14 Novembro 2014
SBPC volta a defender ajustes no texto: quer participação de pesquisadores, comunidades tradicionais e industriais no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético
A reportagem é de Viviane Monteiro, publicada pelo Jornal da Ciência / SBPC, 13-11-2014.
Sem acordo entre deputados, representantes do governo, cientistas, setor produtivo e comunidades tradicionais, o polêmico projeto que propõe a criação da Lei de Acesso ao Patrimônio Genético da biodiversidade (PL 7735/14) vai continuar trancando a pauta do Plenário da Câmara dos Deputados.
A votação do relatório, cujos termos foram discutidos ontem, foi adiada mais uma vez pela falta de consenso sobre o pagamento de royalties dos recursos da biodiversidade e a porcentagem de até 1% relacionada à repartição de benefícios financeiros a povos indígenas e de comunidades tradicionais – detentores de conhecimentos associados à diversidade biológica.
Mesmo reconhecendo avanços de pontos da proposta e a importância da aprovação do texto para o desenvolvimento da área de ciência, tecnologia e inovação (CT&I) do país, a presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a biomédica Helena Nader, ao participar da comissão geral da Câmara, recomendou mudanças no texto.
A presidente da SBPC voltou a defender, por exemplo, a participação de todas as partes envolvidas no projeto – como pesquisadores, comunidades tradicionais e industriais – no Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), com direito a voz e voto – para assegurar o controle social sobre uso do patrimônio genético. O conselho é vinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Segundo Helena, é fundamental buscar o consenso, considerando que o conhecimento tradicional relacionado à biodiversidade é de uso comum do povo brasileiro e a exploração da diversidade biológica tem de ser de forma sustentável.
Ela defendeu ainda o direito de participação direta de povos indígenas e de comunidades tradicionais à distribuição dos benefícios oriundos dos conhecimentos tradicionais associadas à biodiversidade, sem precisar de intermediários.
Concordando com tal posicionamento, o deputado federal Paes Landim (PTB/PI), advogado e professor de Direito da Universidade de Brasília (UnB), recomendou cautela na aprovação da matéria e pediu para a Casa levar em consideração a posição da SBPC. “A posição da SBPC foi precisa. Não há menor dúvida de que é necessário ouvir todas as partes interessadas.”
Agricultura familiar – A promotora de Justiça do Ministério Público de Brasília, Juliana Santilli, disse que pontos do PL contrariam normas internacionais ratificadas pelo Brasil, pelo fato de não incluir a agricultura familiar na reparticipação dos benefícios provenientes da biodiversidade. “É importante que a reparticipação dos benefícios inclua não apenas povos indígenas e de comunidades tradicionais, mas também os agricultores familiares.”
Já o presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas, Joaquim Belo, membro de instituições de comunidades de povos tradicionais, se disse “indignado” diante do fato de o debate sobre o PL ter “ignorado” a agricultura familiar e comunidades tradicionais, dentre outros. “É evidente que houve um debate amplo com diversos segmentos, mas os segmentos que representam o princípio dessa cadeia foram ignorados”, atestou.
Apesar de reconhecer a importância do projeto para o desenvolvimento nacional, Belo destaca não ser razoável aprovar uma lei que vá prejudicar tais segmentos. “Precisamos de um tempo para discutir o projeto.”
Com opinião semelhante, o advogado do Instituto Socioambiental (ISA), Mauricio Guetta, disse que as comunidades tradicionais e os povos indígenas são as partes mais fracas desse elo. Segundo ele, a exclusão desses povos nos debates sobre um projeto de lei relacionado à biodiversidade viola a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Ele criticou ainda o teto do percentual de 1% para a distribuição dos benefícios que, segundo ele, foi decidido sem o aval desses povos.
Embora o PL tenha sido encaminhado pelo Executivo em regime de urgência, deputados do próprio PT pediram cautela na aprovação do texto, na tentativa de atender também aos anseios das comunidades tradicionais e da agricultura familiar. Um deles foi Afonso Florence (BA) que pediu “aprofundamento” do debate, para que as comunidades tradicionais possam ser ouvidas.
Em outra frente, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, disse que o PL representa um avanço considerável para o Brasil, por permitir o uso sustentável da biodiversidade, com reparticipação justa dos benefícios. Segundo ele, é de extrema importância para a Saúde brasileira o acesso da academia científica à biodiversidade brasileira. Segundo disse, 50% das drogas no mundo são de origem biológica e derivadas da biodiversidade.
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Sem consenso, votação de projeto sobre biodiversidade é adiada no Congresso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU