02 Setembro 2014
Programa quer ampliar chances de ascensão profissional e lidar com escassez de técnicos |
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A reportagem é de Ruth Costas, publicada no portal da BBC Brasil, 01-09-2014.
A promessa é da Faculdade Sumaré, uma das instituições de ensino privadas que, desde o ano passado, oferecem cursos do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego, ou Pronatec - uma das principais vitrines de campanha da presidente Dilma Rousseff.
Com cerca de 20 mil alunos de graduação, em questão de meses a Sumaré inscreveu mais de 7 mil estudantes no ensino técnico patrocinado pelo governo. E outras instituições têm histórias semelhantes - e algumas também registram um número alto de desistências, nem todos os matriculados vão até o fim.
O governo diz que o programa é uma plataforma para qualificar trabalhadores a impulsionar a produtividade no Brasil. A meta é alcançar até o fim do ano 8 milhões de matrículas.
Se tais estimativas se confirmarem, isso significa que 4% da população terá se inscrito em um desses cursos profissionalizantes nos últimos quatro anos. E a promessa é chegar até a 10% se Dilma for reeleita.
Além disso, assessores dos candidatos Marina Silva e Aécio Neves também têm se comprometido com uma expansão do programa, embora defendam a necessidade de ajustes.
O desafio do ensino técnico no Brasil é o tema da segunda semana da cobertura especial de eleições da BBC Brasil. A falta de mão de obra qualificada foi um assunto destacado por leitores em uma consulta promovida pelo#salasocial - o projeto da BBC Brasil que usa as redes sociais como fonte de histórias originais - e apontado como um dos temas que deveriam receber mais atenção por parte dos candidatos presidenciais.
R$ 14 bilhões. Valeu a Pena?
O governo paga escolas técnicas, entidades do Sistema S (como Senai, Senac, Senar e Senat), instituições federais e – desde 2013 – faculdades particulares, como a Sumaré, para que elas ofereçam gratuitamente cursos técnicos e de qualificação profissional. O público vai de estudantes ou jovens recém-saídos do ensino médio a desempregados e trabalhadores interessados em se requalificar.
E não é pouca coisa. Desde 2011, foram investidos no Pronatec R$ 14 bilhões.
Provedores disseram receber por hora/aula para cada aluno de R$ 5 a R$ 8. Em um curso técnico de 1.000 horas, isso significa um custo de até R$ 8 mil por estudante ao longo de um ano e meio - em turmas de até 50 alunos.
O objetivo do programa, além de ampliar as chances de ascensão profissional e social dos estudantes, é lidar com o que vem sendo apontado como um dos principais gargalos da economia brasileira: a escassez de técnicos ou trabalhadores com habilidades específicas.
"Desde 2011, por exemplo, a folha salarial da indústria cresceu 12,7%, mas a produtividade do trabalho no setor aumentou apenas 2,6%, o que prejudicou sua competitividade", diz Alessandra Ribeiro, da consultoria Tendências.
O governo insiste que o Pronatec deve contribuir para resolver o problema ao ampliar a qualificação dos trabalhadores - e, com isso, sua produtividade.
"Estamos ofertando cursos de que o Brasil precisa", diz Luiz Cláudio Costa, secretário-executivo do Ministério da Educação (MEC). "O sistema S - cuja participação no programa chega a 70% - tem larga experiência na área e muito conhecimento da demanda das empresas."
Rafael Lucchesi, do Senai, assegura que entre os egressos de cursos da entidade, de 70% a 80% conseguem emprego um ano após finalizar os estudos. Mas os dados de outros provedores ainda não são conhecidos.
Até por isso, especialistas apontam para a necessidade de avaliações independentes que mostrem até que ponto os cursos de fato fazem a diferença para os alunos que procuram emprego e as empresas que buscam trabalhadores no mercado.
"A sociedade tende a achar que é bom criar curso profissionalizante - isso dá voto em todos os níveis sociais", diz Naercio Menezes, do Centro de Políticas Públicas do Insper.
"Mas dizer que milhares de pessoas passaram pelo programa não garante que ele seja efetivo. É surpreendente que a essa altura não tenhamos estudos independentes sobre o seu impacto na empregabilidade dos estudantes e no setor produtivo."
'Inflando' matrículas?
E se há questionamentos sobre a eficácia do programa, o mesmo pode ser dito sobre os métodos usados para atrair novos alunos - como a oferta da Sumaré.
Afinal, é legítimo oferecer um tablet para estimular a adesão ao programa? Não se corre o risco de "inflar" matrículas com alunos "pouco comprometidos" que podem desistir após receber o aparelho?
Tal estratégia comercial, é bom que se diga, é definida pela faculdade – sem interferência do governo.
Júlio Araújo, coordenador da área de ensino técnico e profissional da Sumaré, explica que o aparelho é um material didático, que ajuda os alunos a seguirem o curso de TI.
Ele admite que já houve casos de estudantes que, aparentemente, se inscreveram para ganhar o tablet e acabaram desistindo das aulas.
Isso teria ajudado a elevar a evasão dos cursos da Sumaré para mais de 50%, embora outros fatores - como a dificuldade dos alunos acompanharem o curso e de conciliá-lo com o trabalho - também teriam contribuído para tais índices.
"Trata-se de uma taxa de evasão alta, mas semelhante a de outras faculdades. E o problema tem diminuído conforme informamos melhor os interessados de que o curso é puxado e eles só recebem o tablet no segundo mês", diz Araújo.
Segundo dados oficiais, a taxa de evasão média do Pronatec é de 12% - e no caso de uma desistência os repasses do governo cessam, mas não há como "recuperar" o valor investido inicialmente.
Oportunidades no mercado de trabalho
Costa, do MEC, diz que há um compromisso grande dos alunos com os cursos porque eles acreditam que isso lhes dará mais oportunidades no mercado de trabalho.
A BBC Brasil conversou com alunos, ex-alunos e professores do Pronatec durante um mês e encontrou uma miscelânea de perfis e relatos contraditórios.
Muitos dizem de fato ter conseguido um bom emprego ou mudado de vida com ajuda do programa. Outros, se mostraram frustrados por não encontrar o trabalho desejado.
A oferta de cursos varia muito de região para região - então também é comum encontrar quem não consegue matrícula no de sua preferência.
Há quem admita ter se matriculado porque "sobravam vagas" em sua área, ou para receber o auxílio estudantil oferecido em alguns dos cursos (algo em torno de R$ 2 a R$ 4 por hora/aula para gastos com alimentação e transporte).
"O curso até era bom, mas eu já tinha estudos na área então não fez muita diferença", disse um desses estudantes, de Goiás, após ser contactado pela BBC por Facebook.
Para outros, o auxílio estudantil é crucial para evitar a evasão. "Recebi bolsa na graduação e no mestrado e não vejo porque esses estudantes não possam também ter apoio", opina Andreza Albuquerque, professora de um curso de organização de eventos na Paraíba.
O economista Marcelo Manzano, da Unicamp, diz que a diversidade é natural. Ele explica que o Pronatec é um "programa guarda-chuva" que aglutinou iniciativas de formação profissional ligadas a diversos ministérios e entidades.
"Se considerarmos isso, a expansão de vagas pode não ser tão grande, mas ao promover essa sistematização se permite que haja mais controle sobre os cursos - o que é positivo."
Solução de 'curto prazo'
Há quem tenha uma visão mais crítica do programa.
Para Gabriel Grabowski, especialista em ensino técnico da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul, por exemplo, o Pronatec seria muito focado no "curto prazo".
Ele se refere ao fato de o programa ter dois tipos de curso. Os (cursos) técnicos têm de 800 a 1.200 horas e formam técnicos aeroportuários, em petróleo e gás, joalheria, hospedagem ou calçados – só para mencionar alguns exemplos. Neles, teriam se matriculado 2,1 milhões de pessoas.
O grosso das matrículas, porém, teriam sido feitas nos cursos de Formação Inicial e Continuada (FICs), com duração de 160 a 400 horas - e mais específicos. Podem ser, por exemplo, de auxiliar de saúde bucal, cuidador de idoso, cervejeiro ou produtor de carnes exóticas. Nesses, teriam sido inscritas 5,4 milhões de pessoas.
"Esses cursos mais curtos podem resolver demandas imediatas e específicas das empresas, mas no médio e longo prazo não vão impulsionar a produtividade do país ou abrir os horizontes dos trabalhadores", opina Grabowski.
Na sua visão, o Pronatec comete o mesmo erro de políticas do passado ao descolar a educação profissional do ensino médio.
"A verdade é que se não tivermos um ensino básico de qualidade, que dê instrumentos para as pessoas se ajustarem com facilidade às mudanças no mercado, continuaremos a gastar tempo e recursos qualificando e requalificando trabalhadores em técnicas que em poucos anos já estão obsoletas", acredita Grabowski.
Para Lucchesi, do Senai, a crítica é "academicista": "Não há dúvida que esses cursos fazem a diferença para as empresas e os jovens, que, do contrário teriam mais dificuldade de entrar no mercado", defende.
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