17 Dezembro 2014
Após a "grande dor" que a visitação do Vaticano causou a muitas irmãs, o relatório final é um documento positivo que elogia a contribuição extraordinária das religiosas nos Estados Unidos.
A análise é de James Martin, S.J., publicada no sítio da revista America, dos jesuítas dos EUA, 16-12-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Eis o texto.
As religiosas católicas dos Estados Unidos podem dar um suspiro de alívio. O relatório final da investigação do Vaticano das ordens religiosas femininas norte-americanas, divulgado nessa terça-feira, é um documento positivo, por vezes até adulatório, que elogia as muitas contribuições das religiosas no país. Ele adota uma abordagem generosa e não inclui nenhuma das críticas que muitas irmãs norte-americanas temiam quando a visitação foi anunciada pela primeira vez em 2008. (Esta avaliação é separada da investigação do Vaticano da Conferência de Liderança de Mulheres Religiosas - LCWR).
O relatório da "Visita Apostólica", emitido pela congregação do Vaticano que supervisiona as ordens religiosas, também oferece um retrato útil dos desafios que as comunidades religiosas que a maioria das mulheres enfrentam neste país: vocações em declínio; escassez de recursos financeiros já que as irmãs não tem sido "recompensadas" de forma suficiente ao longo da história, como afirma o relatório; e dificuldades em encontrar mulheres suficientemente jovens para papéis de liderança em suas congregações. Como tal, é um documento que provavelmente será bem recebido por muitas das mulheres religiosas, consideradas heroinas por muitos católicos norte-americanos.
O relatório é perceptivelmente sobre aquilo que ele não faz. Ele não emite condenações gerais. Ele não define uma lista de novas regras para as ordens religiosas femininas nos Estados Unidos. Ele não pede às irmãs para abandonar seu trabalho na justiça social. Ele não condena o feminismo - um tópico mencionado explicitamente no início como um dos fatores que motivaram a investigação - de fato, a palavra nem sequer é mencionada. Ele não pede qualquer ação por parte das ordens religiosas, exceto em termos mais gerais, e quando ele faz isso incentiva ações que todas as ordens religiosas são incentivadas a realizar: rezar mais, refletir sobre formas de como aumentar as vocações, considerar suas relações com a Igreja hierárquica. O relatório não coloca as religiosas em situação de falência como foi feito, essencialmente, com a LCWR.
Principalmente, ele não critica as irmãs norte-americanas, mas as elogia.
O documento é uma visão geral e, em geral, positiva, do que os autores espirituais chamam de "luzes e sombras" nas ordens religiosas femininas de hoje.
Quando a Visita Apostólica foi anunciada em 2008, muitas irmãs norte-americanas expressaram um profundo sentimento de consternação e desmoralização como resultado. Tal visitação era, como o relatório final admite, "quase sem precedentes". Normalmente, essas visitações - geralmente realizadas por um bispo local, e não por congregações do Vaticano - vêm em resposta a um escândalo grave ou má-fé. Embora o relatório diga que as visitações são "normais", elas tratam mais de visitações internas, ou seja, quando um superior religioso visita sua própria comunidade. Em suma, uma Visitação do Vaticano é geralmente reservada para um evento grave. As vocações estavam em declínio, como todos sabiam, mas essa era a razão para a visitação?
A gênese para a visitação, então, parecia misteriosa, o que frustrou muitas irmãs com quem falei na época. (Madre Mary Clare Millea, ASCJ, a "Visitadora", admite isso em uma entrevista com a Ir. Walsh, RSM, à revista America). Com o passar do tempo, as suas origens tornaram-se mais claras.
De acordo com várias fontes, o cardeal Bernard Law, ex-arcebispo de Boston, que renunciou após as crises generalizadas de abuso sexual em sua arquidiocese, foi identificado como um dos principais motores por trás da investigação. Um pouco da insatisfação do cardeal e outros com as religiosas se cristalizou em uma conferência no Stonehill College, em 2009, quando uma irmã execrou publicamente as irmãs norte-americanas por criarem "corporações globais de negócios operadas por femninistas" e "controlar todas as estruturas e recursos". O cardeal Franc Rodé, então prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, congregação responsável pela visitação, fez um discurso fortemente crítico em Stonehill sobre o estado da vida religiosa das mulheres, dizendo que muitas das ordens caracterizavam-se por uma "certa estirpe de feminismo, agora fora de moda".
No ano seguinte, em 2009, o cardeal Rodé repetiu sua crítica: "Acima de tudo, pode-se falar de uma certa mentalidade secularista que se espalhou entre as famílias religiosas, talvez até um certo espírito 'feminista'". Não muito tempo depois, a Congregação para a Doutrina da Fé, anunciou uma investigação separada da LCWR, que representa a maioria das congregações femininas nos Estados Unidos.
As religiosas neste país, não surpreendentemente, sentiram-se acuadas.
Uma frase em particular incomodou muitas irmãs com quem falei: a visitação iria investigar a sua "qualidade de vida". Uma religiosa na casa dos 70 anos, disse-me naquela época, "Quem está investigando a qualidade de vida dos bispos e padres?". Outra irmã foi mais incisiva: "Estamos em nossos 70 e 80 anos de idade. Por que eles não nos deixam em paz?".
Mas com o tempo os medos das irmãs pareceram diminuir, especialmente após a nomeação do arcebispo Joseph Tobin como secretário da Congregação em 2010. Logo no início, o arcebispo Tobin, que também foi superior geral de sua ordem religiosa dos Redentoristas, adotou um tom mais pastoral, pedindo "justiça e caridade" na visitação. O arcebispo Tobin, mais tarde, deixou a Congregação depois de ser nomeado arcebispo de Indianapolis.
Dois anos depois, em 2011, muitas irmãs norte-americanas saudaram a nomeação do novo prefeito, cardeal João Braz de Aviz, que disse que a investigação (separada) da LCWR lhe tinha causado "grande dor". O cardeal Aviz também disse que seu objetivo principal em seu papel era o de "reconstruir a confiança" e "ouvir de novo". Muitas irmãs com quem conversei acharam que essas observações podiam denotar uma abordagem mais suave para a investigação. Eles estavam corretas.
Depois de oferecer louvor efusivo pela contribuição histórica de seu "desinteressado atendimento às necessidades espirituais, morais, educacionais, físicas e sociais de inúmeros indivíduos", e destacando o trabalho educacional, o relatório apresenta a sua própria razão para a visitação - que foram os "tempos difíceis" nas quais as ordens se encontram. (Mais uma vez, observe a ausência de uma referência ao feminismo.)
As religiosas, bem como os seus colegas e amigos, vão encontrar no relatório uma representação justa da situação das irmãs católicas nos Estados Unidos. Elas estão envelhecendo, em sua maioria na casa dos 70 anos, com vocações em declínio, mas tem um "sentimento forte" da história de suas fundadoras e fundadores, e elas "extraem força" do exemplo de seus primeiros e corajosos membros. As irmãs católicas estão intensificando seus esforços para trabalhar com os colegas leigos. Elas estão com dificuldades em termos de promoção vocacional e algumas ordens deixaram a promoção vocacional para trás completamente. A vida em ambientes comunitários é "variada", desde irmãs que vivem em grandes casas até algumas que estão vivendo por conta própria, geralmente por razões de ministério ou de saúde. As irmãs estão ativamente engajadas no trabalho de justiça social. Elas, muitas vezes, lutam pela sobrevivência. Por tudo isso, a Congregação as elogia pelo seu serviço "dedicado e abnegado".
Mas o relatório não evita as coisas difíceis que a visitadora ouviu das irmãs, que foram claramente diretas. E foi aqui que o relatório mais me surpreendeu. Algumas irmãs expressaram o desejo de um "maior reconhecimento e apoio da contribuição das religiosas por parte de seus pastores". Em suma, elas se sentem subvalorizadas e com apoio insuficiente dos padres e bispos. Algumas acham que não têm "participação suficiente nas decisões pastorais que lhe afetam ou sobre aquilo que elas têm experiência e conhecimentos consideráveis". (Como se em resposta, o relatório reafirma o desejo do Papa Francisco de ter mais mulheres, e mais religiosas especificamente, envolvidas na "tomada de decisão em diferentes áreas da vida da Igreja".)
O relatório também admite candidamente que a visitação foi recebida com "apreensão e desconfiança" por algumas congregações religiosas que se recusaram a "colaborar plenamente". Algumas congregações, várias irmãs me disseram há alguns anos atrás, quando requisitadas a explicar a sua "qualidade de vida", simplesmente enviaram uma cópia de suas constituições.
Em vários pontos, o relatório exorta as irmãs a aprofundar seus carismas (isto é, o espírito fundador das suas ordens), sua vida comunitária, sua vida de oração e sua relação com a Igreja. Ele também observa que o Papa Francisco pediu à Congregação para refletir sobre o Mutuae Relationes, documento que rege as relações entre o Vaticano e ordens religiosas. Mas esses tipos de incentivos são regularmente oferecidos às ordens religiosas. E a revisão do documento do Vaticano vai afetar todas as ordens religiosas - homens e mulheres - e não é uma crítica dirigida às irmãs norte-americanas especificamente. Após a "grande dor" que essa visitação causou a muitas irmãs, o relatório é um documento positivo que elogia a contribuição extraordinária das religiosas no país.
Depois de anos de sofrimento por parte das irmãs dos Estados Unidos e o árduo trabalho da visitadora e sua equipe, o relatório final começa e termina dizendo o que deveria sempre ser dito, e que deveria ter sido dito no início desse processo, para as mulheres corajosas, trabalhadoras e fiéis desse país:
Obrigado, irmãs.
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Irmãs dos EUA: uma elevada qualidade de vida. Artigo de James Martin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU