europa através da Ucrânia – devem nos lembrar de não descartar eventuais black swans [1] e que black swans podem surgir de consequências não intencionais de decisões oficiais. Nem mesmo a “superpotência” americana está imune a black swans.
Há tanta evidência circunstancial de que a CIA e a inteligência francesa foram responsáveis pelo tiroteio no Charlie Hebdo como de que os disparos foram perpetrados pelos dois irmãos, cujo cartão de identidade foi convenientemente esquecido no suposto carro de fuga. Como a França agiu de forma a ter a certeza de que os irmãos seriam mortos antes de poderem falar, nunca saberemos o que teriam a dizer acerca da trama.
A única evidência existente de que os irmãos eram os culpados pelo atentado é a afirmação das forças de segurança. Sempre que ouço o governo acusar sem evidências reais lembro-me das “armas de destruição em massa” de Saddam Hussein, de que Assad “fazia uso de armas químicas” e de que o Irã “teria um programa de fabricação de armas nucleares”. Se um assessor da Segurança Nacional pode fazer aparecer a partir do nada “uma nuvem em forma de cogumelo sobre uma cidade americana”, então Cherif e Said Kouachi podem ser transformados em assassinos. Afinal, estão mortos mesmo e não podem reclamar.
Se isto foi (e nunca saberemos) uma operação de falsa bandeira, então foi alcançado o objetivo de Washington de reunificar a Europa sob Washington com os aplausos de Israel. Porém há uma consequência inesperada neste sucesso. A consequência inesperada é unificar a Europa sob a bandeira da política de anti-imigração dos partidos de direita, reforçando os líderes destes partidos.
Caso estas suposições estejam corretas, então Marine Le Pen e Nigel Farage estarão com suas vidas e/ou reputações em perigo, pois Washington resistirá a qualquer ascensão de lideranças que não adotem as linhas que impõe.
A grande consternação causada pela decisão russa de relocalizar o ponto de entrega do seu gás à Europa (na Turquia) é uma prova de que a Rússia possui muitas cartas para jogar que podem desestabilizar as estruturas financeiras do ocidente.
A China possui cartas semelhantes.
Os dois países ainda não estão jogando estas cartas sobre a mesa, pois pensam que ainda não precisam. Em vez disso, as duas potências estão se retirando do sistema financeiro ao serviço da hegemonia ocidental sobre o mundo. Ambos os países estão criando todas as instituições econômicas de que precisam para se tornarem completamente independentes do ocidente.
Portanto, o raciocínio dos governantes chineses e russos é: "Porque ser provocador e esbofetear os idiotas ocidentais... eles podem usar as armas nucleares que possuem e o mundo inteiro estaria perdido. Vamos simplesmente afastar-nos no momento em que eles, com as suas provocações, nos encorajam a partir.
Sejamos, pois, agradecidos ao fato de que Vladimir Putin e os líderes chineses são inteligentes e humanos, ao contrário dos líderes ocidentais.
Imaginem as terríveis consequências para o ocidente se Putin se tornasse pessoalmente envolvido em consequência das numerosas afrontas que sofrem tanto a Rússia como ele próprio. Putin pode destruir a OTAN e todo o sistema financeiro ocidental no momento que quiser. Tudo o que tem a fazer é anunciar que como a OTAN declarou guerra econômica contra a Rússia, esta não mais venderá energia a membros da OTAN.
A consequência seria a dissolução da OTAN, pois a Europa não pode sobreviver sem os abastecimentos energéticos da Rússia. Seria o fim do império de Washington.
Putin percebe que os insolentes neoconservadores teriam de apertar o botão nuclear a fim de salvar a face. Ao contrário de Putin, seus egos estão em causa. Portanto, Putin salva o mundo da guerra nuclear ao não se deixar provocar.
Agora, imagine se o governo chinês perdesse a paciência com Washington. Para confrontar a “excepcional, indispensável e único potência” com a realidade da sua impotência, tudo o que a China precisa fazer é despejar no mercado seus ativos financeiros maciços denominados em dólar, tudo de uma vez só, da mesma forma que os agentes bancários do Federal Reserve despejam maciçamente no mercado de futuros contratos de ouro a descoberto.
A fim de evitar o colapso financeiro dos EUA, o Federal Reserve teria de imprimir montantes maciços de novos dólares com os quais comprar a avalanche despejada pelos chineses. Como o Federal Reserve protegeria os mercados financeiros estadunidenses através da compra dos haveres despejados pelos chineses, estes últimos nada perderiam com a venda. Mas o passo seguinte é que é fatal. O governo chinês simplesmente despejaria a quantidade maciça de dólares recebida pela liquidação dos seus instrumentos financeiros denominados em dólar.
O que aconteceria em seguida? O Federal Reserve pode imprimir dólares com os quais comprar os haveres despejados pelos chineses denominados, mas o Fed não pode imprimir moeda estrangeira com a qual comprar os dólares despejados no mercado.
A oferta maciça de dólares despejados pela China no mercado de câmbios não encontraria compradores. O valor do dólar entraria em colapso. Washington não poderia mais pagar suas contas através da impressão de dinheiro. Os americanos, que vivem em um país dependente de importações, graças aos empregos que foram deslocados para outros países, seriam confrontados com altos preços que afetariam de forma severa seu modo de vida, que desgastaria o seu padrão de vida. Os Estados Unidos experimentariam instabilidade econômica, social e política.
Deixando de lado suas lavagens cerebrais, seus apoios defensivos e patrióticos ao regime em Washington, os americanos precisam perguntar a si mesmos: Como pode o governo dos Estados Unidos, uma alegada superpotência, ser tão inconsciente das suas verdadeiras vulnerabilidades a ponto de Washington ser capaz de pressionar duas potências reais até o ponto de elas dizerem basta e jogarem as cartas que possuem?
Os americanos precisam entender que a única coisa realmente excepcional acerca dos Estados Unidos é a ignorância da população e a estupidez do governo.
Qual outro país no mundo deixa um bando de crápulas da Wall Street controlar a sua economia e política externa, dirigir o seu Banco Central e o seu Tesouro e subordinar os interesses dos seus cidadãos aos interesses dos bolsos de um por cento [da população]?
Fonte: http://bit.ly/1ATb7ds |
Uma população tão despreocupada está totalmente à mercê de Rússia e da China.
Ontem houve um novo evento tipo black swan, o qual poderia desencadear muitos outros: o Banco Central suíço anunciou o fim da ligação [pegging] do franco suíço ao euro e ao dólar.
Três anos atrás a fuga de dólares e euros para o franco suíço elevou tanto o valor cambial do franco que isto passou a ameaçar a própria existência da indústria suíça de exportação. O país anunciou então que quaisquer novas entradas de divisas estrangeiras convertidas em francos seria cumprida pela criação de novos francos a fim de absorver a entradas de modo a não elevar ainda mais a taxa de câmbio futura. Em outras palavras, a Suíça ligou o franco.
Ontem o Banco Central suíço anunciou que essa ligação cessou. O valor do franco subiu no mesmo instante. Ações de companhias suíças tiveram queda significativa, e hedge funds erradamente posicionados sofreram grandes golpes na sua solvência.
Por que a Suíça desligou o franco? Não se trata de uma ação sem custos. Para seu Banco Central e sua indústria de exportação, o custo será substancial.
A resposta é que o Procurador-Geral da UE determinou que era permissível para o BCE iniciar uma ação de Quantitative Easing – ou seja, a impressão de novos euros – a fim de salvar (bail out) banqueiros privados dos erros que cometeram. Isso significa que a comunidade financeira da Suíça ficaria na expectativa de ser confrontada com uma fuga maciça do euro e que o Banco Central suíço não deseja imprimir novos francos para manter a ligação. O banco central suíço acredita que teria de acelerar tanto a máquina de impressão que oferta monetária suíça explodiria, excedendo em muito o PIB do país.
A política de imprimir dinheiro sem lastro dos Estados Unidos, Japão e agora presumivelmente da União Europeia tem forçado outros países a inflar suas próprias moedas a fim de impedirem o aumento do valor de troca das suas divisas, o que prejudicaria sua capacidade exportadora e de ganhar divisas estrangeiras com as quais pagar suas importações. Assim, Washington tem forçado o mundo a imprimir dinheiro.
A Suíça retirou-se deste sistema. Seguir-se-ão outros? Ou será que o resto mundo vai simplesmente seguir os governos da Rússia e da China em seus novos arranjos monetários, virando as costas para o ocidente corrupto e incorrigível?
O nível de corrupção e manipulação que caracteriza a economia e a política externa dos Estados Unidos de hoje era impossível em outros tempos, quando a ambição de Washington era constrangida pela União Soviética. A ganância pelo poder hegemônico tornou Washington o governo mais corrupto do planeta.
A consequência disto é a ruína.
“A liderança passa a império. O império gera a insolência. A insolência traz a ruína.”
O futuro dos EUA é a ruína.
NT
[1] Acontecimentos inesperados que provocam consequências imprevisíveis. A expressão foi forjada por Nicholas Taleb no livro com o mesmo título.
[2] Quantitative easing: flexibilização monetária, facilitação monetária, facilitação quantitativa, etc. Trata-se de emitir dinheiro sem lastro.
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O futuro dos Estados Unidos será a ruína. Artigo de Paul Craig Roberts - Instituto Humanitas Unisinos - IHU