15 Dezembro 2014
"Cardeal, o senhor nunca ouviu falar do Vaticano II?" A partir da conferência proferida pelo cardeal Velasio De Paolis sobre a possibilidade de acesso à comunhão aos divorciados em segunda união, presente na proposição 52 do relatório final do Sínodo passado, o teólogo italiano Andrea Grillo analisa no artigo abaixo a campanha de hostilidade contra o Sínodo e o "pensamento incompleto" proposto pelo papa.
Grillo é professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua. O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 13-12-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No mesmo dia em que foram publicados os Lineamenta em vista do próximo Sínodo Ordinário de 2015, no blog de Sandro Magister era publicada uma palestra do cardeal Velasio De Paolis, duramente crítica contra o documento conclusivo do Sínodo Extraordinário.
É preciso lembrar que o cardeal De Paolis era um dos cinco autores do famoso panfleto "pentapurpurado", que causou frisson antes do Sínodo. Enquanto isso, ele não parece ter mudado de posição; ao contrário, se possível, o seu julgamento se tornou ainda mais duro e mais severo.
Como De Paolis apresenta alguns lugares comuns da recusa "jurídica" do Sínodo, vale a pena se deter sobre os argumentos que ele apresenta, depois sobre a sua fragilidade, para depois concluir no plano mais geral. Mas começo com uma premissa.
1. Concorrência entre dogmática e perspectiva pastoral
Na sua grande obra Verdade e Método, H. G. Gadamer lembra que são duas as disciplinas que precisam de uma "dogmática": a teologia e o direito. A tradição elaborou dogmáticas teológicas e dogmáticas jurídicas, com a justa preocupação de torná-las harmônicas, embora nunca tenha se escondido a diferença que é preciso reconhecer entre uma e outra.
Isso se tornou, no mundo moderno tardio, uma verdadeira dor de cabeça. E seria ingênuo pensar que, em 2014, um teólogo quisesse impor ao direito uma dogmática teológica ou que um jurista quisesse impor à Igreja uma dogmática jurídica.
A difícil harmonia entre as dogmáticas, no entanto, há mais um século, encontro um desafio ulterior: é a de um repensamento mais abrangente, seja no plano teológico, seja no plano jurídico, da competência da mediação dogmática à abordagem "positiva" e à "prática".
Mesmo na Igreja, essa nova consciência já surgiu no século XIX, e no século XX adquiriu uma luz particularmente intensa com o Concílio Vaticano II. Naquele Concílio, a escolha de "não falar diretamente a linguagem dogmática" (nem da teologia, nem do direito) desnorteou quase todos.
Mas a recuperação do campo nutriente da tradição precisava desse gesto forte, que não é negação ou traição de doutrina ou de justiça, mas redescoberta de uma relação que vem antes da representação ou de uma misericórdia que superabunda e orienta a justiça. A vida concreta da tradição, em outras palavras, nunca é simplesmente "aplicação de uma doutrina já conhecida", mas "concretude de relação que permite compreender a sua doutrina".
Nesse horizonte conciliar, também se insere o caminho sinodal, que a Igreja não inventou anteontem, mas que redescobriu, logo depois do Vaticano II, como tarefa própria e como ocasião para renovar a própria missão.
Se, tendo às costas toda essa história, um cardeal de valor, com toda a sua cultura jurídica, considera que pode julgar uma proposição do Sínodo como se fosse simplesmente um "ato de governo" ou uma "disposição legislativa" e põe de pé todo o armamentário do jurista – para mostrar todos os seus limites, as suas incongruências, os seus riscos, as suas tragédias e as escandalosas contradições com a "tradição" –, talvez seja justo parar e levantar algumas perguntas, muito francas, mas em espírito de diálogo.
Ele se expressou sobre uma proposição sinodal como se devesse comentar um artigo do código. Desse modo, com esse método, ele logo negou que devia considerar um documento de trabalho com uma ótica pastoral e em vista de uma mediação de novas condições de vida e de consciência, de história e de relação, que o último século experimentou, e que a Igreja deve assumir.
No fundo do seu raciocínio, há uma falta de reconhecimento. O real é curvado a categorias que o deformam e o censuram, removem-no e estigmatizam-no, mas sem compreendê-lo.
2. Os argumentos dogmático-disciplinares do cardeal
Em síntese, a consideração do Sínodo proposta por De Paolis se concentra na proposição n. 52, dedicada à disciplina referente aos divorciados em segunda união. Diante do ditado da proposta, o fogo cerrado do cardeal jurista passa em revista todos estes assuntos:
a) O texto não deveria ser considerado "texto sinodal", porque não alcançou o "quórum previsto" (mas ele se esquece que o texto não é texto definitivo, mas "texto de trabalho");
b) O texto não é homogêneo, com partes contrapostas, com motivações inadequadas, inapropriadas ou incompletas;
c) A proposição tem formulação limitada, no sentido de que se refere a uma categoria limitada de pessoas, que não deveriam merecer uma atenção particular;
d) Refere-se duramente ao cardeal Kasper, cuja proposta "não se sustenta com nenhum argumento válido" e, por outro lado, já havia sido estudada e rejeitada há 30 anos;
e) A categoria dos "divorciados em segunda união" não é uma categoria particular, mas se resolve na categoria geral das "situações irregulares";
f) Uma concessão da Eucaristia, nesses casos, poderia parecer um prêmio ou um convite a estabelecer novos vínculos;
g) A vida em comum "more uxorio" e a situação permanente de pecado são obstáculos insuperáveis para a comunhão sacramental;
h) A redação do texto gera equívocos: fala-se de "disciplina atual", como se se pudesse modificar tal disciplina, enquanto se trata de uma disciplina fundamentada no direito divino, que, portanto, exclui que a Igreja possa agir de forma diferente;
i) Tratar-se-ia, em caso contrário, de uma "mudança doutrinal", em contraste com a repetida afirmação de não querer mudar a doutrina;
j) Se, depois, se quisesse mudar a doutrina, isso precisaria de estudo, e a competência do Sínodo dos bispos pode ser revogada em dúvida;
k) Por outro lado, em caso de modificação, se correriam riscos de que uma pessoa em estado de pecado mortal, admitida à comunhão eucarística, caia em uma condição de sacrilégio e de profanação da Eucaristia; reitera-se a necessidade do estado de graça santificante para ter acesso à Eucaristia; vê-se posta em discussão a moral sexual fundamentada no VI mandamento; dá-se relevância à convivência e a outros vínculos, em detrimento do matrimônio indissolúvel;
l) Está em jogo não uma questão disciplinar, mas uma doutrina e um magistério indisponível, que supera a competência do Sínodo. A proibição de ter acesso à Eucaristia, portanto, é insuperável e imutável.
3. A fraqueza de um julgamento redutivo por ser apenas jurídico
O que podemos objetar, diante do fogo cerrado dessa "pars destruens" que não tem "pars costruens"? Em primeiro lugar, que não pode e não quer construir nada, senão destruição. A intenção – já evidente "a priori" antes do evento, no livro dos cinco cardeais – é a rejeição de uma lógica complexa.
O Papa Francisco, na famosa entrevista à revista La Civiltà Cattolica, fizera o elogio de um pensamento "incompleto e aberto", enquanto De Paolis quer apenas palavras "completas e fechadas".
É óbvio que o Sínodo, a partir desse ponto de vista, pareça ser, aos seus olhos, como "perigoso a priori". Para o pensamento simples do cardeal, diante da proposição 52, não resta mais nada a fazer senão ridicularizá-la.
Como se faz? É suficiente fingir que o problema não existe. Porque tudo é, deve ser ou ao menos deve parecer já resolvido com a única "disciplina tradicional". E o é de fato: é suficiente chamar os divorciados em segunda união como "adúlteros concubinos", e o jogo está feito.
A doutrina – a verdadeira – já previu tudo, antecipadamente, de modo geral e abstrato. Pois bem, essa é a ideia de De Paolis: nada pode mudar na disciplina do matrimônio, porque a doutrina já previu tudo.
Mas de onde De Paolis tira essa ideia? Não seria, por acaso, justamente a ideia – a ideologia – do moderníssimo direito napoleônico? Não seria, talvez, o caso de que justamente o defensor da mais rígida disciplina eclesiástica sobre o matrimônio tome emprestados os seus argumentos maiores de uma singular mistura de direito medieval e direito napoleônico?
No fundo, esse é apenas um detalhe técnico. O aspecto mais preocupante, em toda essa defesa de espada nas mãos, não da doutrina e do magistério imutável – que tal não é –, mas da disciplina medieval e moderna, da forma como evoluiu nos séculos XIX e XX, é que se trata de uma argumentação em si coerente, linear, diria quase simples, elementar, mas totalmente abstrata, e diria estranha, em relação à realidade da qual gostaria de falar.
4. O esquecimento da complexidade e da história
A história dos sujeitos conjugados, a liberdade de consciência dos indivíduos, as modificações das formas de vida, das habitações, dos transportes e das carreiras de trabalho não se deixam reduzir a uma síntese dogmática a priori, nem no plano teológico, nem no plano jurídico.
A demanda de "realismo" que nos vem da história não nos permite nos encerrar em uma atitude de suficiência em relação ao seu desenvolvimento. E é grave que, diante da proposição sinodal, De Paolis levante todas as formas de "autodefesa": já havia sido decidido de forma diferente, não há argumentos a favor dessa proposição, é confusa, não é pertinente, é contraditória... Que estranha forma de defesa da tradição!
Uma grande tradição não deveria ter medo da história, não deveria demonizar os seus desenvolvimentos, não deveria condenar todos os irregulares sem distinção, mas deveria encontrar regras mais profundas e mais humanas, mais espirituais e mais persuasivas para apontar para a fidelidade e o vínculo como vocação, e não se preocupar em "impedir toda saída".
Não foi justamente o direito medieval e moderno que nos ensinou todas essas distinções muito precisas? E onde acabaram, agora, essas catedrais de finesse, se as compararmos com as palavras genéricas e forçadas do cardeal jurista?
5. Um pensamento "incompleto e aberto" como terapia
O Concílio Vaticano II nos ensinou que, como já foi disposto, não precisa ser repetido. Enquanto De Paolis continua trabalhando com as categorias medievais, com as quais tudo volta à perfeição, mas não em relação a este mundo, mas a um mundo irreal, ao mesmo tempo idealizado e encarquilhado.
A lei é, para essa visão, essencialmente pedagógica. Não assume nada, mas dá forma a tudo. Essa é a grande visão pré-moderna do direito. Mas essa visão não se sustenta mais, ao menos há dois séculos. Ela ainda tem os seus bons direitos e os seus grandes méritos, mas não pode mais exercê-los ou exibi-los sozinha. Se proposta de modo exclusivo, tal pedagogia do alto torna-se uma forma perigosa de integrismo e maximalismo.
É evidente que o texto de De Paolis é anterior aos Lineamenta. Nesse novo texto, que certamente não irá agradar ao cardeal, encontra-se uma afirmação realmente importante: com ela se ultrapassa, com um salto, toda essa abordagem autorreferencial, essa autoconfirmação entre magistério, doutrina e disciplina, que imuniza do real e permite apenas consultar longamente o código, elevar o olhar por cima dos óculos e ditar sentenças.
Aqui está o que lemos, em vez disso, no texto dos Lineamenta. Trata-se de um convite que visa à boa compreensão das perguntas do questionário e que orienta a um estilo autenticamente pastoral, que apresenta as seguintes características:
"As perguntas que se propõe a seguir, com referência expressa aos aspectos aos aspectos da primeira parte da Relatio Synodi, pretendem facilitar o devido realismo na reflexão dos episcopados individuais, evitando que as suas respostas possam ser fornecidas segundo esquemas e perspectivas próprias de uma pastoral meramente aplicativa da doutrina, que não respeitaria as conclusões da Assembleia sinodal extraordinária e afastariam a sua reflexão do caminho já traçado."
O texto é de uma clareza quase impressionante. É filho da linguagem complexa e profunda do último século. Não fala com as evidências intelectualistas clássicas. E está, para usar um eufemismo, bastante distante de tudo o que lemos em De Paolis.
