Por: André | 16 Dezembro 2014
O bispo denunciou que “quem está destruindo o México” não quer entender que “as cidadãs e os cidadãos sempre vão reclamar que nós queremos fazer parte da construção da história do bem e da justiça”.
A reportagem é de Washington Uranga e publicada no jornal argentino Página/12, 14-12-2014. A tradução é de André Langer.
“O que este povo (mexicano) quer é que governem bem e, caso não queiram governar bem, que deixem o cargo”, disse Raúl Vera López, bispo católico de Saltillo, no norte do México, referindo-se aos governantes daquele país e falando para sacerdotes e seminaristas da sua diocese. Mencionando por seu nome o presidente Enrique Peña Nieto sustentou que o que os “maus governantes” querem é que “não vejamos, que permaneçamos cegos diante das más ações, e por isso dizem que quando nos rebelamos contra as injustiças, estamos desestabilizando o país, que buscamos derrubar o governo”.
O bispo denunciou que “aqueles que estão destruindo o México” não querem entender que “as e os cidadãos sempre vão reclamar que nós queremos fazer parte da construção da história do bem e da justiça”, que sabemos distinguir o bem do mal, e “por essa razão, querem nos calar quando nos rebelamos contra as injustiças que cometem, contra a corrupção e a impunidade”.
Em referência direta aos crimes cometidos em Ayotzinapa, Vera disse que “alguns quiseram que permanecêssemos cegos, que as pessoas acreditassem que devem se resignar diante da morte provocada pelas injustiças; quiseram ver um povo resignado a padecer a impunidade, gostariam que não se denunciasse a corrupção”.
Raúl Vera López (69 anos) é engenheiro químico pela Universidade Autônoma do México, filósofo e teólogo, sacerdote desde 1975, bispo desde 1987 e se distinguiu por seu trabalho com os camponeses e habitantes das populações marginalizadas. Na Conferência Episcopal ocupou, desde 1994, um posto na Comissão Episcopal para a Paz em Chiapas, zona na qual atua o Exército Zapatista de Libertação Nacional (EZLN).
Agora o bispo responsabilizou diretamente o “Estado mexicano” pela “impunidade em que se mantêm as ações criminosas dos desaparecimentos forçados de muitos cidadãos”. E em relação ao que aconteceu em Ayotzinapa, disse que “tudo foi cometido sob a luz pública”, porque “estes jovens normalistas foram levados pela polícia publicamente e as pessoas sabem que o município, com sua autoridade principal, seu prefeito, o corpo de segurança pública e tudo o que está a serviço daquele município faz parte do Estado mexicano, pois o município é um dos níveis que, junto com o estadual e o federal, constituem os três níveis do Estado mexicano. Desde o momento em que o prefeito os encobre com seu manto, torna-se responsável por seu desaparecimento, e, portanto, deve ser considerado como crime de Estado”.
Em sua apresentação, sob o título “Já basta”, o bispo disse que “querem nos calar quando nos rebelamos contra as injustiças que cometem, contra a corrupção e a impunidade. Que solução vão dar?”, pergunta. E ele mesmo responde: “Já ouvimos nestes dias com as palavras do próprio presidente Peña Nieto: mais repressão ainda”.
Em virtude da sua atuação na busca de soluções para a paz em Chiapas, em 1995, Vera López foi designado bispo coadjutor de San Cristóbal de las Casas (Chiapas), para trabalhar ao lado do bispo diocesano da época, Samuel Ruiz, um prelado caracterizado por sua proximidade com a Teologia da Libertação latino-americana. De 1995 até a presente data, Vera López é presidente do Centro de Direitos Humanos Frei Bartolomé de las Casas (Chiapas), cargo que manteve após a morte do bispo Ruiz e mesmo quando foi transferido para ser bispo diocesano de Saltillo, em 1999.
Em Saltillo, Vera López criou o Centro Diocesano para os Direitos Humanos Frei Juan de Larios e é reconhecido como um ativo defensor das causas dos trabalhadores, acompanha as lutas dos movimentos sociais e milita em defesa da biodiversidade. O bispo de Saltillo recebeu duras críticas da direita política e católica, particularmente nos últimos tempos por seu trabalho pastoral com a comunidade lésbica e gay. Em 2008, foi o orador principal em Long Beach (Estados Unidos) na XV Conferência Nacional da Associação Nacional de Ministérios Católicos Diocesanos Lésbicos e Gays.
Em outra passagem da sua apresentação por conta dos acontecimentos de Ayotzinapa, o bispo Vera López disse que é importante que “se denuncie neste momento a injustiça e a corrupção tão cínicas que estamos evidenciando”. Porque “é impressionante que isto tenha começado por meio de jovens” que, destacou, “não podemos deixar sozinhos” e tampouco “esquecer tantos jovens que esperam um futuro melhor”. Continuando com sua dura reivindicação, Vera López perguntou-se: “vamos deixar que a infância de nosso país viva em um país feito pó e à mercê dos corruptos? Como vamos deixar estas criaturas sozinhas? Deus nos chama por meio das pessoas mais indefesas para restaurar este país”, afirmou o bispo.
Referindo-se à própria Igreja católica e à Nossa Senhora, principal devoção popular no México, o bispo defendeu que “hoje, Maria não admite covardias nem preguiça, e muito menos indolências” e “não quer pastores que fujam e se escondam dos lobos ou, pior ainda, que se associem com os lobos por meio do silêncio cúmplice diante da destruição do seu povo”.
Finalmente, fez um apelo aos católicos para que, “junto com tantas pessoas de boa vontade que pertencem a outras confissões e outros credos, ou, simplesmente, não aderem a credo algum, sejamos aqueles que verdadeiramente propõem o que deve ser este país, de modo que toda injustiça, toda corrupção e impunidade fiquem superadas por uma nova organização da pátria, fundada na força da justiça e do direito, e no impulso suave do amor e da compaixão para com as nossas irmãs e irmãos que estão sofrendo”.
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Bispo mexicano faz graves denúncias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU