Quando Bento XVI rezou na mesquita de frente para o Mihrab

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

Por: André | 08 Setembro 2014

Foram 10 minutos e entraram para a história, cancelando definitivamente as polêmicas e as instrumentalizações que se fizeram do discurso de Regensburg. O Papa Ratzinger permaneceu imóvel, sem sapatos, com chinelos brancos aparecendo sob a batina. Tinha os dedos das mãos entrecruzados e apoiados na cruz peitoral de ouro. Rezava em silêncio, com os olhos entreabertos e com o rosto relaxado, movendo de tempos em tempos e quase imperceptivelmente os lábios. Sim, rezava. Mas o estava fazendo numa mesquita, frente de frente para o “mihrab”, o nicho de mármore que indica a direção de Meca. Estava rezando na grande Mesquita Azul de Istambul, ao lado do grão-mufti da cidade, Mustafá Cagrici, que acabava de convidá-lo, inesperadamente, para realizarem juntos esse gesto de recolhimento.

 
Fonte: http://bit.ly/1pX6ezK  

A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada por Vatican Insider, 06-09-2014. A tradução é de André Langer.

As imagens ao vivo (era a tarde do dia 30 de novembro de 2006) deram a volta ao mundo e serviram para insistir melhor do que com mil discursos nesse afeto e nesse respeito pelos fiéis do Islã que o Papa Ratzinger não teria deixado de afirmar desde então, citando a comum referência a Abraão.

Poucos minutos antes, quando Bento XVI e o líder islâmico chegaram diante do “mihrab”, o mufti disse ao Papa: “Aqui a gente se detém para rezar durante 30 segundos, em serenidade”. Depois começou uma oração em voz alta, em árabe. Então, Ratzinger fechou os olhos e juntou os braços para começar a rezar. Permaneceu assim durante mais de 30 segundos, motivo pelo qual o mufti e os demais presentes tiveram que esperar em um silêncio quase irreal. Ao final, como mostra de respeito, inclinou ligeiramente a cabeça para o nicho e disse ao grão-mufti: “Obrigado por este momento de oração”.

“O Papa deteve-se em meditação e dirigiu a Deus seu pensamento”, confirmou imediatamente depois o porta-voz vaticano, o padre Federico Lombardi. E assim, a visita à Mesquita Azul de Istambul, que não figurava no programa e durou apenas alguns minutos, converteu-se em um dos momentos mais importantes da sua viagem à Turquia.

Não foi a primeira vez que isso acontecia, pois também o Papa Wojtyla, em maio de 2001 (três meses antes dos atentados do 11 de setembro), rezou na Mesquita Omíade, em Damasco. Mas, na ocasião o fez apoiando as mãos sobre o sarcófago de mármore que encerra uma relíquia atribuída a São João Batista, em um lugar que antes de ser um lugar sagrado para o Islã havia sido uma Igreja. O impacto midiático daquele simples gesto de Bento XVI foi muito importante. O jornal turco Milliyet intitulou a edição on-line da tarde com o seguinte titulo: “Como um muçulmano”.

Nestes dias se está falando de uma possível viagem papal à Turquia. O patriarca ecumênico de Constantinopla, Bartolomeu I, expressou seu desejo de que Francisco pudesse visitar Istambul para festejar a festa de Santo André, no dia 30 de novembro. E, embora falte muito pouco tempo, no Vaticano espera-se um convite oficial da parte do governo turco. Além das relações sempre fraternas com os cristãos ortodoxos, a eventual viagem de Francisco também estaria marcada pelo diálogo com o Islã, considerando a dramática situação internacional que se vive no Oriente Médio, particularmente no Iraque e na Síria, dois países que têm fronteiras com a Turquia.

Nestes tempos em que há alguns que, para comparar e opor a qualquer custo o atual Pontífice ao seu predecessor, instrumentalizam as palavras de ambos e acabam por fazer uma caricaturização inevitável, é útil recorda aquela imagem da oração silenciosa de Bento XVI. O Papa teólogo, autor do discurso de Regensburg, para quem o diálogo com os muçulmanos “não pode ser reduzido a um ‘extra’ opcional: pelo contrário, esta é uma necessidade vital da qual depende em grande medida o nosso futuro”. Assim, podem descansar em paz os nostálgicos das cruzadas que, simplificando a realidade, esperam uma guerra de religiões e intervenções que, como observaram tanto o sociólogo italiano Masssimo Introvigne como a revista La Civiltà Cattolica, acabariam reforçando os fanáticos verdugos do Califado.