Nele, afirma-se que uma visão da pastoral como meramente aplicativa da doutrina não respeitaria as conclusões da Assembleia sinodal extraordinária e afastaria a sua reflexão do caminho já traçado. Nessa expressão, fala a sabedoria hermenêutica que a Igreja sempre exerceu ao longo dos séculos, com ponderação e clarividência, e que agora De Paolis parece reduzir a uma casamata da resistência contra a modernidade, com metralhadora empunhada e capacete na cabeça. Quanta distância, nessa suposta defesa da tradição, da grande tradição eclesial!
Mas aqui se abre um problema fundamental, sobretudo para o jurista, mas também para o cardeal. Como é que um cardeal, no mesmo dia em que é publicado um texto oficial que define o trabalho intersinodal do próximo semestre, contradiz abertamente a indicação vinculante que orienta o método de trabalho e o espírito com que se deverá trabalhar? Ele não deveria mostrar, pelo menos, uma maior prudência?
6. Velasio De Paolis como Giuseppe Siri: o fascínio pela conservação "iuris causa"
Tenho a impressão de que essa atitude extremista de De Paolis se assemelha à que vimos se levantar tantas vezes na Igreja, no momento em que as coisas se encaminhavam para uma virada, sofriam uma mutação, encontravam a força para se dar formas novas e conteúdos mais vivos e mais verdadeiros.
Quero apenas lembrar o que disse o arcebispo Giuseppe Siri, em 1951, no momento em que Pio XII propôs experimentalmente a renovada "vigília pascal". Siri opôs à novidade ainda em rodagem dois argumentos que ele tirava da tradição e que, na sua opinião, desaconselhariam essa novidade de uma "vigília" a ser realizada não "in mane" – como se fazia há séculos no Ocidente –, mas "in nocte".
Ele dizia que, por um lado, derivaria daí um problema "disciplinar": os padres, em vez de confessarem em todo o Sábado Santo, se distrairiam com a vigília ainda por se preparar. Mas também acrescentava um argumento muito mais "tranchant". A vigília noturna parecia ser "contrária ao direito natural", que estabelece que a noite é feita não para celebrar, mas para dormir.
Na bem da verdade, é preciso lembrar que Giuseppe Siri acrescentou que ele se permitia levantar essas objeções contra a "lex condenda" e apenas enquanto ela assim o fosse. Diante de uma aprovação oficial e definitiva, ele imediatamente se adequaria.
E – mutatis mutandis – certamente é essa mesma a intenção, embora não expressa, que o próprio De Paolis assumiria no momento oportuno.
Portanto, muitas vezes, a resistência às reformas veste o manto longo e totalmente plissado do direito. Deveríamos tirar daí um duplo ensinamento. De um lado, para uma verdadeira tradução eficaz da proposição 52, ainda a ser articulada e aprofundada com coragem, será preciso toda a acribia e a precisão de bons juristas e uma verdadeira disponibilidade para traduzir o anseio pela misericórdia em formas jurídicas sustentáveis, confiáveis, serenas e fiéis. Se não se fizer isso, não haverá reforma verdadeira. O teólogo deverá aprender com o jurista, e o jurista sempre terá muito a ensinar.
Mas, por outro lado, é certo que, se o jurista quiser substituir o teólogo, se pretender usar como critérios sistemáticos lugares comuns tradicionalistas, se quiser elevar o "direito divino" a critério de juízo também dos selos ou dos termos das notificações, se se inclinar sem pudor por uma Igreja não só autorreferencial, mas até mesmo retrorreferencial, totalmente "cautelosa" em relação ao "retro" e declaradamente cega em relação ao "ante", se quiser reduzir a relação com o real a um silogismo, quando não a um sofisma, então será inevitável que se pergunte ao jurista destemperado, alheado do último século de história e consciente apenas dos 19 séculos anteriores, com um sorriso: "Senhor cardeal, nunca ouviu falar do Vaticano II?".
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De Paolis e os limites de uma leitura apenas jurídica do Sínodo. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU