25 Agosto 2014
A decapitação de James Foley, recitada como a cena de um filme, é chocante: atores desajeitados, horror de verdade. Um jornalista de 40 anos, ensacado em uma roupa laranja, abatido no deserto por um homem – definição que não merece – vestido de preto. Gesto monstruoso e pré-histórico; instrumentos sofisticados e novos. Cores, luz, enquadramento, movimentos, tempos: tudo parece estudado para ser visto e divulgado. Se esse fosse o caso – e assim o é, quase certamente – por que ajudar os carnífices? Já lhe fornecemos a tecnologia. Queremos nos tornar os seu porta-vozes?
A reportagem é de Beppe Severgnini, publicada no jornal Corriere della Sera, 21-08-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Essa é a pergunta feita por muitos nestas horas: os governos ocidentais, os controladores da rede (Google pelo YouTube, Twitter), as grandes publicações, as televisões, qualquer pessoa que tenha uma conexão de internet rápida. #ISISMediaBlackout tornou-se viral.
A declaração diz o seguinte: "Quando terroristas ou criminosos de guerra desesperadamente publicizam os seus crimes, não os ajudem. Quando as mídias sociais, jornalistas e observadores compartilham imagens macabras para relatar os fatos fazem um trabalho de relações públicas para eles. Descrevam os seus crimes, não publiquem a sua propaganda".
Muitos aderiram, outros protestaram: em nome da liberdade. Liberdade absoluta de saber, de ver, de se expressar, de decidir. Quem tem razão?
"É uma distorção terrível o fato de que os terroristas do Isis, há muito tempo hábeis no uso das redes sociais, possam contar com plataformas gratuitas para relançar as suas mensagens horrendas e que o façam explorando o boca a boca dos usuários", escreveu Marta Serafini no blog 6 Gradi, do Corriere.it.
E acrescenta: "É claro que se deixa a empresas e sociedades comerciais uma responsabilidade enorme". É assim, mas é inevitável: instrumentos novos, fenômenos novos, decisões novas. Fugir não adianta: a realidade é mais rápida do que nós e nos obriga a escolher todas as vezes.
Algumas publicações de língua inglesa (New York Times, Wall Street Journal, Financial Times) colocaram a notícia da decapitação na parte de baixo, em caracteres pequenos, com fotos de arquivo. Parece um excesso de zelo e uma curiosa escolha jornalística.
O YouTube e o Twitter removeram o vídeo da execução. E, antes que isso acontecesse, vários meios de comunicação – incluindo o Corriere della Sera – evitaram publicá-lo. É justo. Não porque a Casa Branca tenha pedido isso. É justo porque divulgar esse vídeo é o objetivo dos carnífices: impedi-los é um dever.
As fotos do massacre na escola de Beslan (2004)? As imagens dos restos das vítimas do avião abatido na Ucrânia no dia 18 de julho? Chocantes: mas serviam para contar duas loucuras e para evitar outras.
Os libertários absolutos não estão nem aí: ver/ouvir/ler tudo para poder decidir! Remover esse vídeo? Uma censura. Pergunta: talvez compartilhamos vídeos pornográficos antes de condenar a violência sexual contra crianças? Ficaríamos contentes se as imagens angustiantes de um familiar nosso fossem dadas como alimento para a morbidade do mundo? Porque é disso que se trata, sejamos claros.
Acostumados com o sangue e com a violência cinematográfica – que os EUA adulam e vendem sem escrúpulos, não nos esqueçamos – queremos mais: sangue e faca de verdade, não suco de tomate e lâminas de borracha.
Anos atrás, em Los Angeles, conheci Judeah Pearl, homem doce e mente muito fina (estudioso da causalidade, ganhou em 2012 o Turing Prize, o Nobel da informática). Ele é o pai de Daniel, o jornalista norte-americano decapitado no Paquistão em 2002 pela Al-Qaeda. Perguntemos a ele se é nobre e útil, em nome da liberdade de expressão, publicar a gravação da execução de James Foley.
Leio nos comentários do Corriere.it: "Mostrar, absolutamente mostram em vez de fazer ver na TV na faixa protegida, que todos vejam o que significa decapitar um homem usando uma faca, que ouçam os gritos, o barulho gorgolejante dos fios de sangue que brotam e o olhar lúcido e satisfeito do carrasco que segura com as mãos a cabeça gotejante e que, principalmente, se deem conta de quanto tempo é preciso e de como é longo o horror, e depois vejamos quantos simpatizantes restam".
Restariam e aumentariam, gostaria de dizer ao leitor. Entre nós, de fato, não existem apenas Di Battista inadequados e presunçosos ("Quando você não tem os meios para travar uma guerra regular, só resta o terrorismo"). Há pessoas que, diante de problemas complexos, se contentam com respostas simples e horrendas (o mundo é injusto? Um genocídio o purificará). Por que nós, que impedimos a propaganda nazista, devemos tolerar – ou, melhor, apoiar – a do extremismo islâmico?
"O horror, o horror!", evocado pela protagonista de O coração das trevas, sempre paira sobre o mundo: cabe aos homens livres trazer, laboriosamente, a luz. Decidindo o que fazer e o que não fazer; o que dizer e o que não dizer; o que ouvir e o que não ouvir; também o que olhar e o que não olhar.
O Papa Francisco tem razão. Está em curso "uma terceira guerra mundial em capítulos" e ela não acabou. Mas a venceremos, também desta vez.
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Decapitação: os monstros do horror e a escolha de não ser cúmplice - Instituto Humanitas Unisinos - IHU