24 Novembro 2014
"Os bispos devem aprofundar, não simplificar, a nossa compreensão, bem como a nossa fé. A mudança não precisa significar traição. Deixem o cardeal ser ouvido, e deixam que o debate continue".
A opinião é dos editores da revista Commonweal, 18-11-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
Eis o artigo.
Schadenfreude [do alemão: alegria, contentamento, satisfação] pode constituir uma grave tentação e, se não resistida, um pecado grave. Há alguns, dentro e fora da igreja, que sentiram uma certa alegria com o destino do cardeal Raymond Burke. Burke, ex-arcebispo de St. Louis, Estados Unidos, primeiramente, ficou conhecido como um dos conservadores mais francos da hierarquia norte-americana e um dos mais energéticos guerreiros da cultura. Ele chamou a atenção nacional por dizer que se recusaria a dar a comunhão ao candidato democrata à presidência, John Kerry. Como canonista, Burke argumenta que negar a comunhão a funcionários públicos católicos pró-choice é uma questão clara e inequívoca. Ele compreende a maioria das coisas como claras e inequívocas. Isso, no entanto, não é como o Papa Francisco vê as coisas, e o papa tomou medidas para colocar o cardeal de lado. No ano passado, Burke foi removido da Congregação para os Bispos, e no último mês, ele foi destituído de suas funções como chefe do tribunal superior da Igreja. Como alternativa, Burke recebeu o título cerimonial de Patrono dos Cavaleiros de Malta.
Burke não recebeu o seu afastamento dos centros de influência em Roma calmamente. Ele foi talvez o crítico mais ferrenho do recente Sínodo sobre a família, cobrando repetidamente que a discussão do Sínodo sobre a homossexualidade, a coabitação e a readmissão de alguns católicos divorciados e recasados à Comunhão semeou uma "confusão" perigosa entre os fiéis. A Igreja sob o comando do Papa Francisco, o cardeal adverte: "é como um navio sem leme". Burke insiste que o que a Igreja o ensinamento da Igreja sobre a homossexualidade e o casamento é imutável e inalterável. É só olhar no Catecismo, ele insiste.
Os papas são livres para alocar quem trabalha no Vaticano da forma que eles acham mais adequada a fim de administrar a Igreja e implementar qualquer programa de redução de despesas ou de reformas que seja necessário. A visão de Burke para a Igreja exige uma postura defensiva e de rejeição do mundo moderno. Francisco claramente pensa que a estratégia irá resultar em mais um eclipse do evangelho e da marginalização do catolicismo. O objetivo do papa é orientar a Igreja para além das guerras culturais e em direção a um engajamento alegre com os católicos e não católicos. Joyful [alegre] não é a primeira palavra que vem à mente quando se ouve o cardeal Burke. Muitos acham a abertura de Francisco um promissor afastamento dos dois últimos pontificados, enquanto, uma minoria entrincheirada e opinativa, que se identifica como "ortodoxa", vê as iniciativas papais, como o Sínodo sobre a família, como uma espécie de traição. Alguns, incluindo Burke, falam sombriamente sobre a possibilidade de cisma.
Queremos elogiar o cardeal Burke, não o difamar. Como os apologistas de Burke gostam de salientar, o Papa Francisco pediu aos bispos para falar francamente, e é isso que Burke tem feito. E é bom que o faça. Muito do que o cardeal diz não é convincente e, em certos aspectos, desagradável, mas ele não está errado em insistir que a continuidade e a coerência doutrinária são essenciais para a integridade do testemunho da Igreja. E ele não está errado em nos lembrar disso, sabendo que os altos padrões morais nos ajudam a ter uma vida melhor.
No entanto, Burke define um rumo errado para a Igreja, ao insistir que as questões retomadas no Sínodo foram encerradas há séculos e nunca será necessário revisitá-las. Seu medo de impingir "confusão" sobre os fiéis é equivocado, especialmente sua afirmação de que nada de bom pode vir de algo que, tradicionalmente, a Igreja tem ensinado como sendo relações e atos desordenados e gravemente pecaminosos. Isso faz retroceder o dilema moral contemporâneo. Dado o que a Igreja ensina, o que é desconcertante para os fiéis é testemunhar bondade nas vidas de muitos divorciados e recasados católicos. Também a evidência de muita virtude nos relacionamentos amorosos de casais do mesmo sexo, especialmente em sua devoção aos seus filhos. A bondade, afinal de contas, é compreendida corretamente como uma graça e um mistério. O que é confuso é encontrá-la em lugares onde a Igreja - ou pelo menos, o cardeal Burke - alega não poder existir.
Burke agora terá mais tempo livre para desafiar aqueles que pensam que é imperativo que a Igreja reconsidere o status dos divorciados e novamente casados, bem como a natureza da homossexualidade. E ele deve. Essas não são questões que exigem uma opinião às pressas. Mas se o cardeal quer ser credível, deve abster-se de fingir que toda a doutrina da Igreja foi gravada em pedra há dois milênios. As questões morais que os católicos enfrentam hoje em dia são tão reais e tão difíceis quanto às enfrentadas pelos apóstolos; respostas prontas não funcionaram naquela época, e não vão funcionar agora. "Seremos incapazes de fixar um ponto histórico em que o desenvolvimento da doutrina tenha cessado, e onde a regra de fé uma vez por todas resolvida", escreveu o cardeal Newman. Os bispos devem aprofundar, não simplificar, a nossa compreensão, bem como a nossa fé. A mudança não precisa significar traição. Deixem o cardeal ser ouvido, e deixam que o debate continue.
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Deixem o cardeal Burke falar e deixem o debate seguir em frente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU