18 Dezembro 2014
O momento estava mais para "Kumbaya" do que para "Come to Jesus" na terça-feira, 16 de dezembro, quando o Vaticano divulgou os resultados tão esperados de uma investigação das comunidades religiosas femininas nos EUA, a primeira de duas controversas investigações de religiosas norte-americanas pela Cúria Romana.
A reportagem é de David Gibson, publicada no sítio Religion News Service, 16-12-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
O relatório de 5.200 palavras foi muito positivo, e os participantes em uma coletiva de imprensa no Vaticano foram ainda mais efusivos em seus elogios mútuos e para o processo, o resultado e as perspectivas para a futura colaboração para enfrentar os desafios graves. Essa foi uma grande mudança em comparação ao estado das coisas quando tudo começou há seis anos.
Então, o que podemos aprender com toda essa saga? Aqui estão três tópicos:
1. A "guerra de Roma contra as mulheres" terminou
"Não é uma trégua", disse aos jornalistas, em Roma, Sharon Holland, religiosa e presidente da Leadership Conference of Women Religious (LCWR), a principal rede de freiras norte-americanas. "Nós não estamos em guerra."
Mas, com certeza, parecia dessa forma durante anos, especialmente na época do agora aposentado Papa Bento XVI, que autorizou as duas investigações. Outros clérigos no âmbito desse pontificado mais conservador também implantaram regularmente uma retórica afiada contra o que eles viam como impulsos feministas entre freiras e mulheres católicas em geral, ao passo que qualquer coisa que cheirasse a uma "teologia feminista" era muitas vezes alvo de censura.
As coisas estão diferentes com o Papa Francisco? Certamente parece que sim. Francisco minimizou privadamente esses tipos de investigações do Vaticano e está ansioso para promover o diálogo e uma Igreja mais colaborativa, focada na missão, e não em disputas internas.
"Pax Romana" é o termo dado a uma era de paz imposta pela poderosa força militar do Império Romano muito tempo atrás. Essa aproximação entre a Igreja Romana e as freiras é o fruto do diálogo - a "Pax Franciscana", como disse Massimo Faggioli, um historiador da Igreja na Universidade de St. Thomas.
2. Mas a batalha continua
Embora tão satisfeitos como todos pareciam estar esta semana, não há nenhuma garantia de que os resultados da segunda e mais polêmica investigação serão tão conciliatórios.
Essa investigação foi efetivamente uma aquisição hostil da LCWR e foi lançada sobre as freiras americanas (e a maioria dos bispos dos Estados Unidos) em abril de 2012. No lançamento da campanha, o Vaticano criticou duramente as irmãs pela sua percebida frouxidão doutrinária e pelo seu foco na justiça social, acima das questões polêmicas sobre a sexualidade.
Os católicos praticantes posicionaram-se fortemente do lado das freiras, mas, enquanto a visitação que foi concluída essa semana foi executada pelo departamento do Vaticano responsável pelas ordens religiosas - e presidida pelo cardeal João Braz de Aviz, um aliado de Francisco -, o inquérito da LCWR está sendo executado pela Congregação para a Doutrina da Fé do Vaticano.
O escritório doutrinário é dirigido por um teólogo alemão conservador, o cardeal Gerhard Müller, que foi nomeado por Bento. Müller se opôs abertamente a algumas das reformas buscadas por Francisco e continuou a ter uma postura crítica em relação à LCWR.
Fontes da Igreja dizem que esperam que a investigação da LCWR seja concluída este ano, porque Francisco quer isso terminado e pronto. Enquanto o seu veredicto possa ser mais suave do que se Bento XVI ainda fosse papa, ele ainda pode conter uma linguagem mais dura do que qualquer coisa ouvida na terça-feira.
Também: Francisco disse que a Igreja deve "trabalhar mais duramente para desenvolver uma profunda teologia da mulher" e apelou para uma maior presença de mulheres na Cúria e um maior papel para o "gênio feminino" na Igreja como um todo. Mas ainda temos que esperar para ver o que isso vai significar na realidade.
3. Os amplificadores conservadores da Igreja quebraram
O clérigo do Vaticano que lançou a visitação em 2008 foi o cardeal Franc Rodé, que mais tarde foi substituído pelo mais progressista Braz de Aviz.
Em uma entrevista de 2009 para a Rádio Vaticano, Rodé disse que a investigação foi necessária devido a temores de que uma "mentalidade laicista" e um "espírito feminista" tinham afetado as freiras norte-americanas.
E a fonte dessas suspeitas? "Algumas críticas chegaram dos Estados Unidos, e um importante representante da Igreja norte-americana me alertou sobre algumas irregularidades ou deficiências na vida das mulheres religiosas", disse ele, sem citar nomes.
Essa é, de fato, a forma como o Vaticano recebia suas informações sobre o catolicismo norte-americano, via colegas conservadores que iam reclamar, de forma forte e com frequência, e que encontravam um ouvido simpático em Roma.
Não mais. Francisco não poupa esforços para ouvir muitas e variadas opiniões e quer que todos na Igreja falem franca e abertamente de forma que um ponto de vista não domine e ofereça uma imagem distorcida da realidade.
Ouvindo todos os lados antes de iniciar uma investigação poderia reduzir a curva de aprendizagem e evitar muitos dramas pelo caminho.
"Agora eu entendo, como nunca antes, quão enriquecida e abençoada a Igreja dos Estados Unidos é por causa das inúmeras experiências e dons de suas atuais 50.000 religiosas e pelas multidões de mulheres dedicadas que nos precederam", disse a Madre Mary Clare Millea, a quem o Vaticano indicou para conduzir a investigação, na coletiva de imprensa na terça-feira, em Roma.
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Vaticano versus freiras: três tópicos do relatório da visitação apostólica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU