Por: André | 20 Agosto 2014
Ocorreu algo histórico em Cuba e é justo suspender por um momento o fluxo de informações que nos inundam para considerá-lo. É algo que em outros cenários de conflito ou de pós-conflito, inclusive na América Latina, ainda não ocorreu na dimensão necessária para cicatrizar as feridas. Uma delegação de vítimas da longa guerra que se travou na Colômbia – e paradoxalmente ainda se trava – incorporou-se às delegações do governo e da guerrilha que há um ano se sentam ao redor de uma mesa em Cuba para elaborar um acordo de paz que ponha definitivamente fim meio século de lutas cruentas. Um momento esperado e temido, um momento necessário e cujos resultados podem ao mesmo tempo ser tomados como modelo para outros no futuro.
Fonte: http://bit.ly/1rkjjV7 |
A reportagem é de Alver Metalli e publicada no sítio Vatican Insider, 19-08-2014. A tradução é de André Langer.
Em meio ao silêncio geral, diante do olhar cheio de expectativas dos presentes, o próprio chefe da delegação das FARC, Iván Márquez, aproximou-se de Constanza Turbay e apertou-lhe a mão, fazendo acompanhar o gesto com palavras que não puderam ser ouvidas, mas que a mulher resumiu logo depois. “Márquez aproximou-se com sentimentos de sinceridade e me pediu perdão. Não foi um perdão mecânico, foi um perdão de coração. Disse que foi um erro o que aconteceu com a minha família e que contasse com o esclarecimento da verdade”.
A família de Constanza Turbay – que sofreu sete cirurgias no pescoço devido a um tumor – foi exterminada no dia 29 de dezembro de 2009 por um comando das FARC quando se deslocava para o aeroporto da Província de Caquetá. Sobre o asfalto foram mortos com tiros sua mãe, Inés, seu irmão Diego, conhecido político do Partido Liberal e membro da Comissão de Paz da Câmara, um amigo da família, Jaime Peña, três homens da escolta e o motorista. Um caso Moro a 13.000 quilômetros de distância, que, de modo semelhante ao assassinato do político italiano, provocou um fortíssimo impacto na sociedade colombiana.
Começou assim a última e mais difícil fase das negociações, depois dos acordos já alcançados sobre a reforma agrária, a questão da terra, a participação na política dos guerrilheiros que renunciam à violência e a luta contra o narcotráfico. Com um gesto imprevisto e ao mesmo tempo desejado, que Constanza Turbay disse ter esperado durante 19 anos.
No mesmo momento em que em Havana se olhavam nos olhos vítimas e verdugos, em Bogotá acontecia um Congresso que contou com a presença do arcebispo de Viena, Christoph Schönborn, e outro cardeal, o colombiano Rubén Salazar Gómez começou sua colocação declarando que “a Colômbia é capaz de misericórdia”. Provavelmente, ainda não sabia o que acabava de ocorrer em Cuba, ou talvez confiasse na qualidade humana das vítimas que havia ajudado a escolher como representantes. Mas de todos os modos não há nada automático no que aconteceu, nada que se pudesse dar por certo, nada que fosse fácil. No entanto, na Colômbia todos têm muito claro que só a misericórdia pode fazer com que a justiça também seja verdadeira.
A delegação que se uniu aos veteranos negociadores em Cuba é formada por cinco vítimas das FARC, quatro do Estado, dois dos paramilitares e uma de outros grupos armados. Um elenco de histórias trágicas, de inaudita violência. Como a de Ángela María Giraldo, irmã de Francisco Javier Giraldo, político sequestrado em abril de 2002 e assassinado em 2007 junto com outros prisioneiros, ou a de Yaneth Bautista, irmã de um membro do movimento guerrilheiro M-19 que depois de ter sido dissolvido foi raptado e assassinado por militares que agiam por conta própria. Marina Bernal viu como raptavam e assassinavam o seu filho de 27 anos, e também nesse caso eram militares corruptos. Nelly González, mãe do tenente Alfonso Rodríguez, assassinado pelas FARC, admitiu que chegou à ilha “com medo, com angústia, com ansiedade por nos encontrarmos diante dos nossos algozes”. Mas, depois reconheceu que havia sido escutada com muito respeito. Com palavras precisas disse que o que haviam vivido foi “o primeiro momento em que se pode tocar, talvez, as fibras do ser humano”.
A eles se somarão outros 60 delegados nos próximos dias, representando os 6,7 milhões de vítimas registradas como tais.
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Colômbia. Guerra e perdão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU