12 Dezembro 2014
Um relatório produzido pelo Vaticano, há muito tempo esperado, sobre as religiosas dos EUA deve ser divulgado no dia 16 de dezembro. Nesta terça-feira (09-12-2014), o Vaticano anunciou que uma coletiva de imprensa será realizada para apresentar o documento.
A entrevista é de John L. Allen Jr., publicado por Crux, 09-12-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Há duas investigações independentes relacionadas às irmãs americanas: uma lançada em 2008 que estuda todas as ordens femininas no país, e uma outra iniciada um ano mais tarde e que se foca especificamente na Conferência de Liderança das Religiosas (ou Leadership Conference of Women Religious – LCWR), principal grupo que reúne as ordens religiosas femininas no país.
O relatório do próximo dia 16 marca o fim do primeiro processo, mas não tem nenhuma influência sobre o segundo.
Apresentando o documento estarão as duas mais altas autoridades vaticanas para as ordens religiosas, bem como a irmã americana que supervisionou a investigação, além das líderes dos dois maiores grupos de religiosas dos Estados Unidos (incluindo a presidente da LCWR).
Thomas Rosica, padre basiliano que auxilia o Vaticano junto à imprensa de língua inglesa e que também participou da investigação realizada como observador, irá moderar a coletiva de imprensa. Como de costume, o Pe. Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano, estará presente. Lombardi é padre jesuíta.
O que se segue é uma cartilha para se abordar o relatório, e sobre o que está em jogo nele.
Eis a entrevista.
Qual foi o processo por trás deste relatório?
No dia 22 de dezembro de 2008, o cardeal esloveno Franc Rodé – na época, a mais alta autoridade vaticana para a vida religiosa – publicou um decreto que deu início ao que se chama de “Visitação Apostólica” envolvendo todas as ordens religiosas femininas dos EUA. Para liderar a investigação, Rodé nomeou a Irmã Clare Millea, nascida em Connecticut a radicada em Roma. Milleae é Superiora Geral da congregação internacional das Apóstolas do Sagrado Coração de Jesus.
Millea organizou o processo em quatro fases, que se desdobraram entre 2009 e 2012:
• Fase 1: Solicitação de uma impressão geral a partir das superioras das comunidades religiosas femininas.
• Fase 2: A coleta de informações sobre as congregações, incluindo a totalidade de membros, a situação financeira, os ministérios, etc.
• Fase 3: A realização de visitas in loco a 90 ordens, representando a metade das 50 mil religiosas do país. Houve 78 religiosas e religiosos que trabalharam como visitadores.
• Fase 4: A submissão de um relatório geral ao Vaticano, mais relatórios individuais às ordens que receberam visita.
Millea passou o seu relatório final a Roma em janeiro de 2012, momento em que o departamento vaticano para as ordens religiosas estava sob a liderança do cardeal brasileiro João Bráz de Aviz e do arcebispo americano Joseph Tobin. (Tobin foi, mais tarde, nomeado como arcebispo de Indianápolis.)
O relatório não foi divulgado em fevereiro de 2013, quando o Papa Bento XVI anunciou a sua renúncia. Ele foi sendo revisado desde a eleição do Papa Francisco.
Qual a diferença entre este processo e aquele da investigação da LCWR?
Em primeiro lugar, a visitação liderada por Millea é muito mais ampla em seu escopo, compreendendo quase as 350 ordens religiosas femininas nos EUA, às quais mais de 50 mil irmãs pertencem. A outra investigação dirige-se exclusivamente à Conferência de Liderança das Religiosas – LCWR, organismo reconhecido sob o Direito Canônico que reúne as líderes de aproximadamente 80% das ordens religiosas femininas no país.
Em segundo lugar, os dois processos situam-se dentro de dois departamentos diferentes do Vaticano. A Visitação Apostólica mais ampla veio sob os auspícios da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, organismo informalmente conhecido como a “Congregação para os Religiosos”. A investigação sobre a LCWR foi encabeçada pela Congregação para a Doutrina da Fé.
Por essa razão, o primeiro processo preocupou-se com a situação das ordens religiosas femininas nos EUA, enquanto que a investigação centrada na LCWR focou-se, em grande parte, na adequação da organização à doutrina católica.
A investigação ou revisão imposta à LCWR conduziu também à criação de uma comissão de três bispos americanos, liderados por Dom J. Peter Sartain, da Arquidiocese de Seattle, para promover uma reforma da organização. Nada deste tipo foi criado como sendo resultado da visitação apostólica mais ampla.
O que o relatório do dia 16 de dezembro irá abordar?
Espera-se que ele apresente um raio-x geral do estado das congregações femininas nos EUA, trazendo tanto aspectos positivos quanto negativos. É quase certo que ele não irá apresentar conclusões específicas sobre as ordens religiosas ou sobre os indivíduos.
Temas típicos que surgiram durante as visitas incluem: o recrutamento de novas vocações, a formação dos membros, oração e adoração, a vida comunitária, como a autoridade é exercida e a relação com o resto da Igreja, incluindo os bispos. Sobre cada um destes tópicos, o relatório, provavelmente, vai trazer observações breves, sinalizando pontos fortes e outros que precisam ser melhorados.
Visto que o Vaticano anunciou um “Ano de Vida Consagrada”, que começou em novembro deste ano e que busca celebrar as contribuições dos religiosas e religiosas bem como incentivar novos vocacionados, o texto poderá incluir recomendações para se aproveitar a oportunidade.
Por que o Vaticano lançou esta investigação?
Embora as visitas sejam uma rotina da vida religiosa, uma investigação ou revista envolvendo todas as congregações femininas de um país em particular não é nada comum. No decreto de 2008 que deu início ao processo, Rodé disse apenas que o seu propósito era “ver a qualidade de vida das religiosas nos EUA”.
Na época, a presidência da conferência episcopal americana deixou claro que ela não fez nenhum pedido para uma tal visitação e que nem foi consultada sobre o assunto.
Em comentários subsequentes, Rodé disse que decidiu lançar a visitação após ouvir “algumas pessoas críticas nos EUA”. Ele também declarou que “um representante importante da Igreja nos Estados Unidos” estava entre estes críticos, sem especificar quem era.
“Acima de tudo, podemos falar sobre uma certa mentalidade secularista que se espalhou entre estas ordens religiosas, talvez até mesmo um certo espírito ‘feminista’”, disse Rodé em 2009.
Muitos ao redor do mundo viram esta visitação como uma acusação contra as irmãs americanas e uma tentativa de obrigá-las a ter uma postura mais submissa. A resposta inicial entre algumas religiosas foi de ceticismo, e algumas congregações se recusaram a participar plenamente do processo.
Millea, no entanto, insistia que o seu objetivo era ajudar.
“A minha intenção não é, podemos ter certeza, ser punitiva, ou fazer algo que possa levar a sanções”, disse numa entrevista dada em 2010 ao sítio National Catholic Reporter. “Quero apresentar uma fotografia justa das alegrias de uma congregação, suas lutas, os obstáculos que enfrenta para poder realizar o seu ministério”.
O que está em jogo neste relatório?
Evidentemente, este relatório será interpretado como um índex de se a transição ao papado de Francisco recalibrou a abordagem, o enfoque do Vaticano para com as irmãs americanas.
Se o relatório for, em grande parte, positivo e evitar impor aquilo que poderia ser visto como medidas punitivas tal como juramentos de fidelidade ou um controle mais direto por parte de Roma, ele será tomado como um sinal de cura na brecha percebida entre as irmãs nos EUA e a estrutura de poder predominantemente masculina da Igreja.
Se o tom for crítico, ecoando alguns dos mesmos pontos que vieram à tona na avaliação de abril de 2012 feita pela Congregação para a Doutrina da Fé a respeito da LCWR, então a conclusão será a de que muito pouco mudou.
Na verdade, a Congregação para os Religiosos sob a liderança do cardeal Bráz vem sendo vista como mais amiga das irmãs americanas do que a Congregação para a Doutrina da Fé. Se o relatório for mais positivo, muitos irão considerá-lo também como mais um sinal de que os moderados em cargos de liderança estão sendo encorajados pelo Papa Francisco.
Quais são os próximos passos?
Em termos de uma visitação apostólica mais ampla, o presente relatório é, basicamente, o fim de um percurso, embora relatórios individuais possam ser enviados às ordens que foram visitadas.
A investigação sobre a LCWR ainda está em curso. Quando Sartain foi nomeado como “arcebispo delegado” em 2012 e assumiu a autoridade em certos aspectos das operações dos grupos religiosos, ele recebeu um mandato de “até cinco anos”. Em teoria, portanto, a sua supervisão iria continuar até abril de 2017.
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Uma cartilha para o iminente relatório do Vaticano sobre as religiosas americanas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU