20 Agosto 2014
Está acontecendo um fato estranho nos Estados Unidos e no mundo. Barack Obama, provavelmente o presidente norte-americano mais corajoso desde os tempos de Roosevelt, está sob acusação, na política norte-americana e na imprensa internacional: ele é uma pessoa inclinada a se retirar do perigo, pouco adaptado a enfrentar o inimigo, é símbolo de uma liderança fraca e incerta, que priva os grandes países democráticos de um percurso seguro. A acusação ocorre em dois níveis, o dos fatos e o da imagem.
A análise é do jornalista e ex-deputado italiano Furio Colombo, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 17-08-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nos fatos, Obama é julgado como hesitante, porque não ataca e não envia soldados. A sua imagem, para muitos, parece ser frágil e quase feminina, porque, em todas as opções que oferece e discute, não fala de guerra.
Tomemos, portanto, todo o caso (que provocou a Obama até mesmo o julgamento severo de Hillary Clinton, que foi a sua secretária de Estado) a partir do ponto onde tudo começa e que faz de Barack Obama o presidente mais novo e diferente dos Estados Unidos desde 1945.
Obama não quer fazer a guerra. Rejeita-a e a exclui dos instrumentos que podem resolver os problemas do mundo. Em primeiro lugar, para que a ideia parecesse isenta de ambiguidades a todos os norte-americanos, Obama fechou um desastroso fronte de guerra, o Iraque, e está se empenhando intensamente para fechar o segundo, o Afeganistão, do qual não pode prever o mesmo destino, uma imensa desordem e uma assustadora falta de liderança.
Um fato interessante é que Obama nunca teorizou sobre a recusa da guerra, conhecendo muito bem a armadilha do pacifismo, instrumento a ser posto de lado junto com a guerra. Mas ele quis dar a entender de imediato que a potência de um grande país conta apenas se não entra no beco sem saída da prova armada.
Esse beco tem apenas duas saídas: vencer com a destruição total (e com risco altíssimo de que essa destruição seja recíproca); ou perder, como sempre aconteceu, da Coreia dividida aos nossos dias.
Todas as vezes os EUA fizeram a guerra para mostrar a sua capacidade de resolver rapidamente os conflitos. Depois, tiveram que parar e negociar, porque as armas de que dispõe são poderosas demais. E não é possível se colocar no comando de um mundo destruído.
Com uma atitude tão paradoxalmente diferente da clássica hegemonia norte-americana (em que se pensava que tudo tinha que ser moldado à imagem e semelhança da Segunda Guerra Mundial, esquecendo-se de que essa guerra não acabou na Europa, mas com as duas bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki), Barack Obama encontra-se neste momento isolado ou, melhor, cercado, como em estado de sítio, por uma incompreensão profunda e generalizada que facilmente se transforma em desprezo. De fato, não causa medo uma pessoa que rejeita a guerra como principal instrumento de governo.
Podemos pôr de lado o ataque de Hillary Clinton, interpretando-o por aquilo que é: um achado eleitoral nada nobre para dar a entender que Clinton será candidata e que ela, embora sendo mulher, tentará levar a política de volta ao lugar que lhe compete, ao lado do uso do poder.
Podemos definir a brutal hostilidade do Tea Party, extrema direita do Partido Republicano, como uma queda vertiginosa da cultura política desse país, incapaz de entender (além de estar empenhada a se opor, por razões de competição partidária) o projeto de redefinição da política de poder de Barack Obama.
O problema é mais grave em dois níveis diferentes: de um lado, as organizações internacionais, começando pelas Nações Unidas, estão fora de serviço, são elevadores emperrados e inúteis. De outro, os governos, começando pela União Europeia, são fracos e distraídos demais. Mas depreciam que "os EUA não se ocupam" de alguns problemas graves. Mas também se recusam a fazê-lo eles mesmos. Ou, como Japão e a Hungria, estão se movendo de tal modo para a direita que não podem sentir nenhum respeito por um país que não mostra as armas em primeiro lugar.
Alguns devem ter notado um fato que, aparentemente, diz respeito apenas aos Estados Unidos e a Israel: o presidente norte-americano quer ser informado sobre todo novo pedido de armas a serem enviadas de um país ao outro, algo que antes era automático; como para marcar uma descontinuidade não no apoio entre país e país, mas na relação com as armas e o seu poder, e a preocupação de colocar a essa potência cada vez mais limites traçados pela política.
Aqui aparece uma analogia extraordinária (embora quase totalmente privada de contatos) entre Barack Obama e o Papa Francisco. Ambos não agradam à respectiva Igreja ou Estado, do ponto de vista da percepção de muitos (brilho, prestígio, temor). Certamente não na percepção das duas opiniões públicas diferentes e da observação dos estranhos interessados.
Tanto Francisco quanto Obama parecem ser, de dois modos e dois mundos diferentes, menos poderosos e, em certo sentido, menos centrais. Espalha-se a ideia de que também se pode desobedecer, porque, nos seus respectivos âmbitos, os dois líderes são "discutíveis".
Digamos que ambos estão correndo um grande risco, porque parecem caminhar no vazio, enquanto tentam se dirigir a um espaço até agora desconhecido, um, rumo à persuasão sem imposição de autoridade, o outro, em busca de um mundo de política e de diplomacia que contém as armas.
Alguns os admiram, mesmo apaixonadamente. Mas a maioria não reconhece os gestos sempre repetidos, até agora, da história. Ainda não sabemos se a imensa novidade representada por dois homens tão diferentes, em âmbito tão diferentes, será acolhida ou rejeitada.
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Obama e Francisco: a coragem em estado de sítio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU