03 Novembro 2014
O Papa Francisco incluiu o nome da Ir. Prudence (foto) aos 40 teólogos e filósofos nomeados para a Comissão Teológica Internacional no dia 23 de setembro. Ela é uma das cinco mulheres - um número sem precedentes - e dois norte-americanos nomeados para a comissão que foi criada em 1969 para assessorar o papa e o Vaticano em questões doutrinárias.
A reportagem é de Sean Salai, SJ, publicada na revista America, dos jesuítas dos EUA, 29-10-2014. A tradução é de Claudia Sbardelotto.
A Irmã Mary Prudence Allen, RSM, é uma filósofa católica norte-americana e membro das Irmãs Religiosas da Misericórdia, de Alma, Michigan. Desde novembro de 2013, ela faz parte da equipe da capelania católica na Universidade de Lancaster, Inglaterra, tendo sido anteriormente presidente do departamento de filosofia no Seminário São João Maria Vianney, em Denver. Ela recebeu seu Ph.D. em filosofia pela Claremont Graduate School of California em 1967.
Nascida Christine Hope Allen em Oneida, Nova York, a família da irmã Prudence descende de uma comunidade religiosa utópica do século XIX. Ela se converteu ao catolicismo em 1964 e se casou em 1965, criou dois filhos e ensinou filosofia na universidade. Seu casamento foi anulado em 1972 e ela juntou-se às irmãs da Misericórdia em 1983.
O trabalho da irmã Prudence incide especialmente sobre as mulheres filósofas e sobre o conceito filosófico de feminilidade. Seu primeiro grande livro The Concept of Woman: The Aristotelian Revolution (750 BC- 1250 AD) [O Conceito de Mulher: A Revolução aristotélica (750 aC-1250 dC)], foi publicado em 1985, com uma nova edição em 1997 e uma continuação do estudo sobre o conceito historicamente em evolução da feminilidade em dois volumes lançados em 2002 e 2012. Ela também tem outro livro publicado e dezenas de artigos em revistas acadêmicas.
O Papa Francisco incluiu Ir. Prudence aos 40 teólogos e filósofos nomeados para a Comissão Teológica Internacional no dia 23 de setembro. Ela é uma das cinco mulheres - um número sem precedentes - e dois norte-americanos nomeados para a comissão que foi criada em 1969 para assessorar o papa e o Vaticano em questões doutrinárias. O outro norte-americano apontado é o padre Thomas G. Weinandy, OFM Cap., ex-diretor executivo da Secretaria de Doutrina da Conferência de Bispos Católicos dos Estados Unidos.
A seguir publicamos a entrevista por email concedida à revista America pela Irmã Prudence sobre sua carreira e nomeação para a comissão teológica.
Eis a entrevista.
Como você se sentiu quando recebeu a notícia de que o Papa Francisco a tinha nomeado para a Comissão Teológica Internacional?
No início, eu me senti atordoada por um evento totalmente inesperado. Mas à medida que a realidade desse convite se abriu lentamente diante de mim, eu descobri uma alegria tranquila porque nós, Irmãs Religiosas da Misericórdia temos um quarto voto de serviço e a Igreja requisitou-me um serviço específico.
Como membro da Comissão, será que você ainda tem tempo para o seu trabalho pastoral e acadêmico, ou será que esta nomeação lhe exigirá cortar essas coisas?
O fator tempo é desconhecido, porque eu ainda não participei da primeira reunião da Comissão, que está prevista do dia 1o a 5 de dezembro. Esta forma particular de serviço provavelmente incluiria tanto algumas dimensões acadêmicas quanto pastorais em sua natureza colaborativa e confidencial.
A mídia secular tem enfatizado que você está entre cinco mulheres nomeadas para a comissão, lembrando que o Papa Francisco apelou a uma "teologia da feminilidade" mais profunda e um papel mais ativo das mulheres na Igreja Católica. Como o seu trabalho na Comissão Teológica pode promover este objetivo?
Minha formação em particular é como filósofa, e minha pesquisa e publicações ao longo dos anos são a partir da perspectiva de uma filósofa católica especialmente concentrando-me no conceito de mulher em relação ao homem na história do pensamento ocidental. Nós sabemos da "Fides et ratio" que a filosofia e a teologia são como as duas asas do espírito humano em sua busca pela verdade. A minha esperança é que a minha perspectiva e pesquisa possam complementar as perspectivas dos teólogos na Comissão. Teólogos e filósofos, em conjunto, podem enriquecer a compreensão da mulher na Igreja mais do que qualquer perspectiva poderia alcançar sozinha.
Como estas nomeações podem representar um momento significativo para as mulheres na Igreja Católica?
Grandes mudanças levam tempo. Desde a nomeação de Mary Ann Glendon, pelo Papa João Paulo II, como chefe da delegação do Vaticano para a Conferência de Pequim das Nações Unidas sobre as mulheres, a integração das mulheres em posições de colaboração mais estreita com os homens na Igreja tem sido mais evidente. Historicamente, a colaboração sempre ocorreu no nível de homens e mulheres individualmente. Sou grata ao Papa Francisco e aos que estão trabalhando para ele na Comissão Teológica Internacional por essa abertura para mais mulheres na Comissão. Tanto para as mulheres como para os homens, esta nomeação é importante porque trata-se de trabalhar para a Igreja, de partilhar dons e talentos para o bem comum através desta forma particular de serviço.
Como alguém que experimentou tanto a vida religiosa quanto o casamento, incluindo a maternidade, você vai levar uma perspectiva única para o seu trabalho na Comissão?
Cada pessoa na Comissão Teológica Internacional tem um caminho profissional único e irrepetível. Nenhuma experiência é mais valiosa do que qualquer outra.
Você era uma professora titular de filosofia e foi mãe por muitos anos antes de decidir se tornar uma freira, em 1985. Por que você se juntou às irmãs da Misericórdia?
Pareceu-me, ao longo do tempo, que o Senhor estava pedindo isso de mim. Felizmente, na Igreja Católica, temos a tradição da direção espiritual que ajuda a distinguir sentimentos de realidades espirituais. Os Exercícios Espirituais de Santo Inácio tem um jeito maravilhoso de ajudar uma pessoa a chegar a uma decisão sobre o próximo passo em sua vocação. Estou pessoalmente agradecida por ter feito retiros desse tipo ao longo do caminho em meu discernimento vocacional incluindo os primeiros anos de formação religiosa.
Em segundo lugar, uma vocação tem de ser confirmada por outra pessoa ou pessoas. No caso da vida religiosa, essa confirmação tem que vir do Superior Geral, com a ajuda de seu conselho. No caso do sacerdócio diocesano, a confirmação vem do bispo, e no casamento sacramental, o homem e a mulher, juntos, confirmam sua vocação. Esta confirmação veio dentro de mim e para mim com os outros ao longo dos crescentes estágios de aceitação durante a formação, começando com o postulantado, nas Irmãs Religiosas da Misericórdia de Alma, Michigan, em 1983. Vivendo a vida religiosa no noviciado e, em seguida, na primeira profissão e na renovação de votos, culminando com votos perpétuos em 1990. O apostolado das Irmãs Religiosas da Misericórdia inclui o campo da saúde e da educação, formando as irmãs em um campo particular e oferecendo a sua experiência e seus dons no serviço à Igreja. O nosso sítio, para aqueles interessados em saber mais do meu instituto religioso, pode ser encontrado em www.rsmofalma.org.
Você escreveu muito sobre o conceito de feminilidade na história da filosofia ocidental, começando com Aristóteles. Você se considera uma filósofa feminista?
Eu me considero como uma nova filósofa feminista na linha do Santo Papa João Paulo II. Com isso quero dizer que estou preocupada em ajudar a remover os obstáculos para o pleno desenvolvimento das mulheres em áreas de discriminação, exploração e violência - um desejo que é compartilhado com feministas de outras tradições.
Minha maneira de contribuir é através do pensamento, do ensino e da escrita. Além disso, o novo feminismo assume um ponto de partida ontológico das formas do velho feminismo sobre a questão do "pseudodireito ao aborto". O novo feminismo entende que matar um ser humano inocente em desenvolvimento é algo inerentemente errado. Portanto, uma mulher é chamada a defender a vida inocente, protegê-la, prover para o seu crescimento e nutrição tanto física quanto espiritual; o mesmo se aplica a um homem. Em suma, é minha convicção, como alguém que promove o novo feminismo, acolher na comunidade humana todos os seres humanos em todos os estágios de desenvolvimento à medida que entram em sua esfera de atividade.
Como filósofa treinada profissionalmente, eu aceito muitos princípios aristotélicos, incluindo a identidade do ser humano composta de corpo e alma e a afirmação de Aristóteles de que a ciência natural é sobre o que é "sempre ou na maioria das vezes" o caso. Eu também rejeito seus erros sobre as respectivas identidades do macho humano como naturalmente superior à fêmea humana.
Como você descreveria a sua filosofia ou interesses filosóficos?
Meu interesse pela história da filosofia tem sido sempre na pessoa humana, como macho e fêmea, e na formação da comunidade humana. Como filósofa cristã católica, eu aprecio os desenvolvimentos tomista e neotomistas sobre a estrutura metafísica da alma humana como simultaneamente formada de um corpo humano orgânico específico e espírito. Eu também incorporo a fenomenologia e o personalismo existencial para descrever a dinâmica experiência vivida de ser uma pessoa que age no mundo, em comunhão com outras pessoas para o bem comum de todos. Parece-me que as sete notas ou critérios do Cardeal Newman para um verdadeiro desenvolvimento pode ser demonstrado tanto para a identidade de um ser humano composta de corpo/alma quanto para a complementaridade integral de gênero de uma mulher e de um homem. Suas formulações originais do livro de Gênesis e da filosofia aristotélica foram desenvolvidas através dos séculos por autores católicos de vocação religiosa, clerical e leiga. Meu interesse atual é em fornecer os passos para essa demonstração.
Como filósofa, você espera ter desafios em trabalhar em uma comissão de teólogos?
Espero que seja muito desafiador. A complementaridade entre filósofos e teólogos inclui os mesmos princípios de outros tipos de complementaridade, ou seja, igual dignidade, diferença significativa e as relações sinérgicas. Ela sempre envolve manter a tensão desses princípios, ao mesmo tempo em que trabalha para a sua resolução, através da aplicação de princípios católicos fundamentais em novos caminhos inexplorados. No caso particular do meu trabalho na Comissão Teológica Internacional, estou sendo convidada para uma comunidade de teólogos. Por isso, gostaria de ver a minha posição como um serviço à sua missão teológica. Se seguirmos os princípios da Fides et ratio, as maneiras de fazer este serviço como um filósofo são bem descritas. As questões específicas que a Comissão considerar proporcionará o contexto em que esses princípios serão aplicados.
Quais são algumas das questões ou preocupações que você levar para a comissão?
As questões e preocupações que levo para a comissão são apenas isso, para os membros da comissão.
Quais são as suas esperanças para o futuro?
Há muitos níveis de esperanças particulares no meu coração relacionadas com as pessoas, projetos e situações no mundo. Mas acima de tudo eu espero, pessoalmente, estar aberta à vontade de Deus, na medida de minha possibilidade a cada dia.
O que você espera que as pessoas possam aproveitar de sua vida e carreira?
Eu tento não ter uma esperança específica para qualquer uma dessas coisas. Isso fica para os outros decidir. No final da minha vida, espero ver Nosso Senhor Jesus Cristo face a face e ser convidada à comunhão eterna com Ele na comunhão dos santos.
Qual é o seu versículo favorito e por quê?
Meu verso favorito é aquele que ganha vida em mim quando eu o estou lendo no momento presente.
Você tem pensamentos finais a acrescentar?
Depois que você me pediu para ser entrevistada para a America, pensei em muitos e diferentes membros da Companhia de Jesus, que me ajudaram ao longo dos anos em várias capacidades: como diretores de retiros, confessores, diretores espirituais, oferecendo missas e engajando-se em discussões vigorosas sobre determinados problemas filosóficos. Sou muito grata a eles e feliz de ser capaz de expressar essa gratidão aqui. Desejo também expressar gratidão à minha Superiora Geral e às minhas irmãs religiosas, pelo apoio e oração.
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Uma voz feminista na Comissão Teológica. Entrevista com Prudence Allen - Instituto Humanitas Unisinos - IHU