09 Janeiro 2015
"Alguém enviou-me uma nota curiosa há mais ou menos uma semana, tentando confirmar um 'boato' de que especialistas em algumas das universidades pontifícias de Roma teriam sido 'convidados a preparar discretamente documentos preliminares para um concílio ecumênico a ser convocado durante ou após o Sínodo de 2015'. Se queixas contra a Cúria Romana ou a seleção não convencional de novos cardeais podem causar tamanha consternação, basta imaginar o que isso faria!"
A análise é de Robert Mickens, editor-chefe da revista Global Pulse. Desde 1986, vive em Roma, onde estudou teologia na Pontifícia Universidade Gregoriana, antes de trabalhar na Rádio Vaticano por 11 anos e, em seguida, como correspondente do jornal The Tablet de Londres. O artigo foi publicado no sítio da revista Commonweal, 07-01-2015. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Eis o texto.
Já estamos na segunda semana de 2015, mas mesmo vários dias antes de entregar o ano velho para os anais da história do Vaticano, o Papa Francisco indicou que o novo ano seria provavelmente cheio de surpresas. Sim, por sua agora famosa denúncia de algumas das quinze doenças espirituais, morais e organizacionais que, segundo ele, ameaçam a saúde e a santidade da Cúria Romana. Isso causou uma tempestade entre alguns comentaristas, especialmente aqueles já críticos dele por autorizar o cardeal Walter Kasper a explorar a possibilidade de permitir que católicos divorciados e recasados possam receber a Eucaristia.
Eles advertiram que, se o papa continuasse a agir assim, iria acabar alienando as próprias pessoas (bispos) que ele precisa que estejam do seu lado, a fim de que suas reformas sejam bem sucedidas. Um crítico o acusou de ser imprevisível a ponto de confundir o "católico médio". Mas para aqueles que estavam prestando atenção, no dia de Ano Novo, este "papa do povo", respondeu a essa suposição sem fundamento. No final de sua homilia, na missa na Basílica de São Pedro, ele contou uma história sobre os primeiros cristãos de Éfeso que pressionavam os bispos para que apoiassem a sua crença na maternidade divina de Maria. "Conta-se, mas não sei se a história é verdadeira, que alguns de entre aquelas pessoas tinham bastões na mão, talvez para dar a entender aos bispos o que lhes aconteceria se não tivessem tido a coragem de proclamar Maria 'Mãe de Deus'", disse o papa. Quais são as pessoas que exigem algo da Igreja e de seus bispos hoje? Francisco parecia identificar isso antes, quando disse que era "na Igreja que Jesus continua a realizar seus atos de graça que são os sacramentos". Mas, acrescentou, quase enigmaticamente, que a Igreja deve ser "como uma mãe que guarda Jesus com ternura e O dá a todos com alegria e generosidade" (grifo meu). Soa muito com o que os ministros da Eucaristia fazem.
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Naturalmente, "A lista de Bergoglio" também causou um pouco de agitação entre os críticos do papa. Não é o livro que leva esse título, que narra como ele supostamente ajudou a salvar muitas vidas durante a guerra suja na Argentina. Não, refiro-me à lista que ele leu no domingo passado, anunciando os novos cardeais que ele irá criar no Consistório do próximo mês. A maioria dos nomes e lugares foram imprevisíveis e inesperados. Quatro países terão um cardeal pela primeira vez na história. Eles incluem: Panamá, Cabo Verde e Tonga, onde o cardeais designados são apenas "bispos" de pequenas dioceses. O outro é Myanmar (Burma). Alguns deles têm populações católicas minúsculas e todos eles são - na mente de certos centralizadores romanos - praticamente entidades não existentes do quinto dos infernos eclesiásticos. Mesmo os italianos, que ganharam mais dois cardeais que somam-se aos quatro que eles ganharam da última vez, ficaram surpresos que o Patriarca de Veneza e Arcebispo de Turim foram preteridos por arcebispos das muito menores e "menos importantes" sedes de Agrigento (Sicília) e Ancona.
E se você acha que o Papa Francisco irritou alguns prelados do Vaticano no mês passado com sua rotina do profeta Jeremias, você não pode imaginar como alguns estão se sentindo depois que ele anunciou que apenas uma única autoridade da Cúria seria nomeada como cardeal desta vez. Mais uma vez, o papa argentino deixou pra trás Dom Jean-Louis Bruguès, dominicano francês de 71 anos de idade, a quem Bento XVI nomeou chefe da Biblioteca Apostólica um pouco antes de renunciar ao papado. Esse posto sempre foi de um cardeal.
Um cardeal sempre dirigiu também o Pontifício Conselho para a Família, e com tal foco na família nesse ano se poderia ter apostado que o atual presidente do Conselho, o arcebispo Vincenzo Paglia, iria obter o chapéu vermelho depois de três anos no posto. Os chefes de três outros conselhos pontifícios também foram deixados de fora da lista - arcebispos Claudio Celli (oito anos no Conselho das Comunicações Sociais), Zygmunt Zimowski (quase seis anos no Conselho para a Pastoral no Campo da Saúde) e Rino Fisichella (quase cinco anos na Nova Evangelização). Então, novamente, é provável que nenhum desses escritórios continue a existir por muito mais tempo em sua forma atual, se o Papa Francisco conseguir reformar a Cúria.
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Alguém enviou-me uma nota curiosa há mais ou menos uma semana, tentando confirmar um "boato" de que especialistas em algumas das universidades pontifícias de Roma teriam sido "convidados a preparar discretamente documentos preliminares para um concílio ecumênico a ser convocado durante ou após o Sínodo de 2015". Se queixas contra a Cúria Romana ou a seleção não convencional de novos cardeais podem causar tamanha consternação, basta imaginar o que isso faria! No início, eu a descartei como pura fantasia. Então, pensei que um rumor como tal pode ter suas origens nos "clericalistas", tanto leigos quanto ordenados, que vêem Francisco como o "inimigo número 1" da Igreja retrógrada que eles estavam seriamente tentando recriar na última década.
Sério, com a atual safra de bispos nomeados nos últimos vinte anos, um concílio pode parecer uma estratégia vencedora para reinserir a "retrodoxia". Mas a questão é saber se o Papa Francisco realmente iria convocar um concílio neste momento. Há uma série de razões pelas quais isso parece improvável. Primeiro, ele tem mostrado que abraça a eclesiologia do Vaticano II, que ainda não foi adequadamente implementada nas estruturas da Igreja. Por isso, convocar outro concílio parece prematuro neste momento, embora muitos pensaram a mesma coisa quando João XXIII convocou o Concílio Vaticano II.
Em segundo lugar, para que um concílio seja verdadeiramente ecumênico, as outras partes da Igreja (dividida) teriam que estar envolvidas, o que não parece nada provável. Por outro lado, a ausência de ortodoxos e de comunidades separadas da Igreja Ocidental não excluiria um concílio geral para aqueles que estão em comunhão com Roma.
Mas a terceira razão pela qual não é provável que isso aconteça é a mais convincente. O Papa Francisco está tentando desenvolver o Sínodo dos bispos para que o princípio da sinodalidade torne-se uma parte permanente da estrutura de governo da Igreja universal. Meu palpite é que, em vez de convocar um concílio, o papa vai continuar a renovar e a expandir o Sínodo. Mais plausível é que a próxima sessão de outubro, por exemplo, provavelmente terá que ser prolongada.
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Novos cardeais e rumores de um concílio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU