15 Dezembro 2014
O cardeal Velasio De Paolis reabre o fogo contra a comunhão aos divorciados em segunda união: "Se for aprovada, as consequências seriam de uma gravidade inédita".
A nota é publicada pelo sítio Chiesa.it, 09-12-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O texto que segue – parte final de uma conferência proferida pelo cardeal no dia 26 de novembro na faculdade de direito canônico da Universidade San Dámaso, de Madri, Espanha – é uma prova de que o debate sobre a comunhão aos divorciados em segunda união continua vivo.
De Paolis, 79 anos, missionário scalabriniano, ilustre canonista, presidente emérito da Prefeitura dos Assuntos Econômicos da Santa Sé, volta sobre o assunto tomando como objeto das suas críticas o parágrafo 52 da Relatio final do Sínodo de outubro passado, referente aos prós e os contras da comunhão aos divorciados em segunda união.
As considerações de De Paolis contra a comunhão aos divorciados em segunda união são aplicadas por ele também a todas as outras situações irregulares de coabitação, como explicado na primeira parte da conferência.
Eis o texto.
Caminhos adequados para a pastoral dos divorciados que voltaram a casar
Velasio De Paolis
(…)
A proposta do Sínodo Extraordinário sobre a família
O tema do acesso aos sacramentos, especialmente à Eucaristia, por parte dos divorciados que voltaram a casar foi objeto de reflexão também no Sínodo Extraordinário dos bispos celebrado no mês de outubro de 2014. A esse tema, refere-se a proposta n. 52, que diz o seguinte:
Refletiu-se sobre a possibilidade de que os divorciados e recasados tenham acesso aos sacramentos da Penitência e da Eucaristia. Diversos Padres sinodais insistiram em favor da disciplina atual, por força da relação constitutiva entre a participação na Eucaristia e a comunhão com a Igreja e o seu ensinamento sobre o matrimônio indissolúvel. Outros se expressaram em favor de uma acolhida não generalizada à mesa eucarística, em algumas situações particulares e com condições bem precisas, sobretudo quando se trata de casos irreversíveis e ligados a obrigações morais para com os filhos que viriam a padecer sofrimentos injustos. O eventual acesso aos sacramentos deveria ser precedido de um caminho penitencial sob a responsabilidade do Bispo diocesano. Também deve ser aprofundada a questão, tendo bem presente a distinção entre situação objetiva de pecado e circunstâncias atenuantes, dado que "a imputabilidade e responsabilidade de um ato podem ser diminuídas e até anuladas" por diversos "fatores psíquicos ou sociais" (Catecismo da Igreja Católica, 1735).
1. O sentido da proposta sinodal
O texto não teve o número suficiente de adesões, ou seja, dois terços, razão pela qual não foi aprovado pelo Sínodo; portanto, não deveria ser considerado como um texto sinodal. Mas é preciso dizer imediatamente que é difícil avaliar o significado da votação. O texto é composto por várias partes não homogêneas, inclusive contrapostas, e, além disso, com motivações inadequadas ou não completamente apropriadas ou, pelo menos, incompletas, de acordo com as fontes doutrinais.
Com efeito, a proposta começa com um dado de crônica: refletiu-se sobre o tema; depois se refere a uma corrente de padres que são a favor da disciplina atual e a outros que são a favor de uma mudança da disciplina. O texto prossegue explicando em que aspecto a disciplina atual deveria mudar, indicando também a responsabilidade que deveria corresponder ao bispo. Por último, conclui com uma advertência e um convite a aprofundar, sugerindo também alguns elementos para isso. Portanto, não sabemos bem a que se refere uma eventual votação contra ou pela aprovação do texto.
2. Os limites da proposta
A proposta se apresenta com uma formulação limitada. Refere-se a uma categoria limitada daqueles que vivem em uma situação de união irregular: os que estão divorciados e voltaram a casar. Tratar-se-ia de uma categoria que mereceria, segundo a proposta, uma atenção especial e excepcional pelas situações particulares dignas de consideração que tal categoria poderia apresentar, como de fato o texto explica em seguida.
Não é difícil encontrar nessas palavras alguns elementos significativos da proposta do cardeal Kasper. Mas já tivemos a oportunidade de estudar essa proposta e de constatar que ela não se sustenta com nenhum argumento válido [1]. Além disso, essa proposta já era conhecida pela autoridade competente, que a havia estudado e rejeitado, ao não encontrar nela elementos que a pudessem subtrair da valorização conforme aos princípios doutrinais dos documentos da Igreja, que já recordamos.
Portanto, a hipótese configurada na proposta sinodal foi examinada e avaliada explicitamente; e se considerou que não merecia princípios excepcionais porque entrava na categoria dos princípios gerais, já que, do ponto de vista da gravidade moral e em ordem ao acesso à Eucaristia, a hipótese levantada na proposta constitui, em todos os casos, uma violação grave da moral conjugal da disciplina da Igreja, que não pode permitir o acesso à Eucaristia.
Por esse motivo, os documentos da Igreja nunca fazem uma distinção entre as diversas categorias de pessoas que convivem em uniões irregulares; as diversas hipóteses de pessoas que convivem irregularmente não se distinguem no que se refere à convivência conjugal e ao acesso à Eucaristia.
Além disso, as condições em virtude das quais se pretenderia uma consideração particular para os divorciados que voltaram a casar podem ser verificadas em todos aqueles que se encontram em situações irregulares. Mais ainda, em alguns casos, a situação poderia se agravar; poderia parecer um prêmio e um convite a estabelecer novos vínculos.
Todavia, podemos fazer uma observação ulterior. A proposta, ao restringir a hipótese a uma categoria determinada, reconhece valor doutrinal e normativo aos documentos da Igreja que regulam a matéria. E, como a proposta convida a um aprofundamento, põe-se de manifesto certa perplexidade sobre a própria proposta. Em que pode consistir esse aprofundamento? Não sobre o valor doutrinal e normativo dos documentos, mas sobre a possível exceção contida na proposta. E de onde pode surgir a dúvida, senão do fato de que a proposta contém uma exceção às duas condições essenciais para o acesso à Eucaristia, já que se verifica uma violação grave da lei moral natural e uma situação pessoal não idônea para ter acesso à Eucaristia?
Com efeito, também nessa categoria de divorciados que voltaram a casar estão presentes as duas condições que impedem o acesso à Eucaristia, o que leva a autoridade eclesiástica a não pode agir de outra maneira, já que a autoridade eclesiástica não pode dispor da lei natural e divina: o respeito da lei natural do matrimônio e a necessidade da graça santificante.
As situações descritas poderiam não permitir a separação das duas pessoas que estão convivendo em uma união irregular, mas não requerem necessariamente a vida em comum more uxorio e a situação permanente de pecado.
3. Disciplina, doutrina ou magistério?
Observamos que a redação do texto da proposta gera equívocos. Fala-se da "disciplina atual" e de uma possível modificação dela, mas isso suscita algumas dúvidas, que exigem um aprofundamento. Na realidade, a normativa vigente não é simplesmente uma "disciplina atual", como se se tratasse de uma norma meramente eclesiástica, e não de normas divinas, sancionada pelo magistério, com motivações doutrinais e magisteriais que dizem respeito aos próprios fundamentos da vida cristã, da moral conjugal, do sentido e respeito da Eucaristia, e da validade do sacramento da Penitência.
Encontramo-nos perante uma disciplina fundamentada no direito divino. Não se sublinha suficientemente que os documentos da Igreja nessa matéria não impõem obrigações por parte da autoridade, mas afirmam que a autoridade eclesiástica não pode agir de outra maneira, porque essa disciplina não pode ser modificada em seus elementos essenciais. A Igreja não pode agir de outra maneira. Não pode modificar a lei natural nem o respeito da natureza da Eucaristia, porque está em questão a vontade divina.
A proposta, na medida em que prevê a possibilidade de admitir à comunhão eucarística os divorciados que voltaram a casar, constitui, de fato, uma mudança doutrinal. E isso contrariamente ao que vem sendo afirmado de que não se quer modificar a doutrina. Por outro lado, a doutrina, por sua própria natureza, não é modificável se é objeto do magistério autêntico da Igreja. Antes de falar e de tratar sobre uma eventual modificação da disciplina vigente, é necessário refletir sobre a natureza dessa disciplina.
Ao abordar essa matéria, se deveria, em primeiro lugar, refletir sobre essa doutrina e sobre o grau de firmeza de que ela goza; é preciso estudar bem o que pode ser modificado e o que não se pode modificar. A dúvida está insinuada na própria proposta, quando pede um aprofundamento que deve ser doutrinal e prévio a qualquer decisão.
Podemos nos perguntar também se é competência de um Sínodo de bispos tratar de uma questão como essa: o valor da doutrina e da disciplina vigente da Igreja, que se formaram ao longo dos séculos e estão sancionadas com intervenções do magistério supremo da Igreja.
Além disso, quem é competente para modificar o magistério de outros papas? Isso constituiria um precedente perigoso. Por outro lado, as novidades que se introduziriam, caso fosse aprovado o texto da proposta, seriam de uma gravidade inédita:
a) a possibilidade de admitir à comunhão eucarística com aprovação explícita da Igreja uma pessoa em estado de pecado mortal, com perigo de sacrilégio e de profanação da Eucaristia;
b) põe-se, assim, em discussão, o princípio geral da necessidade do estado de graça santificante para poder ter acesso à comunhão eucarística, especialmente quando, no nosso tempo, introduziu-se ou está se introduzindo na Igreja uma práxis generalizada de ter acesso à Eucaristia sem prévia confissão sacramental, apesar de se ter consciência de se encontrar em pecado grave, com todas as consequências nefastas que essa práxis envolve;
c) a admissão à comunhão eucarística de um fiel que convive more uxorio significaria pôr em discussão, também, a moral sexual, fundamentada particularmente no sexto mandamento;
d) além disso, desse modo, se daria relevância à convivência ou a outros vínculos, debilitando, de fato, o princípio da indissolubilidade do matrimônio.
4. As motivações adotadas para conservar a disciplina vigente
Em relação a isso, a proposta afirma o seguinte: "Diversos Padres sinodais insistiram em favor da disciplina atual, por força da relação constitutiva entre a participação na Eucaristia e a comunhão com a Igreja e o seu ensinamento sobre o matrimônio indissolúvel".
O texto não é muito claro e, em todo o caso, é insuficiente, porque não se põe de manifesto a problemática envolvida. Não se trata somente de razões disciplinares e, portanto, não se trata somente de questões disciplinares para decidir de acordo com a maioria, mas de uma doutrina e de um magistério indisponíveis e, certamente, que transbordam as competências de um Sínodo Extraordinário de bispos.
Na realidade, nesse problema, estão envolvidas questões doutrinais de extrema importância, às quais fizemos referência neste estudo. Deve-se explicitar que a razão próxima da proibição para ter acesso à Eucaristia é simplesmente a condição em que se encontra o divorciado que convive maritalmente com outra pessoa: uma condição de pecado grave objetivo. O fato de que essa condição se deve ao divórcio ou ao eventual novo vínculo civil não tem relevância sobre a condição moral que exclui da Eucaristia: encontrar-se em um estado permanente de violação da norma moral da Igreja.
5. Aprofundamentos
A proposta defende o seguinte: "Também deve ser aprofundada a questão, tendo bem presente a distinção entre situação objetiva de pecado e circunstâncias atenuantes, dado que 'a imputabilidade e responsabilidade de um ato podem ser diminuídas e até anuladas' por diversos 'fatores psíquicos ou sociais' (Catecismo da Igreja Católica, 1735)".
O texto afirma a necessidade de aprofundamento só de um ponto de vista, bastante frágil. De fato, cita-se o Catecismo da Igreja Católica, com o qual não se pode não estar de acordo. O problema consiste em saber que incidência pode ter esse número do Catecismo da Igreja Católica na problemática de que aqui se trata. A primeira fonte da moralidade é a objetiva. E é dessa moralidade objetiva de que está se tratando aqui.
Notas:
1. Cf. V. De Paolis. Los divorciados vueltos a casar y los sacramentos de la Eucaristia y la Penitencia. Ius Communionis, 2 (2014), p. 203-248.
Veja também:
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A proposição 52 do Sínodo Extraordinário sobre a família. Artigo de Velasio De Paolis - Instituto Humanitas Unisinos - IHU